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    Biografia familiar

       12ª parte: Última viagem

 Cícero da Mata

     Agora sim, a vida de Mãe estava mais tranqüila. Rosa e o marido moravam com ela numa casa separada ao meio por uma porta sanfonada. Cada qual em sua parte, mas Rosa passava o dia todo com ela e dormia no seu quarto. Caso ela precisasse de alguma coisa à noite, era só abrir a porta sem chaves, e Rosa estaria presente.

     Por essa época os passeios, que ela tanto reclamava, rareavam, mas Zezé dava um jeito levando-a para fazer pagamentos nos Bancos. Ela ficava no carro dentro do estacionamento enquanto Zezé enfrentava a fila do Banco. Mesmo assim, às vezes passando mais de uma hora num calor infernal, ela gostava daqueles passeios. Costumava dizer: “Com Zezé eu fico até em cima de um buraco de formiga preta”.

     Aos domingos, José costumava almoçar na sua casa. Passava na “Galinhada do Bahia”, um restaurante de comida nordestina, no Pari, e comprava um rodízio completo com maxixe, quiabo, gerimum, baião de dois, galinha caipira, carneiro e, o que ela mais gostava, buchada. Quando aparecia outros irmãos, compravam-se dois rodízios e era uma festa que se estendia até a tardinha.

     Vez ou outra ela não se sentia bem e era hospitalizada. Mas detestando ambiente hospitalar, uma vez José teve que retirá-la - a revelia do médico – do Hospital do Mandaqui. Noutra vez foi internada na Clínica do Dr. Sadao, perto de sua casa, e passou mais de uma semana. Via-se que ela estava boa, mantendo-se a base de soro. Queria comer sua comida caseira e o médico não deixava. Ficou claro que sua permanência ali visava apenas aumentar a conta a ser paga. Ela reclamou algumas vezes e José, de novo, discutiu com o médico e retirou-a de lá na mesma hora.

     As emergências hospitalares tornaram-se mais freqüentes e Erotildes colocou-a em seu plano de saúde no Hospital Nipo-Brasileiro, um bom hospital localizado no Parque Novo Mundo. Certa vez ela ficou internada lá por mais de uma semana, e adorou o atendimento. Voltou para casa dizendo que “aquilo sim, era hospital”. As enfermeiras apareciam de hora em hora, tratando-a muito bem, perguntando se faltava alguma coisa, se ela não queria tomar um suco, comer uma fruta, etc. De vez em quando apareciam uma freiras para conversar, além da colega de quarto, que era conversadeira e se deram muito bem. Sua estadia nesse hospital era tão boa que ela, quando se sentia só em casa, dizia que preferia estar no hospital, que lá era mais animado.

     Tudo corria mais ou menos tranqüilo, quando num sábado, na tarde de 1º de abril de 2006, José recebeu um telefonema de Rosa. Ela, apavorada, dizia que Mãe sofreu um AVC, que a ambulância já estava levando-a para o hospital, que Zezé também fora avisado. Bem que poderia ser uma brincadeira, uma mentira de 1º de abril, mas infelizmente era tudo verdade. José, morando por perto, saiu em disparada e mal parou o carro na frente da casa cheia de gente dando notícia que a ambulância acabara de sair. Zezé e José chegaram ao hospital quase juntos e encontraram-na ainda na sala de pronto-socorro.

     Seu estado não era bom; não podia falar direito com a boca torcendo para um lado. O médico pedia para ela mexer o braço direito e ela não conseguia; só o esquerdo se movia. Mantinha os olhos abertos e o olhar expressava medo. Tentávamos animá-la com algumas palavras, mas ela não correspondia. Cinco minutos depois foi para a UTI com uma parte do corpo paralisado. Lá foi sedada e encheram-na de fios pregados em diversas partes do corpo, ligados aos aparelhos médicos.

     No domingo toda a família foi visitá-la na UTI, mas não havia conversa; ela mantinha-se sedada. Luiza, morando em Garanhuns, foi avisada e no dia seguinte já estava no hospital junto com Zezé, que visitava-a diariamente. José avisou Juliano, que morava em Ribeirão Preto, e pediu-lhe que viesse visitá-la assim que puder. Afinal, ele era seu médico preferido. Devido aos diversos empregos e plantões, ele só pode vir no sábado seguinte. Ao chegar foi vê-la pela manhã, pois os médicos podem visitar parentes a qualquer hora. Entrou na UTI; José e Zezé ficaram esperando ansiosos por alguma boa notícia, que não veio. Ele ficou “conversando” com ela por uns 15 minutos. Sobre o que falaram? Ela, certamente, deve ter “falado”:

- Juliano, eu estou para fazer mais uma viagem, e estava lhe aguardando para saber o que você me aconselha. Você acha que eu estou boa para fazer essa viagem?

     Juliano, vendo o quadro comprometedor e sabendo o que ela queria ouvir, deve ter lhe dito:

- Não tem problema vó, a senhora está ótima para essa viagem; pode ir em paz.

      E assim ela se foi.

1ª Cerimônia de um casamento
2ª Peripécias do tio pastor
3ª A grande família

4ª Primeira diáspora

5ª Segunda diáspora

6ª Segunda dispersão

7ª Terceira diáspora

8ª Terceria dispersão

9ª A era do matriarcado

10ª A casa das rosas (e dos espinhos)

11ª Última diáspora

13ª Epílogo