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Dcionário de Filosofia de                                 Mario Ferreira dos Santos
Tensão

     (do grego tonos, de teino, segurar, tomar; no radical sânscrito, tan).
     a) Era usado pela escola estóica grega para indicar o esforço interno (a coesão interna), que dá a toda coisa a coerência de sua natureza, quer resida esse esforço na própria coisa, ou dado por outra mais perfeita. É algo em ato que coata (co-ata) os elementos componente de uma coisa, dando-lhe a coerência geral de sua estrutura.
      b) Chama-se, ainda, de tensão o esforço da vida mental, que oscila entre extremos na captação do conhecimento e no contato com as coisas do mundo.
      c) Emprega-se, ainda, o termo para indicar o grau de deformação de um corpo produzido por um esforço determinado.
      d) Diz-se do estiramento muscular extremado, produzido por um esforço voluntário
      e) Estado de desequilíbrio em um organismo, e que conduz a uma mudança de conduta, com o fim de restaurar o equilíbrio.
      f) sobre o conceito, no sentido de a), vide Existência e Essência.

     Crítica: Uma tensão consiste em uma unidade, que é especificamente diferente dos elementos componentes.
     A água não é uma espécie de oxigênio, nem de hidrogênio, nem corresponde a uma fase do desenvolvimento destes, porque ela surge de um correlacionamento arítmico, numérico no sentido pitagórico, sem o qual a água não seria água. Esse arítmós, esse número, é o pelo qual a água é o que ela é. É o esquema da tensão da água. É o que Aristóteles entendia por causa formal, e também por forma das coisas físicas. Os correlacionamentos (cujo conceito está expresso na tríade pitagórica menor, a tríade da série) mostram-nos que, em suas atualizações correlacionais, os entes sofrem uma interatuação que modifica, total ou parcialmente, o aritmós de cada ser componente, permitindo o surgimento de um novo aritmós especificamente outro, dando-se, assim ou a geração relativa ou a simples (a absoluta). A princípio dá-se quando há modificação apenas entre o minimum e maximum do variável do aritmós (como, por analogia, no triângulo, cujo aritmós invariável é a triangularidade, mas o ser ele isósceles, ou escaleno são “variantes”, que não se afastam da invariância aritmica, pois a proporcionalidade intrínseca é a mesma). (O triângulo isósceles tem, por sua vez, uma proporcionalidade intrínseca específica, que é inclusa na da triangularidade; é uma espécie desta. A proporcionalidade extrínseca é a da figura deste ou daquele triângulo, e esta é variável. A variância dá-se “compreendida” na forma, que é invariante)
      Fisicamente, por exemplo, o homem tem um limite no seu conjunto: materia e forma. Poderá atingir ao gigantismo, mas sempre haverá um limite até para a monstruosidade, que é um desmesuramento da natureza.
     Conseqüentemente, a variância figurativa tem limites. A geração será simples ou absoluta, quando os elementos componentes (a causa material) sofrem uma mutação na própria natureza. Na água, há uma geração relativa, segundo a físico-quimica, porque o hidrogênio e o oxigênio sofrem transformações permissíveis dentro de seus aritmói; de modo que, nela, permanecem virtualizados, podendo retornar ao estado atual anterior. Quando, porém, há mutação formal da natureza, como na assimilação, deixa totalmente de ser o que era no vegetal que se torna carne, como nos mostrou Aristóteles, os elementos transformam-se também.
     Vê-se ademais que, na natureza, a geração absoluta o é segundo uma certa esfera de realidade, não segundo todas, pois noutras é relativa, como se depreende do exemplo acima examinado.
     Há numa unidade de mera agregação, como num monte de lenha, um esquema concreto de singularidade, e ele corresponde ao que esquematizamos por monte de lenha, mas a sua lei de proporcionalidade é extrínseca.
     Num ser vivo, o esquema concreto é uma lei de proporcionalidade intrínseca singular, adequada ao aritmós daquele ser. Este ser, desta espécie, e aquele, da mesma espécie, o são porque a lei da proporcionalidade intrínseca invariante de ambos é a mesma, concretamente neles. O correlacionamento intrínseco do ser (pois ambos o reproduzem) é idêntico à mesma lei da correlacionamento. Contudo, ambos apresentam, concretamente, diferenças aritmológicas,de outros relacionamentos até de desmesuramento, que, no entanto, cabem no aritmós eidético do ser que é revelado concretamente pelo que é em ato, neste ou naquele indivíduo, desta ou daquela espécie.
     É o variante do aritmós do esquema concreto singular, que não contradiz o esquema eidético, que é a lei a lei de proporcionalidade intrínseca.
     O esquema concreto do ente é a sua haecceitas, haceidade (hace, isto, istidade), o aritmós da individualidade, da sua singularidade. Mas, esse esquema concreto singular é composto do esquema eidético, que é imitado pelo ser, cuja lei de proporcionalidade intrinseca imita, assim como este triângulo, aqui, feito entre este canto da mesa e este livro, a triangularidade, que é um ser eidético, meramente formal, que jamais está singularmente na coisa, pois, do contrário, nela se individualizaria.
     O esquema eidético é um modo de ser, que não é nem singular nem individual, é apenas formal (eidos) na ordem do ser. É um logos possível de ser imitado, mas que, no ser, não é apenas uma possibilidade, mas é da atualidade do Ser infinito, absoluto. Por isso surgem entidades que o copiam, como este triângulo, cujo relacionamento intrínseco das suas partes repete a proporcionalidade intrínseca da triangularidade infinita, que é um logos no Ser infinito e absoluto.
