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Como escreve?
Jack Kerouac

"Você primeiro pensa no que realmente aconteceu, conta longas histórias a respeito, para os amigos, rumina tudo na sua cabeça, monta do jeito que quiser, e aí, quando chega a hora de pagar o aluguel de novo, você se obriga a sentar na máquina de escrever, ou a pegar o caderno de anotações, e resolver o problema o mais rápido possível... e não há mal nenhum nisso, porque já tem a história toda esboçada. Agora, o modo de fazer isso depende do tipo de arapuca que você armou na sua velha cabecinha. Pode parecer exagero, mas uma garota disse uma vez que eu tinha um cérebro de arapuca. Ela quis dizer que eu a pegava com uma afirmação que ela tinha feito uma hora atrás, apesar de nossa conversa ter percorrido um milhão de anos-luz desde aquele momento... Você entende o que quero dizer? É como a cabeça de um advogado, por exemplo. Minha mente registra tudo, a não ser a linguagem que é usada no momento da conversa... E quanto a On the road e The subterraneans, não eu não consigo escrever mais tão rápido... Escrever The subs em três noites foi realmente um feito atlético fantástico, além de mental, devia ter me visto depois que acabei... Estava branco como um defunto, tinha perdido sete quilos e não me reconhecia no espelho. O que faço hoje é escrever uma média de oito mil palavras por vez, no meio da noite, e outro tanto uma semana depois, tirando o intervalo para descansar e reclamar. Na verdade eu odeio escrever. Não vejo graça nenhuma nisso, porque eu não consigo levantar e dizer 'estou trabalhando, feche a porta', e mandar trazer café e ficar ali sentado, acomodado, como um 'literato' 'cumprindo suas oito horas de trabalho', e com isso enchendo o mercado editorial com um monte de termos áridos forçados e bombásticos... Você já ouviu um político usando mil e quinhentas palavras para dizer uma coisa que ele poderia ter dito em apenas três palavras? Então, eu termino logo o trabalho, para não me aborrecer também".

Fonte: Os escritores 2: as históricas entrevistas da Paris Review. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

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