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Crônica

ADEUS

Margarete Hülsendeger

                                                                                                          

Só nos curamos de um sofrimento depois de

o haver suportado até ao fim.

Proust

 
 

       Em frente ao prédio, o táxi parou com uma freada brusca. Cintia pedira ao motorista que andasse rápido. Ela tinha pressa. Estava nervosa e com medo.

       Passou pela porta sem nem mesmo perceber que havia empurrado uma velha senhora. Seu pensamento estava distante. Lembrava-se da primeira crise. A dor. O sofrimento. A impotência. Ela não teria conseguido demonstrar tanta coragem. Ele, por outro lado, se mostrara todo o tempo muito valente. Um verdadeiro guerreiro.

       O elevador estava lotado. Nervosa, resolveu ir pelas escadas. Entretanto, ao subi-las sentiu o coração disparar. “E se sofresse um infarto? Aqui, onde não há ninguém para socorrê-la?”. Com medo, acelerou o passo.

       Quando, finalmente, chegou ao andar percebeu que o corredor seguia em sentidos opostos. “E agora? Qual é a sala?”. Respirando fundo, ela procurou controlar a ansiedade. Não seria bom se ele a visse dessa maneira.

       O barulho de uma porta sendo aberta chamou a sua atenção. Uma mulher, pisando mansinho, saiu de uma das salas.

       - Por favor, poderia me informar onde é a sala 4B? - Perguntou, Cintia, tentando disfarçar o seu nervosismo.

       Com um único olhar, a mulher logo compreendeu toda a situação. Com calma e um sorriso solidário ela apontou para uma das portas. De repente, Cintia não tinha mais pressa. O receio do que ia encontrar vez com diminuísse o passo.

       Lentamente, ela caminhou até a porta indicada e, com cuidado, a abriu, tentando não fazer barulho. Apenas uma lâmpada acessa iluminava o ambiente. A sala, sem janelas, era fria e nela, além de um armário de metal, havia apenas uma maca colocada a um canto. Era sobre ela que ele estava deitado. Cintia sentiu seu coração diminuir de tamanho, tal a dor que experimentou ao vê-lo naquele estado. Sua respiração era acelerada e da boca aberta um fio de saliva escorria. Ele estava inconsciente.

       Cintia engoliu em seco tentando dominar o choro. Sentiu um desejo enorme de abraçá-lo. Assim, com todo o cuidado aproximou-se dele e baixinho, sussurrou em seu ouvido palavras de consolo. Ele parecia não escutá-la, mas para ela isso não tinha a menor importância.

        A porta se abriu com um pequeno rangido. Era a médica. As duas trocaram um olhar silencioso de entendimento. Mesmo assim, Cintia não conseguiu deixar de perguntar:

       - Doutora, não entendo, ontem mesmo ele parecia tão bem.

       - Lamento. Fizemos todo o possível, mas ele está sofrendo muito.

       Cintia compreendeu o que ela estava querendo lhe dizer. Contudo, nesses últimos dias passara a ter esperanças. Convencera-se que o pior tinha passado.

       - Você não quer se despedir enquanto preparo tudo? - Sugeriu a médica.

       Cintia anuiu com um leve aceno de cabeça. Respirando fundo, afagou-o, com carinho. Não conseguia encontrar palavras que dessem a real dimensão do seu sofrimento. Limitou-se a permanecer ao seu lado, tornando a sua presença o único testemunho dos seus sentimentos.

       A médica olhava, penalizada, a cena. Assim, foi com delicadeza que colocou a mão sobre o ombro de Cintia.

       Você já se despediu? Quer um pouco mais de tempo?

       - Não. - Cintia respondeu, sem conseguir mais conter as lágrimas. - Faça rápido o que tem de ser feito.

       Em silêncio a médica se aproximou.

       Quando saiu do prédio, Cintia teve dificuldades de se orientar. Sentia-se vazia e trêmula. Ao ver passar um táxi automaticamente acenou para ele. Quando já estava se afastando, voltou-se e olhou uma última vez para o prédio. Lá, no alto da fachada, o letreiro anunciava: “CLÍNICA VETERINÁRIA PELO & PENA: aqui seu animal de estimação terá o melhor atendimento”.

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