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Dicionário de Folosofia de                             Mario Ferreira dos Santos

INTUIÇÃO

    Em latim intuicão vem de intus e ire, ir dentro, penetrar no âmago de uma coisa. O temos intuição foi empregado na filosofia sempre no sentido da penetração na singularidade do objeto por parte do sujeito, na captação imediata dos aspectos fenomênicos que o objeto exibe. Teve, assim, sempre, o sentido da captação singular e imediata do sensível, dai chamar-se de intuição sensível. Contudo, há os que admitem que além do fenômeno, a intuição capta também o formal; ou seja, que há, também, como o propõe Husserl, uma intuição eidética, uma intuição da generalidade.
    A intuição sensível é o meio de captação imediata do fenomênico do mundo exterior por um ser vivo. Apresenta a intuição sensível quatro fases. .
    1) Intuição primária (intuição reflexa).
    2) Intuição secundária, já sensível, por meio dos sentidos, a qual se dá quando da formação da medula-espinhal. E, conseqüentemente, no desenvolvimento da vida, uma intuição terciária e uma quaternária, que seriam:
    3) intuição terciária, quando da formação do sistema cérebro-espinhal. Sensibilidade analítico-sintética, com formação de esquemas dos esquemas, pois os esquemas analíticos seriam assimilados a esquemas maiores que os conteriam. Essa ação sintetizadora já implica um esquema de esquema, com suas assimilações, que seriam fundamentais para a compreensão da inteligência; e finalmente, por ora, a
    4) intuição quaternária, intelectual, com distinção do semelhante e do diferente, própria dos seres mais desenvolvidos, e que, no homem, torna-se capaz de estruturar-se no processo operatório da razão como órgão classificador, etc.
    A intuição intelectual é, pois, a captação imediata das semelhanças e das diferenças, que corresponde à quarta fase da intuição.
    A intuição eidética já exige o operatório intelectual, da razão, e é o produto de uma operação par meios, embora nos pareça instantânea, no grau de conhecimento em que está o homem civilizado. Não é, porém, uma captação imediata, mas mediata. Exige já a inteligência, a elaboração inteligente, embora a consciência capte imediatamente o resultado.
    Há, ainda, a intuição apofântica (de gr. apô, o que está oculto e phaos, luz), a intuição que ilumina, que aclara, que torna compreensível, subitamente, o que não nos parecia claro. A intuição apofântica é o desvelamento súbito de uma possibilidade, a descoberta de um poder e se revela em todos, mas com maior freqüência nos tipos de grande talento e gênio.
   Não se pode negar o extraordinário papel que cabe à intuição apofântica na Filosofia. Os irracionalistas são positivos em suas afirmações em favor das intuições apofànticas e criadoras, e também o são quando estabelecem restrições ao papel da razão, como ela é concebida na filosofia moderna pelos racionalistas. E fazemos essa distinção, com o intuito de evitar as confusões tão costumeiras, pois a rationalitas, em sentido lato, é . o entendimento, o conjunto da faculdade cognoscitiva intelectual, em oposição à sensibilidade, o que, naturalmente, inclui a intuição apofântica, que não é de origem sensível, mas intelectual. Em sentido restrito, impõe-se distinguir entendimento (Verstand) de razão (Vernunft), ou, como o faziam os escolásticos, entre o intellectus (inteligência), que capta imediatamente a essência, e a intelecção ou penetração intelectiva, que se confunde com a intuição intelectual e, finalmente, a ratio, que é a faculdade do pensar discursivo, classificador e coordenador dos conceitos, o que propriamente caracteriza mais intensamente o homem.
    A capacidade abstrativa do nosso intelecto (que é o entendimento) realiza o pensamento que abstrai, compara e decompõe, é analíitica, enquanto a razão tem uma função sintetizadora, pois conexiona, dá unidade, em conjuntos estruturais rigorosos o conhecimento vário e disperso do homem.
    A razão de per si não cria. Demonstramos, em «Filosofia e Cosmovisão», que o seu papel sintetizador e eminentemente abstrato, afasta-a constantemente da concreção, sem que a coloquemos contra a vida, como algo que se desse fora e contra a vida. A razão, por si só, não é suficiente sem a longa elaboração do entendimento e das fases mais fundamentais da intelectualidade humana. Fundada na intuição intelectual generalizadora, é a razão sintetizadora, e, por isso, falta-lhe o mais profundo papel poiético, criador.
    Eis por que é vicioso o pensamento racionalista, que deseja partir do conhecimento racional tomado aprioristicamente. No entanto, a razão, atuando a posteriori, depois de dado o conhecimento analítico, funcionando em seu papel ordenador, classificador e sintetizador, realiza uma obra grandiosa. É esse o pensamento do empirismo-racionalista, que vem desde Aristóteles através da escolástica. Aqui a razão está colocada em seu verdadeiro papel.
    É fácil agora compreender porque todas as tentativas de matematização da filosofia, que foram fundadas no mais cru racionalismo, tinham naturalmente de malograr por cair em construções inanes, vazias, porque a razão, atuando apenas em sua função abstratora, tende, fatalmente, ao esvaziamento das heterogeneidades, a ponto de atingir o ápice do abstratismo. É assim que a atuação meramente racional leva a tornar em nada todos os conceitos, quando racionalizados ao extremo.
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