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Crônica-conto

A EXPERIÊNCIA

Margarete. V. C. Hülsendeger

"Cuidado com a tristeza. Ela é um vício".

Gustave Flaubert

       Escrever sobre a tristeza, quando não se está triste, é uma tarefa difícil. Esse é um daqueles sentimentos que só podem ser descritos quando estamos tomados por ele. Eu diria que se assemelha a uma dor dente. Na hora é horrível, nos deixa arrasados, abatidos e sem ação, mas depois, quando passa, tudo é esquecido, e, muitas vezes, sequer conseguimos lembrar os motivos que nos levaram a senti-la.

       No entanto, a tristeza tem a sua própria dinâmica ou modus operanti. Algumas vezes, ela chega de mansinho, sorrateiramente. Vai-se instalando sem pedir licença, como se fosse uma amiga que há muito tempo não vemos. Outras vezes, ela vem numa avalanche, nos pegando e arrastando, sem aviso ou piedade. Nesses momentos ela simplesmente nos joga no chão, nos fere e maltrata.

       Mas, como já expliquei, é muito difícil escrever sobre a tristeza quando não se está triste. Será, no entanto, que é possível provocá-la? Será que é possível trazê-la à tona, na forma de um experimento científico?

       Outro dia, imbuída do espírito científico, resolvi tornar-me uma cobaia. Busquei, então, um velho álbum de fotografias e, sozinha, comecei a folheá-lo. E, de repente, mesmo acreditando estar preparada, uma sensação difícil de definir começou a me dominar: era como se o mundo (o universo talvez!) estivesse encolhendo a minha volta. Tudo e todos foram diminuindo, diminuindo,..., até só restar aquelas velhas fotos e eu.

       Senti uma necessidade estranha de capturar o significado das expressões, dos sorrisos e, até mesmo, do franzir das sobrancelhas de cada uma daquelas pessoas que congeladas, naquelas velhas fotos, estavam fora do tempo e do espaço. Tinha certeza que a qualquer momento elas passariam a conversar comigo, contando-me histórias e antigos segredos. Percebi que poderia retornar àquele instante no qual sorrisos foram preparados cuidadosamente com o único objetivo de se tornarem eternos e intocáveis.

       Mas, ai de mim! Ao acordar desse devaneio, logo compreendi que os momentos ali retratados não voltariam mais. Tudo havia sido uma ilusão. As imagens e, consequentemente, os sentimentos ali capturados estavam irremediavelmente perdidos ou, na melhor das hipóteses, gastos pela passagem do tempo.

       Um peso caiu sobre o meu coração. Uma névoa encobriu minha alma. Senti como se um pedaço de mim estivesse faltando. Pedaço que havia ficado para trás, aprisionado em meio a velhas e amareladas fotografias. Um sentimento indescritível tomou conta de mim. Então, sem perceber ou desejar, chorei.

       E o que ocorreu com a minha experiência científica? Não sei. Creio que consegui realizá-la com relativo sucesso, mas não tenho certeza se ela foi suficientemente conclusiva. Na opinião dessa cobaia, esse, como qualquer outro experimento, está sujeito às mais variadas interpretações, que dependem, como defende a Física, do observador, que no caso em questão era eu. Assim, todas as conclusões são possíveis, todos os resultados são aceitáveis. Pode-se, inclusive, concluir que o melhor é permanecer longe dos velhos álbuns de fotografias.

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Margarete Hülsendeger
Cronista e contista gaúcha, colabora regularmente com as revistas "Entretextos", "Virtual Partes"; os sites "Argumento. Net", "Portal Literal" e "Tiro de Letra".

 

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