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Crônica canina

 

O vira-lata franciscano

 

Claudio Bojunga

Juscelino Kubitschek, enquanto prefeito de Belo Horizonte, acirrou o conservadorismo do clero mineiro. Além de instalar na Pampulha um "pecaminoso" cassino e uma casa de bailes, que afrontavam a carolice, convidou seu amigo Portinari - reconhecido comunista - para pintar um painel na igrejinha de São Francisco. O pintor imbuído do caráter nacionalista que imperava nas artes naquela época, trocou o lobo que normalmente acompanha o santo por um esquálido vira-lata brasileiro. O fato serviu de pretexto para a recusa do arcebispo dom Antônio Cabral em sagrar a igreja em 1942, impedindo que se realizasse missa por ali por um longo tempo.

Isto só veio acontecer 17 anos mais tarde, quando Juscelino era Presidente da República e Belo Horizonte contava com outro arcebispo: dom José Rezende Costa. A sagração ocorreu em abril de 1959 e contou com a presença de diversas autoridades, além de numeroso público que compareceu ao ato de desagravo ao templo.

Ocorreu, então uma cena espantosa para uns e milagrosa para outros. No exato momento em que o arcebispo procedia a elevação do Santíssimo, um cachorro perebento, vindo não se sabe de onde, avançou solenemente pela nave da igreja, escarrapachando-se em frente ao altar, encarando o público com certa altivez, como se estivesse a dizer:

"não fui convidado, mas aqui estou".

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Fonte: Extraído do livro BOJUNGA, Claudio. JK, o artista do impossível. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001 (levemente alterado para compor esta coletânea)