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Reflexões literárias

Trancos e barrancos literários

Cecília Prada

       Vem cá, vou te contar uma coisa, aquela noite fria paulistana, de chuva, e aquela reunião de poucas, tão poucas pessoas , na Oficina Literária, e as escritoras reunidas - no final dos anos 1990. Lygia Fagundes Telles presidia a mesa - e foi aquele o único dia em que a vi mal-humorada e pessimista em toda a vida que a conheço.

       “Era uma noite de chuva e frio”.  E se a gente fosse uma escritora antiga pegava todos os reflexos das luzes nas poças d’água, o tec-tec das goteiras nos telhados de zinco, coisas de cobertas acolhedoras, uma xícara de chá, um livro na cabeceira da cama, e ...

       Pois te digo: literatura é esse espaço de gostosuras, de noite de chuva. Xícara de chá de velhas solteironas – diria Proust.

       E então é esta imensa distância, esta impossibilidade espessa dentro da qual todos nós, escritores sobreviventes, nos agitamos aparvalhados. Distância da literatura (esgotou-se o estoque de chá?).

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Extraido de: PRADA, Cecília. Entre o itinerário e o desejo. São Paulo: Scortecci, 2012.

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Cecília Prada

Escritora e jornalista, estreou na década de 50 no jornal A Gazeta de São Paulo. Como jornalista trabalhou em vários jornais e revistas de São Paulo e Rio de Janeiro, e em 1980 ganhou o Prêmio Esso de Reportagem pela Folha de São Paulo. É detentora de quatro prêmios literários e tem seis livros de contos publicados, dentre os quais: O caos na sala de jantar, Estudos de interiores para uma arquitetura da solidão e Faróis estrábicos na noite, além de vários livros sobre jornalismo. Seus contos e artigos figuram em revistas estrangeiras e em antologias brasileiras e do exterior. Foi diplomata de carreira (turma de 1957) do Instituto Rio Branco, do Ministério das Relações Exteriores. Atualmente reside em Campinas (SP).  

    

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