O tocador de sinos

Flavio Ferrarini

          No registro fotográfico datado de 21 de dezembro de 1909 do Grupo Escolar Pedro Avec, Tonieto Campana está montado em um burro, sobre o lombo  do qual trota no repetir de ano. Tem orelhas arrumadas para guarda-chuva. Veste calça de tecido riscado, puxada à  altura dos mamilos. Na idade dos dezoito, Tonieto já pertence ao campanário em pedra talhada de Vila Faconda, como tocador dos cinco sinos fundidos em bronze, trazidos da França. Tonieto Campana faz cantar os sinos na hora do almoço e na prece da Ave-Maria. Pela boca dos sinos, anuncia a missa dominical das sete e oito da manhã e das seis horas da tarde. No dia de finados de 1930, ao consertar os cordames, quando a tarde se concentra no enovelar os últimos fios de claridade, Padre Onto acerta-lhe uma bengalada no nariz, pois o toma por alvitreiro. A notícia gargalha como pipoca pulando na panela em Vila Faconda, mundo e arredores. No mês dos cachorros loucos de 1931, Tonieto Campana casa com Gioconda, mulher morsada entre as obrigações para com o marido e o zelo com a manutenção da igreja matriz de Faconda. Tonieto não dá gatilho a nenhum rebento. Aos sessenta anos de idade, o viúvo Tonieto não tem mais nem sono para dormir de noite. Sobrevive de esmolas. Suas esperanças vão crescendo para baixo feito rabo de burro. Em 12 de setembro de 1969, Tonieto Campana sobe a colina florida de Vila Faconda para o campo santo, sob o dobrar plangente dos sinos do campanário que ele assustou por mais de meio século.

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Flávio Luis Ferrarini é

publicitário e colunista dos jornais O Florense e Semanário de Bento Gonçalves (RS). Empresta seu nome à Biblioteca Pública Municipal de Nova Pádua e publicou mais de 20 livros nos gêneros de contos, crônicas, poesia, poesia em prosa, novela e narrativas infanto-juvenis. Suas obras mereceram artigos elogiosos do ensaísta e poeta José Paulo Paes e do escritor e crítico literário Marcelo Bakes.