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Dicionário de Filosofia de                              Mario Ferreira dos Santos
                             FILOSOFIA

   Do gr. philos, amante, e sophia, saber. Diz-se que Pitágoras, perguntado sobre o que era, numa época em que muitos se chamavam de sophoí (pl. de sophos, sábio), respondeu: «Sou um amante do saber (philosophos)», um «amateur» (amador) do conhecimento, o que revelava uma humildade sublime. Deste modo, cunhou-se a palavra philosophia.
    Há um saber comum e um saber especulativo, procurado, buscado.
    O primeiro, o vulgar, chamavam os gregos de doxa, palavra que significa opinião, e o segundo chamavam de epistéme, que é o saber especulativo, conforme a divisão proposta por Platão (filósofo grego, 428-348, A.C.). Desta forma, a Filosofia não era apenas o saber, nem um amor à sabedoria, mas um saber procurado, buscado, guiado, que tinha um método para ser alcançado, que era reflexivo.
    A Filosofia, assim, perdia em extensão, já que não abrangia todo o saber, mas ganhava em conteúdo, pois delimitava-se, contornava-se, precisava-se mais, tornava-se um saber teórico, reflexivo, especulativo, um saber culto.Este saber culto quer conhecer o que a realidade é.
    A Filosofia, como saber racional, saber reflexivo, saber adquirido, é o conceito de Platão, e de Aristóteles, mas este acrescentou maior volume de conhecimentos, graças às investigações que fez.
    Para Aristóteles, a Filosofia era todo esse saber, e incluía, também, o que hoje chamamos Ciência. Assim, era a totalidade do conhecimento humano, do saber racional.
    Na chamada Idade Média, continua predominando este sentido, mas a idéia central de Deus polariza a filosofia. Desta forma, é ela a totalidade dos conhecimentos adquiridos pela luz natural ou pela revelação divina. Os conhecimentos acerca de Deus e do divino separaram-se dos outros, e formaram a Teologia. Esta encerrava a soma dos conhecimentos sobre o divino; e a Filosofia, os conhecimentos humanos acerca das coisas da natureza. Este conceito vai predominar por séculos até hoje.
    No século XVII, afastam-se dela as chamadas ciências particulares, com objetos e métodos próprios, que a pouco e pouco vão adquirindo uma especialização cada vez maior, para constituirem-se em novas disciplinas independentes.
    Mas a Filosofia permanece, no entanto, no corpo da Ciência,e forma uma síntese especifica desta.
    Por exemplo, na Matemática, há uma Filosofia da Matemática, aquela que estuda as idéias de número, de extensão, de tempo e de espaço matemáticos, como há uma Filosofia da Físico-química, que tem por objeto as idéias de força, substância, energia, extensão, extensidade e intensidade.
   É vivendo-a, que iremos compreender toda a sua extensão e também todo o seu significado para a vida, e compreenderemos que o saber teórico, especulativo, embora se afaste do saber técnico-prático, sofre deste sua influência salutar e sobre este exerce grande influência, numa reciprocidade produtiva.
    O homem, quando começou a filosofar, fê-lo ainda sem saber claramente o que era a filosofia. Só a posterior análise permitiria que ele compreendesse melhor a diferença entre os juízos que formulava em face dos fatos. Só quando distinguiu um juízo de gosto, meramente subjetivo, de um juízo de valor, e este de um de existência e de um ético, poderia o filósofo penetrar na significação mais ampla do que é «valor», como, também, estar apto a fazer uma melhor análise de seu espírito, do funcionamento do mesmo em suas polarizações, intelectuais e afetivas. Alcançado este ponto, a análise do conceito e de seus conteúdos, do conhecimento como resultado de um processo de cooperação entre o sujeito e o objeto, levá-lo-á a captar o que é a frônese, e seus conteúdos, os fronemas, como um «conhecer» afetivo, em que a relação sujeito x objeto é diferente da primeira.
    Já ai estará o estudioso da filosofia a compreender, mais profundamente, as diferenças freqüentemente apresentadas entre a chamada Filosofia Ocidental e a Oriental, que tantas controvérsias suscitaram.
