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Desabafo

Ca                       dCadê o respeito ê o respeito

                                                                             Flavio Luis Ferrarini

Diante de um bando de garotos na pre-adolescência latente, batendo bola na pracinha perto de casa, as esperanças de um mundo melhor, enfraqueceram e me fizeram perder quase toda a fé no ser humano.


Gosto de pensar que o respeito é uma das qualidades mais virtuosas que temos para podermos nos relacionar com o próximo. Respeito é o ato de não fazer aos outros o que jamais gostaríamos que fizessem conosco. É não maltratar pessoas, animais, natureza, etc..

Quando eu ainda era uma coisinha assim espirro-saúde, meus pais ensinaram-me a ser gentil e a respeitar as pessoas indistintamente: brancas ou pretas, ainda verdes ou já no amarelo da idade. Mais de uma vez, vi-me diante do padre confessando “Desrespeitei pai e mãe”. 

Confessava o pecado ao padre, quando, com os pés enlameados, caligrafava as tábuas largas da sala, recém espelhadas com cera de abelha, com os pés enlameados. Antes de receber a carga de penitência do padre, já havia recebido o castigo dos pais. Desrespeito dos grandes. Surra das grandes.

– Não vê não minhas pernas encipoadas de varizes de tanto lavar, arrumar, varrer parir e limpar? – perguntava mamãe, ao iniciar a sessão de ‘vimadas’.

Com papai não era diferente. Sentava no centro da mesa como um Cristo, dividindo pão, vinho, migalhas de esperanças e nacos de castigos no cocoruto. Tudo equitativamente dividido. Suas mãos fortes e calejadas, quase do tamanho da minha cabeça, distribuiam carinhos ou cascudos, dependendo do quer que fosse que fizesse de bom ou de ruim. Se por acaso, ousasse contrariá-lo e desrespeitá-lo, Deus me perdoe, o mundo vinha abaixo. Claro que papai também sabia ser, porém, um doce quando distribuia balas de caramelo entre seus três filhos com um rigor salominco.

Rigor que se estendia à escola com o professor Idalino. Educação e respeito não eram apenas palavras que enchiam nossos ouvidos nas aulas de religião, mas setas que orientavam o nosso comportamento. Bastava o professor pedir silêncio uma única vez para virarmos estátuas vivas. Nenhum movimento. Respirações suspensas. O silêncio só era desmanchado com o consentimento do próprio professor.

Hoje em dia, as crianças são muito ruins de silêncio. Que as coisas mudaram todo mundo sabe. Os tempos são outros e os outros não são ninguém. A maioria das crianças fala pelos cotovelos. Enchem a paciência dos pais, professores e de quem quer que seja, como se fossem caixas d’água.

E não é só isso. Essa falta de respeito dentro de casa e na escola, saiu pela porta dos fundos e já ganhou o mundo adulto. Essa mesma falta de respeito se repete com igual ou maior intensidade no trânsito, no trabalho, na política, no estádio de futebol, no restaurante, na sala de cinema, no convívio social e até contra o meio ambiente.

E não adianta cortar uma perna achando que alguém respeitará aqueles desenhos nas plaquinhas de fila preferencial. É inútil pensar que quando bater nos 70 anos todos deixarão você passar na frente. Se estiver grávida, também deve ter sentido na pele a falta de respeito e precisar desculpar-se por estar grávida.

Com todo respeito a você, sinceramente não sei se ainda temos coragem suficiente para consertar o mundo de coisas quebradas a nossa volta.

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Flávio Luis Ferrarini é gaúcho, publicitário e escritor não necessatriamente nesta ordem. Colunista do jornal O Florense e do jornal Semanário de Bento Gonçalves, além de colaborar com vários sites literários. Tem seu nome estampado na Biblioteca Pública Municipal de Nova Pádua, sua cidade natal e foi escolhido como Patrono da 30º Feira do Livro de Flores da Cunha, onde reside.  Publicou seu primeiro livro individual em 1985, abrindo uma série de quase 20 obras, nos gêneros de contos, crônicas, poesia, poesia em prosa, novela e narrativas infanto-juvenis.