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BOAS INTENÇÕES
Margarete Hülsendeger
Só o inimigo não trai nunca.
Nelson Rodrigues
Quando chegou em casa, o envelope branco já estava sobre a mesa da cozinha. Era um envelope comum, daqueles que podem ser encontrados em qualquer papelaria. Em letra caprichada, e colocado bem ao centro, o sobrescrito: “Para Laura”. Não havia remetente.
Durante alguns minutos, Laura ficou revirando-o nas mãos. Tentava decidir se devia ou não abri-lo. A ausência de um remetente a tinha deixado nervosa. Resolveu, no entanto, colocar de lado aqueles estranhos pressentimentos e decidida abriu o envelope. No seu interior havia apenas uma folha de papel, coberta pela mesma letra caprichada do sobrescrito. Laura começou a ler.
Cara Laura:
Tu não me conheces. Entretanto, eu passei a te conhecer muito bem. Não me envergonho de dizer que há algumas semanas venho te seguindo. Porém, não precisas ter medo, pois não quero te fazer nenhum mal. Ao contrário. Minhas atitudes podem ser estranhas, mas meus motivos são perfeitamente justificáveis. Tenho esperanças que se seguires lendo essa carta terminarás me compreendendo.
Nesse ponto, Laura interrompeu a leitura. “Quem será esse louco? Sim, porque só um louco envia uma carta dessas”, pensava assustada. Procurou lembrar-se dos lugares onde costumava ir e dos muitos rostos que por ela haviam passado. Nada. Não conseguiu se lembrar de ninguém em especial. Nervosa, esteve a ponto de rasgar o papel, mas, vencida pela curiosidade, retomou a leitura:
Sei que estás amando. Sei que essa emoção tem dominado todos os teus pensamentos. Que tens mentido e até te ocultado para viver isso que consideras o amor da tua vida. Como sei? Já te disse, há algum tempo venho te observando. Além disso, eu também, não me envergonho em dizer, vivi um grande amor. E por já ter experimentado esse sentimento, sinto-me na obrigação de te alertar. Meu conselho – se é que tenho esse direito – é que procures saber mais do que hoje sabes. Alguma vez ele já te levou a sua casa? O que conheces do seu passado? Acreditas que ele te devote o mesmo amor que tens dedicado a ele?
Se antes de iniciar a leitura Laura já se sentia apreensiva, agora ela estava apavorada. “Meu Deus! Como esse desconhecido – ou será desconhecida? – sabe tanto a meu respeito?”, perguntava-se. Será que o seu autor pretendia realizar algum tipo de chantagem? Se assim fosse, o que deveria fazer? Contar a seus pais estava fora de cogitação. Esse desconhecido a acusava de mentir e de se esconder. Como, então, levar ao conhecimento deles aquela história? Eles jamais entenderiam. Angustiada, continuou a ler:
Essas perguntas, assim colocadas, parecem duras e insensíveis, no entanto, têm uma razão de ser. Eu mesma nunca as fiz. E por não fazê-las muito sofri. Estou, apenas, tentando te poupar de maiores dissabores. Sei o que vais me responder: que ele é o amor da tua vida, que o passado não te interessa e que a casa dele é o lugar onde vocês se encontram. Para ti essas palavras até podem ter sabor de verdade, contudo, volto a te alertar, procura conhecer melhor aquele que dizes ser o teu grande amor. Se ele nada tem a esconder, não precisas te preocupar. Do mesmo modo, se tens absoluta confiança em seus sentimentos, basta que rasgues essa folha de papel e esqueças tudo o que nela está escrito. Mas, lembra: o amor não deve ser construído na cegueira, mas sobre a mais completa lucidez.
Não me consideres mal, meu único objetivo é ajudar. Não quero que sofras. Reflete, portanto, sobre as minhas palavras procurando encontrar, dentro de ti mesma, as respostas a todos esses questionamentos.
De alguém, apenas, interessado no teu bem-estar.
Laura ficou olhando para a folha de papel por mais alguns minutos. Como já suspeitava, não encontrou nenhuma assinatura no final da mensagem. O autor da carta, valendo-se do anonimato, lançava acusações veladas sem apresentar uma única prova do que estava afirmando. “Um covarde!”, pensou.
Sem pressa e com determinação, Laura começou a rasgar, em pequenos pedaços, a folha de papel. Ela não se deixaria abalar por uma atitude maldosa como aquela. Era evidente que, além de covarde, esse indivíduo era um invejoso. Nada havia a descobrir ou esclarecer. Ela estava certa disso.
Quando da carta nada mais havia restado, jogou tudo no lixo. Sobre a mesa apenas o envelope vazio permanecia intacto. Nele ainda podia-se ler, em letra caprichada, o sobrescrito: “Para Laura”. Sem aviso, um calafrio percorreu a sua espinha. “E se fosse verdade?”. Com medo, ela afastou o pensamento, e sem parar para refletir deu ao envelope o mesmo destino da carta, o lixo.
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Margarete Hülsendeger
Cronista e contista gaúcha, colabora regularmente com as revistas "Entretextos", "Virtual Partes"; os sites "Argumento. Net", "Portal Literal" e "Tiro de Letra".
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