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Memória

Encontros com Darcy Ribeiro

Valdir Pires

Aí o senhor esvaziou suas gavetas?


Sim. Mas antes que a comitiva proveniente do Congresso chegasse para tomar o poder, vi o general Fico chegando, e o interpelei: "General, o que aconteceu? o senhor traiu o presidente? Não iria manter o Exército nos quartéis?" O general puxou do bolso um telegrama que determinava que o Exército assegurasse o funcionamento dos três Poderes, assinado pelo general Costa e Silva, já se autonomeando ministro da Guerra. Em seguida, me passou o telegrama de resposta: "Comunico prezado chefe que os vários poderes estão com seu funcionamento assegurado". Ele havia viabilizado o golpe. Naquele momento, chegou Darcy, lhe mostrei os telegramas e ele encarou o general como se tivesse feito uma grande descoberta, exclamando: "o senhor está com pêlos, cheio de pêlos, pêlos crescendo por toda parte. O senhor é um macaco". Saímos do Planalto, antes que Ranieri Mazzilli chegasse para ocupá-lo.


Para onde vocês foram?


Combinei com Darcy encontrarmo-nos dali a meia hora no aeroporto. Passei em casa, beijei meus filhos Cristina, Waldemir, Vivian, Lídia e Francisco. A mais velha, Cristina, tinha 11 anos, e o caçula, Francisco, 2. Beijei Yolanda e lhe expliquei que iria para Porto Alegre para tentarmos a resistência. Ao chegar ao aeroporto da Base Militar, procurei o avião que deveria levar-nos. Um major da Aeronáutica me reconheceu e advertiu que não haveria avião. Brasília já estava inteiramente na mão dos golpistas. Na madrugada do dia 4, após reunião noturna na véspera, definindo rumos, com o deputado Rubens Paiva na coordenação da operação, saímos do Brasil. Eu e Darcy nos despedimos de nossas esposas, demos um abraço em Rubens e fomos com ele para a cabeceira da pista previamente escolhida, onde nos escondemos deitados em meio às moitas do mato ralo, à espera do Cessna monomotor que deveria levar-nos, a partir da abertura do horário de vôos, até uma fazenda em Mato Grosso, perto da fronteira com a Bolívia. Na hora mais ou menos prevista, o avião, que pedira autorização para viajar para Anápolis, taxiou até a cabeceira da pista, e eu e Darcy subimos. Quando o Cessna decolava, os operadores da torre de controle pediram que ele retornasse. O piloto, que não tinha qualquer conhecimento da operação em que estava envolvido, ensaiou dar meia-volta. Um grito de Darcy, enérgico, o fez prosseguir. O avião desceu na fazenda prevista, que era de João Goulart. Começamos assim um longo exílio. Que não fora previamente imaginado.

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Fonte: Trecho da entrevista de Valdir Pires sobre os últimos dias do golpe militar de 1964.
http://www.fpabramo.org.br/o-que-fazemos/editora/teoria-e-debate/edicoes-anteriores/memoria-entrevista-waldir-pires em 28/8/2010