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Contos

 

NUNCA O AMOR

Margarete Hülsendeger

Se duas pessoas se amam uma à outra,

não pode haver final feliz.

Ernest Hemingway

A Ernest Hemingway(1)

     - Estou bem – ela disse. – Não tem nada de errado comigo. Estou bem.

     - Se você repetir essa pergunta mais uma vez, vou me jogar de dentro desse trem – ela quis dizer.

     Cansada, a moça encostou a testa no vidro da janela.

     O calor e a bebida a haviam deixado ainda mais prostrada. Não sentir o gosto amargo na boca seria um alívio. Foi por isso que quis a cerveja e depois aquela bebida exótica, Anís del Toro, para impedir-se de ouvir e assim esquecer.

     Ele ficava repetindo que tudo voltaria a ser como antes, que seriam novamente felizes como foram no início. Ela desejava tanto acreditar. Por que não conseguia? Por que as palavras pareciam tão vazias de sentido? Com a testa ainda encostada na janela fechou os olhos, não tinha mais vontade de olhar para as colinas. Afinal, agora a moça percebia, elas nunca se pareceram com elefantes brancos.

     O americano percebeu que a jovem havia fechado os olhos. Disfarçou um suspiro de alívio. Melhor assim, enquanto ela estivesse dormindo podia relaxar um pouco, não precisava se manter o tempo todo atento as suas reações, preocupando-se em não dizer nada que pudesse magoá-la.

      Esfregou o rosto, tentando desanuviar a mente.

      - Como fui permitir que a situação chegasse a esse ponto? Que tipo de idiota eu sou? – recriminava-se em silêncio.

     É claro que ele a amava, mas definitivamente, aquele não era o melhor momento para alterar os seus planos. Ainda bem que ela parecia compreender. Levantou a mão para fazer um carinho no rosto da moça adormecida. Não concluiu o gesto. Era melhor deixá-la dormir, ela precisava descansar.

     Acomodando-se melhor no banco duro do trem, correu os olhos pela paisagem. O pensamento de que as colinas pudessem se parecer com elefantes fez com que ele sorrisse. Era uma ideia muita tola.

     De olhos fechados, a moça percebeu o movimento. Ele estava preocupado. Mesmo dizendo que era tudo muito simples, que não se tratava de uma operação de verdade, ele estava preocupado. No fundo, os dois sabiam, não havia certeza de nada.

     A muito custo a moça conteve um suspiro. Não queria que ele percebesse sua angústia, sua fragilidade. Precisava parecer forte, ela não era importante. Nunca foi. Amava-o tanto que faria qualquer coisa para mantê-lo ao seu lado. Até mesmo o que estava a ponto de fazer. Porém, naquele momento, estranhamente, não suportava ouvir a sua voz.

     Quando chegassem a Madrid o americano já havia decidido: não se hospedariam em um hotel.

      - Chega de hotéis para nós – pensou.

      Antes de irem para a estação de trem tinha ligado para um amigo, pedindo o seu apartamento por alguns dias. Depois de concluído o “assunto” ela precisaria descansar e um hotel não era o melhor local para restabelecer-se de uma cirurgia, mesmo simples como aquela. Além disso, os dois necessitavam de alguma privacidade para decidir o que fazer em seguida: ficar em Madrid ou retornar a Barcelona?

     O problema, o americano sabia, nunca foi o amor. Tratava-se, na verdade, de uma simples questão de conveniência. O momento não era oportuno. Ela era muito jovem e ele um jornalista ocupado. Talvez, daqui a alguns anos, se ainda estivessem juntos, poderiam pensar no assunto. Hoje era impossível.

      - Ainda bem que ela compreende – repetiu ele.

      O sacolejo e a redução da velocidade do trem sinalizaram o fim da viagem. Estavam chegando a Madrid. No horizonte não se avistavam mais colinas, mas telhados, muitos telhados.

      O americano e a moça sentaram-se retos em seus acentos. Sem se olhar, apertaram-se as mãos. As pessoas à volta moviam-se com pressa, puxando malas e pacotes de diferentes tamanhos e formas. O casal, no entanto, resistia em se mover.

      Quando o vagão já estava praticamente vazio, o americano levantou-se e, do maleiro acima de suas cabeças, retirou duas malas pesadas, colocando-as no chão.

      - Jig, vamos? – ele pediu.

      A moça, ainda sentada, olhava para as mãos imóveis em seu colo.

     - Acabo de perceber uma coisa – ela começou a falar bem baixinho – você ainda não disse o que realmente quer.

      - Disse sim.

      - Então, fale de novo, acho que eu não entendi.

      O americano respirou fundo e contendo a irritação respondeu:

      - Eu disse que se você não quiser, não precisa fazer. Eu não a forçaria a nada.

      Silêncio. A moça continuava sentada. Devagar levantou o rosto, passando a olhá-lo com muita atenção. Parecia que o estava vendo pela primeira vez. No trem não havia mais ninguém, só os dois.

      - Certo, agora eu entendi – ela enfim respondeu, enquanto se levantava.

       - Está se sentindo bem? – ele perguntou.

       - Estou ótima – disse ela. – Nunca estive melhor.

(1)História baseada no conto “Colinas como Elefantes Brancos” de Ernest Hemingway.

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Margarete Hülsendeger

Cronista e contista gaúcha, colabora regularmente com as revistas "Entretextos", "Virtual Partes"; os sites "Argumento. Net", "Portal Literal" e "Tiro de Letra".

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