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Dicionário de Filosofia de                                 Mario Ferreira dos Santos

Conhecimento

     Relação de índole muito especial entre um sujeito e um objeto, que consiste em uma espécie de penetração mútua de ambos. No uso prático da língua, a palavra designa duas coisas diferentes, conforme o ponto de vista. Parte de um ou outro dos dois termos dessa relação: do sujeito o do objeto. Partindo do sujeito, a relação cognoscitiva se apresenta como um ato subjetivo; e este é o primeiro sentido da palavra. No processo cognoscitivo, o sujeito capta, pelo menos uma parte da realidade, que se lhe apresentou de maneira objetiva e incorpora-se ao tesouro de objetos, já anteriormente apreendidos e tornados subjetivos; esse material apreendido, tanto o que corresponde a um ato só, como particularmente à soma do material assim captado em todos os atos cognoscitivos de um sujeito, ou às vezes também de um grupo, constitui o segundo sentido da palavra conhecimento. Tanto o ato de conhecer, como o objeto conhecido podem ser classificados em razão da distribuição em uma simples apresentação do objeto, que o identifica como tal, e o processo de compreender esse objeto em sua circunscrição definida e em suas relações com o resto da realidade, particularmente com as suas causas e o seus efeitos.

     Assim, podemos "conhecer" (como simples apresentação do objeto) a anatomia de um animal sem "compreendê-la" ainda; só quando soubermos explicar a siginificação funcional de cada órgão, teremos um "conhecimento" que compreenda o objeto. São, portanto, quatro sentidos que a palavra "conhecimento" pode assumir, em virtude das duas distinções acima expostas. Já foi feita a tentativa de reservar conhecer para o uso análogo de um compreender e a designar um conhecer meramente aperceptivo com a palavra saber. Notadamente, em outras línguas, opõem-se, assim, os respectivos termos de connaitre e savoir, kennen e wissen, noscere e scire.

     Não há dúvida sobre a justificação real dessa distinção, porém, parece que, em nenhuma destas línguas, a posição daqueles termos tenha uma base sólida na Filologia. Em inglês, a palavra knowledge significa tanto o conhecimento aperceptivo como compreeder, e a respectiva distinção é feita pelas expressões knowledge of acquaintance e knowledge about. Os termos foram introduzidos por K. John Grote, e a distinção foi elaborada por James.

     A simples percepção se opõe, de um lado, a compreensão, que ultrapassa a percepção, por ser objetivmente mais perfeita, pela noção das causas e efeitos, bem que essas noções adicionais sejam adquiridas igualmente por novas percepções. Mas a simples percepção é suscetível, também, de ser completada, subjetivamente, pela intervenção da razão pura com os seus meios de raciocínio. Em virtude disso, os conhecimentos são classificados em conhecimentos empíricos, que são constituídos por percepções, e conhecimentos filosóficos ou racionais, que se baseiam, inteira ou principalmente, em conclusões da razão.

     Essas duas distinções se acham confundidas na classificação aristotélica de conhecimentos oti, a apresentação dos próprios fatos, e conhecimentos dioti, que são produzidos por silogismos, na sua maior perfeição como demonstrações e que correspondem às compreensões propter quid, pelas razões, e a quia, pelo fato, usadas pelos escolásticos. Eles proporcionam, do ponto de vista aristotélico, a compreensão também dos fatos.

     Conforme o caráter do objeto, distinguem-se conhecimentos apreensivos e conhecimentos judicativos, contendo os primeiros percepções, imagens ou representações, ao passo que os últimos constatam a existência ou não-existência de um fato.

     Conforme ao propósito que aspiram, os conhecimentos são divididos em especulativos e práticos, o que não equivale à distinção acima dada em racionais e empíricos. Sem dúvida, as ciências especulativas são racionais por excelência, mas os resultados das ciências práticas podem ser devidas a raciocínios também, como a experiência imediata.

     Sob o ponto de vista psicológico, ainda se devem distinguir conhecimentos atuais, virtuais e habituais

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