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Contos

A imensidão do silêncio

Margarete Hülsendeger

                                             Escuta meu irmão, escuta esse silêncio, O erro

                                             da pessoa é pensar  que  os silêncios são todos

                                             iguais.  Enquanto  não: há  distintas qualidades

                                            de silêncio

Mia Couto

     Ao colocar a chave na porta, Paulo ouviu vozes vindas de dentro do apartamento. Tenso, seu primeiro pensamento foi o de dar meia volta e fugir. No entanto, ele sabia que era impossível. Resignado, girou a chave, entrando sem fazer ruído.

   Ainda na porta, Paulo percebeu que a conversa estava bem animada. Palmas e assobios eram ouvidos, dando a impressão que algo importante estava sendo comemorado. Ele permaneceu em silêncio. Não sabia o que fazer. Na última vez que o havia interrompido a situação entre eles se tornara bastante difícil. Resolveu que o melhor era esperar, pelo menos até que os ânimos serenassem. Largando a pasta no chão, sentou-se na cadeira ao lado do telefone.

    Paulo e Roberto estavam juntos há mais de dez anos e já tinham passado por muitas coisas. A relação entre eles sempre fora cheia de dificuldades. Primeiro, porque Roberto era casado e assumir o seu relacionamento o obrigou a revelar-se e, por consequência, romper com a família. Além disso, a diferença de idade entre eles era significativa, o que tornava Roberto um homem inseguro e muito ciumento. Contudo, até agora eles haviam conseguido vencer todos os obstáculos, seguindo em frente e procurando não se importar com o que os outros pensavam.

    Um grito fez com que Paulo desse um pulo. Preocupado, espiou pela porta da sala. Roberto gesticulava muito, falando sem parar. O outro permanecia em frente ao sofá, com um sorriso tolo no rosto, a espera que Roberto se acalmasse.

     Devagar e em silêncio, Paulo retornou a cadeira. Ansioso, pôs os cotovelos nos joelhos e apertou a cabeça, puxando alguns fios de cabelo.

     “Isso é loucura!” – disse a si mesmo movendo o corpo para frente e para trás.

    Como dialogar com alguém que não conseguia compreender o alcance de suas ações? Roberto, mesmo sendo o mais velho, se tornara uma criança grande. Alguém que precisava de atenção constante. Paulo fechou os olhos, sentia-se cansado. Muito cansado.

     O silêncio na sala fez com que se endireitasse na cadeira. Aparentemente, a situação estava mais tranquila. Levantando-se, ajeitou a roupa e foi até a porta de entrada, abrindo e depois fechando, para parecer que acabava de chegar. Lentamente, aproximou-se da sala, dando tempo para que Roberto percebesse a sua presença.

     - Oi, amor, cheguei! – disse Paulo, com mais entusiasmo do que realmente sentia.

     Roberto não se virou de imediato, preferiu antes ouvir o que o outro estava dizendo. Paulo teve de controlar a sua impaciência, mantendo a expressão do rosto impassível.

    - Oi, Paulo! – respondeu o homem mais velho, virando-se finalmente para ele. – Você chegou cedo.

     - Consegui me livrar do trabalho antes. Estava preocupado com você – disse enquanto dava a volta no sofá e se sentava ao lado dele.

     - Preocupado? Comigo? Que bobagem! Você sabia que eu tinha um compromisso de trabalho hoje – e com uma piscadela moveu a cabeça em direção ao outro.

     Paulo abriu a boca para responder, mas forçou-se a ficar calado. Levantando a mão fez um carinho nos cabelos ralos do companheiro. Paulo sempre gostou de homens mais velhos, mas com Roberto foi amor à primeira vista. Lembrou-se dos primeiros tempos e sentiu o coração bater mais forte. E foi dessas lembranças que extraiu a força para responder:

     - É mesmo! Desculpe, eu esqueci. E como foi? Deu tudo certo?

     Roberto se mexeu inquieto no sofá. Olhava nervoso, sem saber a quem dar atenção.

     Paulo percebeu a sua ansiedade, mas decidiu aguardar. Era a vez de Roberto escolher.

     - Bem – começou. – Estamos quase finalizando um acordo – disse nervoso, enquanto que com o canto do olho cuidava a reação do outro.

     Com pena, Paulo não insistiu. Em vez disso perguntou:

     - Você já tomou os remédios?

     Roberto fez uma careta e não respondeu.

     - Tomou ou não tomou? – insistiu, sentindo sua paciência chegar perigosamente ao limite.

     - Tomei! Tomei! – disse Roberto. – Mas, agora, me deixa em paz que preciso ouvir o que ele está dizendo, não quero perder essa oportunidade.

     Com um suspiro, Paulo levantou do sofá e foi até a cozinha verificar se a medicação havia sido realmente tomada. Roberto, muitas vezes, esquecia e nessas ocasiões tudo ficava ainda pior.

      Quando já estava na porta, Paulo se virou a tempo de ver Roberto inclinando-se para estender a mão em um cumprimento. Do outro lado, diante do sofá, o apresentador do telejornal despedia-se com um sorriso de dentes brancos e um “Boa noite!”.

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Margarete Hülsendeger

Cronista e contista gaúcha, colabora regularmente com as revistas "Entretextos", "Virtual Partes"; os sites "Argumento. Net", "Portal Literal" e "Tiro de Letra".

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