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Contos

           Sussurros na noite

  

                                                                          Margarete Hulsendeger

                                            "A dor é uma estrada: você nada por ela, no

                                                     adiante da sua lonjura, para chegar a                                                         um outro lado. E esse lado é uma parte de

                                                      nós que não conhecemos".

                                                                                                     Mia Coutro

       “Isso é uma loucura. Loucura!”

      Paulo não conseguia parar seus pensamentos, eles tinham vontade própria. Era como se a sua personalidade houvesse se partido, dividindo-se em duas partes absolutamente diferentes. Um lado queria correr de volta para a segurança de sua casa, enquanto o outro desejava descobrir quem ele realmente era, o que ele realmente queria.

       Na rua escura, o movimento era intenso. Muitas daquelas pessoas já o tinham visto por ali, mas ele sempre fingiu ignorá-las.

       “Não tenho nada a ver com eles. Nada” – era o que sempre se dizia. Contudo, nessa noite algo havia mudado. O desejo há tanto tempo reprimido empurrara para longe a maioria dos seus temores.

       Um assobio atraiu a sua atenção. Uma mulher pesadamente maquiada e com uma saia minúscula o estava chamando:

       “Vem cá, benzinho. Não tenha medo. Vou fazer tudo muito gostoso” – ela dizia, enquanto levantava a blusa para mostrar o que tinha por baixo.

        Desviando os olhos, envergonhado, Paulo acelerou o passo. Ele ouviu uma gargalhada e depois vários palavrões. Quis correr, mas se conteve. Tinha se prometido que nessa noite tudo seria resolvido.

       Na rua mal iluminada era possível ver um desfile de corpos expostos. Gordos, magros, altos, baixos, jovens, velhos. Eles cheiravam mal, uma mistura de corpos suados, perfume barato e pobreza. Paulo sentiu o rosto ficar quente. Se alguém conhecido o visse nessa rua, a essa hora da madrugada, não tinha certeza de qual seria a sua reação.

       “Basta!”, pensou. “Deixa de ser covarde. Não torna as coisas piores. Faz o que tem de ser feito e pronto”.

       Respirando fundo, obrigou-se a desacelerar. Estava na zona de maior movimento. Homens e mulheres andavam em um vai e vem que não tinha fim, verdadeiras caricaturas deles mesmos. Não havia beleza ali, apenas necessidade.

       Paulo sabia que o primeiro passo era escolher. No entanto, o bombardeio de convites obscenos não estava ajudando. Ao contrário. Sentia-se ainda mais pressionado. Tenso.

       De repente, seus olhos deram com uma figura, encostada na parede de um velho edifício, longe dos postes de luz. Não houve nenhum gesto em sua direção. Nenhum convite. Nem mesmo as grosserias de costume. Contudo, ele sabia que estava sendo observado.

       Tremendo, se aproximou. Começaram a conversar. Depois de poucos minutos a pergunta:

        “Na sua casa ou na minha?”

        “Na sua” – Paulo respondeu nervoso.

        Saíram andando sem se tocar. Após uma caminhada de não mais de duas quadras chegaram a um prédio antigo. O apartamento ficava no terceiro andar. Não havia elevador. Subiram as escadas em completo silêncio.

        Os tremores foram aumentando conforme se aproximavam da porta do apartamento. Paulo olhou em volta. Se queria fugir, agora era o momento. Uma voz o arrancou de seus pensamentos.

        “Tá com medo? Não te preocupa, tenho experiência, não vou te machucar. Prometo.”

        “Tudo bem”, ele respondeu ainda mais nervoso e envergonhado.

        A porta foi aberta. Quando a luz se acendeu, Paulo não teve tempo de olhar em volta. Sem qualquer preliminar, suas roupas foram tiradas. Mãos passaram pelo seu corpo, tocando-o, apalpando-o e ele, sem jeito, também deslizou a ponta dos dedos por aquele corpo desconhecido. O carinho nervoso e meio apressado foi se intensificando até que ambos estavam prontos. E num piscar de olhos tudo acabou.

        Poucos minutos haviam se passado, mas Paulo sentia como se fossem horas. Suado e ainda ofegante, seu primeiro pensamento foi chegar até a porta.

        “Preciso ir” – disse Paulo.

        “Não. Fica mais um pouco. Por que a pressa?”

        “Preciso ir. Juro. Estão me esperando em casa.”

        “Mentira. Quem é que pode estar te esperando a essa hora? São 3 horas da manhã”.

         Paulo não respondeu. Antes que uma mão o alcançasse pegou a roupa espalhada pelo chão e vestiu-se às pressas. Sem se despedir ou olhar para trás, saiu correndo. Chegando à rua, não parou. Correu todo o caminho até a sua casa, controlando-se para não cair no choro feito uma criança.

         Chegando foi direto para o banheiro. Arrancou toda a roupa e sem deixar a água esquentar jogou-se debaixo do chuveiro. O perfume estranho e barato estava por toda a parte: nas mãos, nos braços, no cabelo. Tudo. Não havia água e nem sabão suficientes para limpar a sujeira. Paulo se sentia sujo.

         Desligando o chuveiro sentou-se no chão do box. Com as mãos apoiando a cabeça procurou se acalmar. Sua respiração saia aos arrancos. O peito doía.

        “O que eu vou fazer?”, ele se perguntava. Só podia haver uma resposta: esquecer, fingir que nunca aconteceu.

        “Sim”, pensou. “Foi um pesadelo. Nunca mais vou passar por aquela rua. Nunca mais. Eu não sou aquilo. Não sou”, Paulo ficou repetindo enquanto abatido permanecia sentado no piso do banheiro com a cabeça entre as mãos.

        No apartamento o homem começava a arrumar a bagunça. Recolheu as roupas e sem pressa dirigiu-se ao banheiro. Com um sorriso no rosto pensava no menino que tinha acabado de sair.

         “Vai voltar”, pensou. “Ah, com certeza, ele vai voltar”.

Assobiando uma música antiga entrou debaixo da água quente, deixando que ela lavasse o resultado da noite.

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Margarete Hülsendeger

Cronista e contista gaúcha, colabora regularmente com as revistas "Entretextos", "Virtual Partes"; os sites "Argumento. Net", "Portal Literal" e "Tiro de Letra".

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