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Conto

 

Feliz aniversário


                                                                          Margarete Hülsendeger

A verdade é que não há verdade.
Pablo Neruda

        Um aroma delicado de ervas e condimentos impregnava o ar. As mesas arrumadas com toalhas brancas tinham em seu centro pequenos arranjos florais. A louça fina dava um toque de elegância ao ambiente. Uma música de fundo suave não perturbava a conversa das pessoas que, sem pressa, usufruíam daquele momento como se estivessem em algum tipo de ritual.
        Sozinha, em uma mesa, Laura olhava o cardápio. Ele lhe fora entregue, com uma mesura, por um garçom. Fez sua escolha, lançando apenas um rápido olhar para o preço de cada prato. Dinheiro, nessa noite, não seria problema. Era o dia de seu aniversário.
Muitas vezes, ela pedira a Paulo para trazê-la a este restaurante. Ele sempre arranjara alguma desculpa. Laura, entretanto, decidiu que já era hora de matar essa sua vontade. Pagava de seu próprio bolso o que durante tanto tempo lhe fora negado. Deu-se, inclusive, ao luxo de pedir uma taça de vinho para acompanhar a refeição.
        Quando já estava terminando, ela os viu entrar. Pareciam felizes e apaixonados. Um verdadeiro casal.
        Eles se olhavam de uma maneira que excluía tudo e todos. Estavam vivendo em um universo particular. E não era só o olhar. Cada gesto, cada sorriso, demonstrava amor e paixão. Com Laura, tudo fora sempre frio e distante. Carinhos nervosos. Rápidos beijos. Tantas desculpas. E a solidão se avolumando sem ela nem mesmo perceber.
         Com amargura, recordou os anos de fidelidade canina com a qual seguira e amara Paulo. Uma raiva imensa, como nunca antes havia experimentado, ameaçou sufocá-la. Queria lançar sobre aqueles dois toda a sua fúria e frustração. Sem qualquer piedade, imaginou-se golpeando aqueles rostos tão contentes e enamorados.
         No entanto, a loucura, que momentaneamente a dominou, foi pouco a pouco diminuindo. Eles, enquanto isso, nada haviam notado. Só tinham olhos um para o outro. Ela não existia. Na verdade, pela primeira vez, compreendeu que nunca havia existido. Tudo o que vivera com Paulo fora uma mentira, um nada. A mágoa e a tristeza do tempo perdido foram os únicos sentimentos que lhe restaram.
         Mais calma, resolveu levantar e ir embora. Sua comemoração de aniversário havia chegado ao fim. Decidiu, no entanto, que já era tempo de enfrentar aquela situação. Então, lentamente, foi-se aproximando da mesa onde o casal estava sentado.
        Ele a viu primeiro. Com constrangimento, soltou a mão que segurava. Quis se levantar, mas, Laura, com um gesto, o impediu.
        Ela olhou para os dois em silêncio. Pensou em falar, mas percebeu que nada mais lhe restava para dizer. Depois de alguns segundos, finalmente, se virou para sair. E foi em meio à música, que ainda tocava, do ruído discreto dos talheres raspando a louça fina e das vozes sussurradas, que Laura ainda conseguiu ouvir:
         -Paulo? Essa é a sua ex-noiva?
         -Sim, Felipe. Essa é a Laura.


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Margarete Hülsendeger

Cronista e contista gaúcha, colabora regularmente com as revistas "Entretextos", "Virtual Partes"; os sites "Argumento. Net", "Portal Literal" e, apartir de agora, com o "Tiro de Letra".

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