Volta para a capa
Conto

DE AMOR E OUTROS SENTIMENTOS

Margarete Hülsendeger

Sinto a falta dele

como se me faltasse um dente na frente:

excrucitante

Clarice Lispector

      O aeroporto estava fechado para pousos e decolagens. Uma densa neblina cobria toda a cidade. Laura, sozinha, aguardava que os pousos fossem logo liberados. Ansiosa, andava, de um lado para o outro, olhando para os monitores que a cada instante atualizavam os horários de chegada e partida dos aviões. Na mão, ela segurava com força um papel amassado.

      O quarto estava às escuras. Apesar do dia já ir adiantado, as janelas fechadas dificultavam a entrada do sol. Uma única lâmpada, em um abajur colocado, na mesa, ao lado da cama, impedia que o ambiente estivesse imerso na total escuridão. Várias peças de roupa encontravam-se espalhadas pelo assoalho. Na cama dois vultos abraçados dormiam. Suas respirações eram lentas e seus rostos relaxados. Um odor almiscarado impregnava o ar.

      Aguardando nervosa, em frente ao portão de desembarque, Laura pensava sobre o quanto sua vida se modificara nos últimos meses. Ela sabia que seu tempo de inocência havia definitivamente chegado ao fim. Estava cansada de ser a boa filha, obediente e ajuizada, de escutar entre murmúrios: “Lá vai a Laura, tão boa moça, mas, não teve sorte na vida”. Estava cansada de ser “a pobrezinha”. E por estar cansada – muito cansada – resolvera deixar de ser ela mesma. E se era uma ilusão o que agora vivia ela não se importava. Hoje, desejava apenas estar neste aeroporto, esperando.

       No quarto a mulher despertou. No entanto, não quis de imediato se mover. Quieta, sentiu o cheiro que vinha dos lençóis e com ele uma onda intensa de prazer a inundou. Virando-se, abriu lentamente os olhos e em um instante lembrou-se de tudo. O travesseiro ao seu lado ainda exibia a marca da cabeça que ali estivera deitada. Agarrando-se a ele, quis reter, na sua memória, o odor que dali emanava. Lágrimas de tristeza e saudade começaram a rolar pelo seu rosto.

      Mergulhada em seus pensamentos, Laura levou um susto quando ouviu o aviso de chegada de um novo voo. Correu até o monitor mais próximo para verificar se era o que estava aguardando. Um sorriso de satisfação iluminou o seu rosto. Enfim.

      Na mesa, ao lado da cama, a mulher encontrou uma folha de papel. Nela estavam escritas apenas poucas palavras. Após lê-las, abraçou com mais força o travesseiro e fechando novamente os olhos, valeu-se da quietude do quarto, e voltou a sonhar.

      Os primeiros passageiros começaram a surgir. Laura na ponta dos pés procurou ver quem estava saindo. Na mão, ainda segurava o papel amassado. As palavras que ali estavam escritas ela já as sabia de cor. Contudo, a simples presença daquela folha de papel segura em suas mãos lhe dava a certeza de que no final tudo daria certo. Os momentos que havia vivido não foram uma ilusão. E ela estava pronta para finalmente experimentar tudo o que a vida até agora tinha lhe negado.

      De repente, diante da porta de desembarque, alguém acenou. Deixando a folha de papel cair no chão, feliz e sem se preocupar com mais nada ela correu até ele.

___________________

Margarete Hülsendeger
Cronista e contista gaúcha, colabora regularmente com as revistas "Entretextos", "Virtual Partes"; os sites "Argumento. Net", "Portal Literal" e "Tiro de Letra".

- Link1
- Link2
- Link3