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Fábula canina

 

Embaixada dos cães junto a Júpiter

Fedro

      Um dia, os Cães enviaram embaixadores a Júpiter, para suplicar-lhe que lhes concedesse uma condição mais suave e os subtraísse dos maus-tratos dos homens; pois nada lhes era dado além de pão velho, e para matar a fome, eram obrigados a revirar os mais imundos detritos. Os embaixadores partem então, seguem sem se apressar, farejando cada monte de esterco para ali encontrar algum alimento. Mercúrio os chama e eles não respondem; afinal, esse deus vai procurá-los e os leva, perturbados, perante Júpiter. Mas, tão logo viram o ar severo e majestoso do Senhor do Olimpo, sentiram tal terror que infectaram toda a corte celeste. Espulsos a golpes de cajado, tentavam sair, quando o grande Júpiter proibiu que fossem mandados de volta.

      Entretanto, os Cães, surpresos por não verem voltar seus delegados, deduziram que eles haviam cometido alguma tolice; assim, pouco tempo depois, foram escolhidos outros embaixadores. A fama já havia traído os primeiros e, no temor de vê-los repetir semelhante acidente, injetaram-lhes no ânus perfumes, e em profusão. Eles recebem as petições, partem logo a seguir. Ao chegar, pedem audiência e o obtêm de imediato. Então o pai, o senhor de todos os deuses, senta-se em seu trono, agita seu raio terrível e faz tremer o universo. Os Cães, surpresos com aquele terrível estrondo, ficaram tão apavorados que deixaram sair perfumes e excrementos. Todo o Olimpo pediu justiça para semelhante afronta. Mas, antes de condená-los, Júpiter assim falou: "Um rei não deve reter embaixadores; entretanto, não me será nada dificil punir esse insulto como ele merece. Não quero que sejam mantidos aqui, mas vocês serão de agora em diante atormentados pela fome, para que se lembrem de que deveriam outrora ter sido sóbrios; recebam esta recompensa como todo castigo. Quanto aqueles que tão tolamente os enviaram até mim, sofrerão para sempre os ultrajes dos homens".

     Eis porque seus descendentes, que esperam ainda pelos primeiros delegados, quando vêem um novo Cão, correm a farejar-lhe o traseiro.    

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Extraído de: COSTA, Flávio Moreira da. Os melhores contos de cães & gatos. Rio de Janeiro: Ediouro, 2007.

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