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Contos & Reflexão Literária

A UM LIVRO QUE NÃO SE

DEIXA ESCREVER

 

 

Cecília Prada

 

Vem, Livro, senta aqui ao lado da minha cama, pega na minha mão, vem,  eu não posso dormir de tanta tensão - tenho de te parir. Afaga a minha cabeça, me põe no colo - ou sou eu ‚ que te devo por no meu? Eu sou tua escriba. Você me usa para se expressar, impiedoso, ambíguo, quando quer , - teu bel prazer, se escorregando nas pontas - peixe ensebado, se negando, sem se entregar. Eu estou exausta.Você não podia vir se derramando sem mais frescuras, todo fluência e se contando?

            Não. Você tinha de ser feito de pedra, como tudo. Livro-pedra no sapato. Queria te pensar gostoso, livro-sorvete, se derretendo no céu da boca, sorvete de limão no calor, chazinho quente no inverno. É assim que os livros bem comportados se comportam.Vai. Senta a¡ do lado da cama da minha madrugada insone.  Vai me contando uma história,  Livro. Pode ser a tua. Ou a minha, melhor. Sou toda ouvidos. (ah! isto o que eu queria ser, não mais a menina faladeira, a que fala pelos quatro cotovelos literários, mas a menina que escuta histórias imemoriais...)

       "...se não fosse Édipo e o casamento, o que haveria para se contar?", e aí  está  o Ponto de Nó - que é dito não por mim, mas por Roland Barthes.

 

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