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Conto

ELA

Margarete Hülsendeger

     - Dois dias já passaram e até agora nada. Quem sabe, desta vez, eu consiga escapar – disse Raquel.

     Ela não queria se iludir, principalmente, porque, da última vez, acreditou que não ia dar em nada e, para sua tristeza, acabou dando. Foi horrível! Três dias miseráveis. Três dias de total prostração. No entanto, Raquel precisava manter a esperança, acreditando que “Ela”, finalmente, a havia deixado em paz.

     Quando se lembrava da época em que esse tormento não a perseguia, suspirava nostálgica. Os dias transcorriam tranquilos, sem a angústia da espera para saber se, dessa vez, passaria incólume. “Ela” era apenas algo que os outros experimentavam, algo que jamais se abateria sobre ela. Entretanto, de repente tudo havia mudado e Raquel acabou se tornando uma infeliz e angustiada refém. Os meses passavam e a única coisa pela qual ela ansiava era ver-se livre dessa aflição. Já havia tentado tudo e até agora, nada dera resultado.

     - Quem sabe, desta vez, dou sorte – repetiu, procurando se convencer.

     Nessas últimas semanas, as coisas até andavam tranquilas. No escritório, apesar das maluquices do seu chefe, vinha realizando um bom trabalho. É claro que aquele “pequeno colapso” por quase não ter conseguido cumprir o prazo com o seu cliente “super importante” não valeu. Pensou até que “Ela” poderia aparecer, tal foi o seu estresse. Mas, graças a Deus, tudo ficou restrito a uma “pequenina” crise de choro. Quase ninguém notou. Só a Tina, a Fê, a Gabi e a Lúcia. Essas, contudo, não contavam, além de serem colegas e amigas, elas também já tiveram seus dias ruins.

      - Para que servem as amigas se não é para dar apoio nas horas difíceis? – perguntou com um sorriso envergonhado.

     O problema era que Raquel sabia que em casa as coisas não estavam tão calmas. O marido, apesar de ser um cara legal, não conseguia fugir do velho clichê: sendo marido, muitas vezes, se transformava em um chato. Na maior parte do tempo, tinha uma dificuldade imensa em entender a mais simples das frases e quando ele estava “nos seus dias”, Raquel tinha vontade de sair quebrando, mordendo e arrancando os cabelos (os dele, é claro!). Para ela, deveriam inventar um termo similar a “TPM” que caracterizasse esses momentos masculinos.

     - É uma questão de equilíbrio: nós temos TPM e eles têm CCD (chatice crônica diária) – explicou.

     Raquel já tinha ouvido de todas as suas amigas que esses períodos de conflito eram perfeitamente normais e que em qualquer relacionamento sempre iriam existir altos e baixos.

     - Só que ultimamente têm sido mais baixos do que altos – disse Raquel. – E é, justamente, nessas horas, quando estou mais fragilizada, que “Ela” costuma surgir. É como se “Ela” estivesse de tocaia esperando o melhor momento para me atormentar.

     Raquel mal tinha concluído a frase quando sentiu que alguma coisa não estava certa. Sua visão ficou nublada e todos os seus pensamentos racionais simplesmente desapareceram. A sensação era de estar em meio a um blecaute. Assustada com a rapidez do ataque, ela não conseguiu conter o grito:

     -AI, MEU DEUS! AI, MEU DEUS! Eu sabia que era cedo demais. Eu sabia!

     Sem dar maiores explicações correu para o banheiro na tentativa de minimizar os danos. Rapidamente engoliu um analgésico, sabendo que esse seria o primeiro de muitos. “Ela” havia chegado. E contra “Ela” pouco havia a ser feito. A não ser rezar para que dessa vez “Ela” não se demorasse tanto.

      - “Ela” quem? – perguntou assustada a amiga.

     - A minha mais terrível inimiga, sempre pronta a se abater sobre mim sem nenhuma piedade ou consideração.

     - Pelo amor de Deus, quem é “Ela”? – insistiu a amiga

    Pálida do esforço de manter a dor sob controle, Raquel respondeu num sussurro:

     - A minha enxaqueca! A minha maldita enxaqueca!

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Margarete Hülsendeger
Cronista e contista gaúcha, autora de E todavia se move (Epur se muove) publicado em 2011 pela ediPUCRS. Colabora regularmente com as revistas "Entretextos", "Virtual Partes"; os sites "Argumento. Net", "Portal Literal" e "Tiro de Letra

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