    Poderíamos dizer por ora, muito singelamente, que, na, chamada Filosofia Ocidental, que é especificamente especulativa, marcantemente autotélica (de autos, gr., si mesmo, e telos, fim, isto é, que tem o fim em si mesma), a especulação é desinteressada, o que quer dizer, não tem ela um fim fora de si, não é realizada como meio para obter isto ou aquilo. Quando uma criança toma de argila, e com ela faz bonecos ou vasos, ela brinca ( e o brinquedo é autotélico). Quando o oleiro, com a argila, faz vasos e os destina à venda, com finalidade naturalmente econômica sua atividade é heterotélica (de heteros, gr., outro, que tem o fim em outro). Sua ação é interessada, diz-se.
    A filosofia especulativa é desinteressada porque tende à verdade e não apenas ao que é certo ou conveniente, como tende a filosofia prática.
    Os sumérios, os habitantes da antiga Caldéia, vindos ou não do vale do Indus, ao construirem no delta mesopotâmico sua civilização, viram-se a braços com problemas meteorológicos, ecológicos, econômicos, astrológicos importantes. O primitivo saber desses homens era heterotélico, tinha um fim fora dêle, servia para atender esta ou aquela necessidade. Esse saber, interessado, (como o é hoje, por exemplo, a ciência), predominou em toda a região da Mesopotâmia e na Jônia. Foi ali e dali que a especulação filosófica grega teve sua origem e obteve seu vigor. Os primeiros Sophoi (sábios gregos) dirigiam seus estudos para a solução dos problemas que afligiam aos jônios, povo marítimo, dependente, portanto, dos conhecimentos metereorológicos
    Na Grécia, graças às condições sócio-históricas e ecológicas diferentes, a sophia pôde seguir um rumo distinto.
    Sobre a Filosofia e a Ciência, a falta de uma nitida distinção entre ambas deve-se à ignorância de cientistas sobre os limites da Ciência e o objeto da Filosofia. E isso acontece, em grande parte, por culpa de filósofos modernos, que contribuíram com as suas doutrinas e teorias mal fundadas e com sua falta de distinção entre Filosofia especulativa e Filosofia prática, a que aumentassem as confusões, o que levou aos alheados das grandes obras medievalistas a preconceitos inconsistentes sobre o filosofar, de modo a confundir-se o conceito de filosofia, que constroem, com o do homem vulgar, como se vê no verbete Filósofo (Vide também Ciência).
    Divide-se a Filosofia em Filosofia Teorética ou Especulativa e a Filosofia Prática, que é a filosofia dominada pelos valores, pelo axioantropológico, que traz a influência das apreciações humanas, valarizações e desvalarizações, que modificam a realidade. A primeira tende para o estudo objetivo, independente das influências axiológicas, e dedica-se ao exame da real e do lógico. O real é examinado duplicemente: o real, que ultrapassa os nossas meios de experiência sensível, os transfísicos, os metafisícos, e temos, então, a Metafísica Fundamental, a Critica, na busca da verdade, a Aporética, no exame das dificuldades teóricas, a Metafísica especulativa ou Ontologia, a Henótica, a Teologia Natural, a Axiologia, ciência das valôres e a Timologia a ela subardinada, a Meontologia, de nossa criação e a Teodicéia. No exame da natureza, temos, então, a Cosmologia anorgânica, a Cosmologia biológica, zoológica, a antropológica, a Noologia, a Esquematologia, que pertence à Psicologia Especulativa ou metafísica. O estudo teórico e especulativo das entes de razão ou lógicas, nos leva às seguintes disciplinas: Lógica Geral, Dialética, como totius logicae, Lógica especial, como Filofofia das Ciências, como a da Matemática, das Ciências Naturais, das Ciências espirituais ou culturais, da Simbólica.
    A Filosofia prática, de influência axioantropológica, é a que se dedica à ação humana, camo a Filosofia da Religião, a ética, na qual se incluem a Ética Geral, a Ética Especial, e também a Ética individual e a social (Sociologia). No exame das realizações humanas, da parte fativa do homem, nas suas atividades externas, temos, então, a Filosofia da Cultura, e como disciplinas especiais, a Filosofia das Línguas, das Artes (Estética), da Técnica, da Economia, da Moral, do Direito, da Educação, etc.
    Como Filosofia da História, tomamos a filosofia prática no exame da atividade humana no tempo, sob o ângulo do suceder irreversível. Tornar especulatíva, ausente, tanto quanto passível das influências axioantropológicas, uma ciência, é o ideal do verdadeiro sábio. Não é, pois, de desprezar os esforços para tornar especulativas ciências como a Economia, a Sociologia, o Direito, etc., que tomam, então, o nome de puras, como Economia Pura, Direito Puro, etc.
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