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Memória

 

Encontros com Darcy Ribeiro

Glauber Rocha

      Vou navegar em rio contraditório donde flui corrente cristalina: sou a favor das Liberdades Democraticas!

     Conheci o Professor Darcy Rybeyro (era assim que Jango o chamava) em Santiago dos tempos de Salvador Allende numa visita que lhe fiz acompanhado por Norma Benguel.

     Em 20 minutos Darcy reduziu a História da Humanidade.

     Fiquei perplexo diante do Gênyuz.

     Queria fazer um filme! A fome do absoluto metaforizava a Utopia Brazyleyra.

     Depois o encontrei em Paris chorando a morte de Heron de Alencar e devo a um reencontro em Buenos Aires a sorte de ser apresentado a Jango, 1972, Montevideo

     Em Lima, num apartamento Alvorada, conheci Berta e deixei de presente um livro de poemas de Jorge Luis Borges em paga ao saber que bebi naqueles dias.

      Fora do tempo - quando? - em Paris. Ele de cabelo grande contou-me no avião Buenos Aires/Montevideo que durante os nove meses na prisão escrevera um romance.

      Antes, Uirá - um índio à procura de Deus, que virou filme de Gustavo Dahl.

       E Uirá vai em busca de Mayra: Zuenir me escreve que Darcy teve câncer no pulmão.

       Escapou.

       Saiu o romance MAYRA, com ilustrações de Poty.

     Quatro meses prá telefonar ao Professor e visitá-lo no apartamento d'Avenida Atlântica, jantar no "Antonio's" onde o apresento a Joel Barcelos, filé, uisque puro malte, descemos a pé do Leblon a Ipanema.

      Na única carta que me enviou, Darcy falava que Jango era reformista e não revolucionário.

       Sua crítica da queda de Salvador Allende é a melhor análise que se fez da tragédia chilena e provocou polêmicas entre as esquerdas latinamericanas.

       Antropólogo, romancista, professor, missionário e Santo eis como vejo Darcy Ribeiro ao som de Mozart.

       Lembro-me que na Bahia, quando era Ministro da Educação de Jango, Darcy passou por lá transando com Lina Bo Bardi questões relativas ao artesanato sertanejo investido no Museu d'Arte Popular.

       Pelas nuas praias de Montevideo e num quarto de hotel recebi as melhores aulas de minha vida - o privilégio de conviver com a maior sabedoria do mundo

       No Rio saimos de táxi, a entrevista começou:

       Glauber: Darcy, comprei Mayra, não li ainda mas dei uma olhada no índice e lá tem uns termos de Missa, não saco Latim, você sabe, sou protestante...

       Darcy: Uma Missa! Não sabe o que é Antifonia?

       Glauber: Não entendo porque você mete a missa nos índios...

       Darcy: O personagem é um padre índio que volta desencantado do Vaticano rumo ao Eden destruído pela civilização e seu duplo feminino é uma mulher branca que volta desesperada dos índios rumo à poluição atômica. Estas idas e voltas apocalípticas sintetizam o encontro da paixão jesuítica revolucionária com a tragédia das Utopias Européias que entre os índios encontraram apenas a pré-história - um tipo de cultura desenvolvida no seu a/historicismo que um antropólogo estrangeiro não pode sacar por mais inteligente e sensível que seja, como é o caso do Levy Strauss...

       Glauber: Quantos anos você viveu entre os índios?

       Darcy: Mais de dez. O mito não se decifra, eis o equívoco de Levy Strauss. O mito a gente devora ou é devorado por ele.

      Glauber: Dizem que você se acha o maior antropólogo do mundo...

       Darcy: Morgan, o pioneiro da Antropologia, é o Velho Testamento. Engels reescreveu Morgan - é o Novo Testamento. Levy Strauss confunde antropologia com Arqueologia. Eu penso no homem do futuro.

        Glauber: E Freud?

        Darcy: E Xico Xavier?

        Glauber: Escreveu muito depois de 1964?

        Darcy: O exílio me deu o tempo que precisava...

        Glauber: As américas e a civilização é um livro monumental...

        Darcy: Dediquei poucas linhas a Simon Bolívar.

        Glauber: Teoria do Brazil?   

        Darcy: Leu O dilema da América Latina?

        Glauber: O processo civilizatório... Uirá...

        Darcy: Os índios e a civilização? Teoria do Brazil?

        Glauber: O seu discurso começa com os índios, atravessa 477 anos de História e desenvolve o Kontynent Amerycano com a visão do Terceyro Mundo.

        Darcy: Sem falar das mitologias...

        Estas cenas se passam em 1976. Revi o Magnyfyk num debate no seu Ap. - Outubro 77 - lá estavam o Fylozopho Mario Pedrosa e o Poeta  Ferreira Gullar.

        Depois que Paulo Emílio morreu incorporei Darcy como meu Terceiro Pai Nacyonal. O primeiro é Jorjamado...

         Foi o maior Debate Cultural da Década (a fita está com a jornalista Beth Carvalho, e a revista "Izto E" publicou uns trechos). Antes do Debate, em agosto, tive uma crise de Pankreatyvidade (AMILAZYS 70) - na mesma clínica onde morreu Carlos Lacerda, a "São Vicente", repouso de Vinícius de Moraes - ENTRE VIDA E MORTE, coloquei frente a frente meu PZYKALYSTA YUNG-FROIDIANO no divan de meu PZYKALYSTA REICH-LAKANIANO - recebi das mãos de Cacá Diegues e de Paula Gaetan o presente (o remédio) de Darcy: "CASAGRANDE E SENZALA", versão espanhola, made in Caracas, Fantazykamente prefaciada.

         Darcy desmascarou-me Gylberto. Vi Genyuz, curei-me lendo o Klazzyk Freyryano nas banheiras ferventes d'Eduard Maskarenhaz.

         Ontem reecontrei Darcy: LINDO! Mas é tema pro Romance: eis porque Mayra está por cima do Bem e do Mal (FYM).

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Fonte: Folha de São Paulo, 29/07/1978

 

 

 

 

 

     

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