Volta para a capa
Crônica canina

Billy the Kid

João Labrador

Antes de tudo é preciso que se fale das circunstância em que surgiu o cachorro que homenageia o bandido mais famoso do velho oeste. Depois falemos do porque e do acerto da homenagem. Era um domingo

alegre e triste, devido ao almoço de despedida de meu filho para estudar no interior do estado. Eu e a mulher passamos o resto do domingo como todo mundo: vendo o Fantástico e procurando dissimular a "perda" do filho por seis ou mais anos.

Na segunda-feira, triste como é o costume desse dia, saí para trabalhar pela manhã. Ao dobrar a primeira esquina deparo com uma caixa de sapato com algo se movendo dentro. Me aproximo e vejo um cachorrinho preto, recém-nascido de olhos ainda fechados. Como nunca tive cachorro, a cena pouco me impressionou. Parei por parar e olhei por olhar só para constatar como é dura a vida de cachorro abandonado.

Peguei o carro e segui para o trabalho sem querer me preocupar com aquele bichinho deixado na minha esquina. Parado no congestionamento da marginal, de vez em quando pensava como estaria o coitado debaixo daquele sol que se anunciava abrasador. À tarde recebo um telefonema da mulher falando de uma novidade que eu iria encontrar em casa. Insisto em saber qual, como assim?

Mas ela com muita pressa disse que eu saberia quando chegasse. "Agora tenho que dar de mamar para ele", deixou escapar e desligou. Com estes dados voltei à noite para casa com quase certeza da surpresa que iria encontrar.

De modo que não me surpreendi ao chegar e ver a mulher sentada no tapete da sala, com o bichinho no colo tentando enfiar uma mamadeira de boneca na sua boca. Duas vizinhas tentavam ajudar com toalhas e mais leite, enquanto Arlene* observava tudo com o maior interesse. Afinal o cachorro era menor que ela. Talvez tenha pressentido ali seu futuro companheiro, já que vivia sozinha naquela casa. Está visto que não é seu semelhante, mas quem não tem gato caça com cão mesmo.

Assim foi o primeiro dia daquele cachorro, que passou a ser criado com

muito carinho, pois além da "mãe verdadeira" recebia as atenções e banhos de língua da Arlene. No início dormiam juntos e só mais tarde é que viriam a brigar ou brincar dependendo da perspectiva de quem vê e dos humores da Arlene, uma senhora que, pela sua idade e natureza, nem sempre estava disposta ao corre-corre e pega-pega do cachorrinho.

Parecendo uma criança que nunca se cansa de brincar, foi batizado pela mãe com o nome Billy. Um nome adequado à uma criança que não pára quieta. Pouco tempo depois, surgiu uma conversa que o Billy veio substituir meu filho que viajou um dia antes de seu aparecimento. Conversa fiada, o Billy nem se parece com o Juliano.

Para mim o nome foi bem dado, devido ao temperamento do cachorro.

Subia em tudo que é lugar impróprio; derrubava coisas no chão; quebrava pequenos objetos de louça e, para desespero de todos, mijava em qualquer canto da casa, de preferência na sala ao lado do sofá. O apelido Kid fui eu que lhe dei devido aos estragos que o bandido vinha fazendo em casa. Cresceu no meio da molecada vizinha, que não lhe dava sossego.

Nos fins de semana, vinham os coleguinhas pedindo para sua "mãe" deixar brincar com ele na frente de casa. Dai surgiu seu apego às crianças, que se mantém até hoje. Certo dia, quando estava com uns três anos e porte razoável - é descendente indireto de um Labrador - fomos passear nos arredores num lugar descampado, onde não haviam crianças ou pessoas temerosas com sua presença. Tirei a guia e soltei o bicho para correr um pouco.

Nessa caminhada cruzamos com uma menina de bicicleta acompanhada de seu pai. Não nos preocupamos em prendê-lo pois apesar do nome de bandido, nunca atacou ninguém. A menina olha o cachorro, sorriu e continuou seu passeio de bicicleta. O Billy, entendendo que ela estava lhe chamando, corru atrás e lhe fez um carinho no calcanhar ao seu modo: com os dentes e língua, é claro!.

Bem, foi um deus-nos-acuda! A menina gritando, o pai xingando o cachorro e me encarando, como se fosse preciso reforçar a direção dos xingamentos. Eu, aturdido, seguro o Billy pela coleira e me apresso em ver a “mordida”. O pai, com a jugular estourando, não parava de esbravejar, até que a menina ficou com medo de tanto ódio e apartou: “Não foi nada pai!, pára, vai! O cara sossegou, não sem antes ameaçar o cachorro com um tiro, caso estivesse com sua arma.

Olhei pro cara, franzino, e pensei em falar para ele ir buscar a arma que a gente espera. Mas pensando melhor: não! Não vou deixar o Billy trocar tiro com um cara desse tipo. Vai estragar sua reputação. Puxei o cachorro e fomos embora.

_________________

* Arlene é uma gata siamesa de uns 8 anos.