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Conto

 

Genro na casa da sogra

Flávio Luis Ferrarini


O futuro genro chega à casa da sogra pela primeira vez. Não tem boca para nada. Sequer a cumprimenta. Na hora do almoço, mal toca no prato de comida. Mudo como um peixe, mastiga os próprios pensamentos. Sente-se tão desconfortável como se estivesse calçando um tênis três números menores do que o pé. Sai da casa da sogra, fechando a porta com extremo cuidado atrás de si.

No segundo domingo, cumprimenta a sogra soprando um “oi”, praticamente inaudível, do portão da casa. Gasta alguns minutos brincando com o irmãozinho da namorada, com a sutil intenção de conquistar a sua simpatia. Fingindo delicadeza, apenas prova a comida de que a sogra o serve constantemente.

No terceiro domigo, cumprimenta a sogra com um abraço, beija o cunhadinho e afaga o cachorro. Prestativo, ajuda o sogro a assar o churrasco. À mesa, tempera a comida da sogra com elogios e já fala mais do que ouve. Findo o almoço, recolhe os ossos dos pratos e os coloca no prato do cachorro.

No quarto domingo, cobre a sogra com beijos e cumprimenta o sogro com um forte aperto de mão. Permite que o cachorro desmanche o cadarço de seu tênis novo. À mesa, repete o prato da sobremesa cinco vezes. Não tira o olho do controle remoto da televisão.

No quinto domingo, cumprimenta rapidamente a sogra, pois acha que já é de casa. Durante o almoço, enche de coices o cachorro debaixo da mesa e belisca o irmãozinho da namorada. Depois do almoço, assume o comando do controle da televisão.

No sexto domingo, entra sem cumprimentar a sogra, fazendo o maior estardalhaço. No almoço, coloca uma das pontas do espaguete na boca para fazê-lo sumir inteiro, como num toque de mágica. Em seguida, limpa a boca na manga da camisa. Atira bolinhos de pão ao cachorro, deixando em pandarecos os sessenta e cinco mil metros de nervos da sogra.

No sétimo domingo, chama a mãe da namorada de “sogrona”. À mesa, empaturra-se e arrota tão alto que a sogra dana-se a correr atrás da água benta, pensando ser um terrível temporal que está chegando.

No oitavo domingo, não cumprimenta mais ninguém e ruma direto ao quarto da namorada. Só sai de lá na segunda pela manhã, vestindo o casaco do sogro e o controle remoto da televisão no bolso.

No nono domingo, o futuro genro está na casa da sogra desde a sexta à noite. Grita para as paredes da casa ouvirem que não é meia suja para a sogra ficar metendo o nariz. Engravida e, em seguida, briga com a namorada, bate a porta da casa, entra no carro e arranca “cantando pneu”, como se estivesse cantando vingança por dentro.

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Flávio Luis Ferrarini é

Publicitário, escritor e poeta gaúcho não necessariamente nesta ordem.

Tem 16 livros publicados nos gêneros: poesia, conto, novela, crônica e narrativa infanto-juvenil. Sua coletânea Minuto diminuto (1990) mereceu elogios rasgados do poeta José Paulo Paes. Visite seu site:

http://www.flavioluisferrarini.com.br