     Mas este triângulo, que está aqui, é ademais proporcionado aos seres que o imitam. Não tem a perfeição do esquema eidético, porque é um esquema aqui, concreto, realizado por seres materiais, que não podem atingir aquela perfeição. Portanto, é um triângulo imperfeito.
    E note-se aqui a positividade da “teoria da relatividade”, que estabelece que as figuras geométricas reais, in concreto, não atingem a perfeição que pode ser expressa matematicamente. Não há na natureza, in concreto, nenhum triângulo perfeito, nem pode haver. E a razão está em que este (haec) triângulo imita apenas a triangularidade invariante e o seu variante eidético, pois é qualitativamente isósceles ou escaleno, etc. mas é um triângulo de pedra, de madeira, cujas partes correlacionadas imitam a triangularidade, pois são esta pedra e esta madeira, e não a triangularidade, da qual apenas participam formal e figurativamente.
   Portanto, este triângulo de pedra ou de madeira tem o seu aritmós concreto, o seu esquema concreto, que é uma síntese imitativa do esquema eidético, incluindo invariante e variante, e a proporcionalidade imitativa intrínseca deste ser. O esquema concreto é a haecceitas, é este ser singular, que não nega, mas afirma o esquema eidético, que é da ordem do ser, imitado por aquele. Nós, porém, captamos, proporcionadamente à nossa intencionalidade psicológica, o esquema concreto pela intuição concreta da coisa, e pela nossa mente realizamos a operação de destacar, de modo intencional, o esquema eidético, e construímos o esquema formal abstrato, que é eidético-noético porque já traz a marca do nosso espírito (nous).
     Desta forma, há o esquema eidético na ordem do ser (positividade dos realistas na disputa dos universais), o esquema eidético imitado pelo ente singular, o esquema concreto (in re) – positividade dos realistas moderados e dos que aceitam a teoria da projeção, etc. – no ente individual; e o esquema posterior, post rem (positividade dos nominalistas) em nossa mente, que reproduz, com adequação, proporcionada ao nosso espírito, o esquema eidético e o concreto.
     Pela teoria dos esquemas se conciliam todas essas positividades citadas, e ainda mais a teoria das abstrações dos tomistas, pois a mente tem o papel ativo de realizar a separação dos esquemas, e também a teoria da projeção dos escotistas, porque há, realmente, uma adequação da mente ao esquema concreto e ao esquema eidético, que ela pode captar verdadeiramente, no sentido clássico da verdade lógica, que é uma adequação da mente ao objeto (adequatio intellectus et rei).
     A teoria dos esquemas concreciona, assim, o que há de unilateral nas diversas posições filosóficas, e permite uma visão mais clara da realidade do nosso conhecimento.
     O importante é agora salientar e advento da tensão. Quando os elementos componentes se correlacionam, de certo modo, há o surgimento de um novo esquema, que é especificamente diferente das partes componentes.
      Há aí um salto, o surgimento de um novo ser. Este não apenas a soma aritmética das partes, porque as partes sofrem mutações diversas, virtualizando-se para dar surgimento à atualização do novo ser. Há tamanhas mutações qualitativas e correlacionais que seria um erro reduzi-las apenas ao quantitativo, como o faz uma filosofia primária, como o materialismo vulgar.
      Há o surgimento de algo novo, de um novo ser. A água é algo novo que surge do hidrogênio e do oxigênio, que sofreram mutações, e são outros no novo composto, que é unitariamente um. Os elementos componentes tinham aptidão para correlacionar-se desse modo, e ao surgir a nova lei de proporcionalidade intrínseca, surge um novo ser, uma nova tensão, com a sua esquemática completa. Há aqui, um salto, algo que tem desafiado a argúcia do pensamento humano, e que tem sido solucionado de diversas maneiras, sem que qualquer delas nos satisfaça senão ocasional e provisoriamente.
     Mas as bases elementares da teoria dos esquemas, nos permite compreender com nitidez o tema. Os elementos componentes da nova unidade podem e têm aptidão para diversos correlacionamentos, inclusive o que se deu, mostrado pela própria experiência, justificado pelo próprio advento. Em suma, os elementos componentes tinham aptidão para ser assumidos por uma nova proporcionalidade que é atualizada, que é concrecionada, no novo ente.
     Essa aptidão dos elementos de se correlacionarem era um esquema que estava na ordem do ser, pois do contrário teria vindo do nada, o que é absurdo. Portanto, o que se deu era possível na ordem do ser, e tanto o era que se deu. Mas há aí algo que transcende os elementos, porque nenhum deles, tomado isoladamente, tinha o esquema, mas apenas a aptidão para correlaciona-se desse modo copenas a aptidm o segundo que, por sua vez, só tinha a aptidão de correlacionar-se com o primeiro. O que surge é algo que se dá fora de suas causas, algo que existe. Há aqui um trans-imanente, um transcender à imanência dos elementos componentes, que se virtualizam na nova totalidade, para serem da totalidade, para estarem em função da totalildade.
     Ademais, esse todo não pode ser reduzido a uma simples soma das partes, porque é especificamente diferente, apresentando caracteres e propriedades que emergem da totalidade, e não das partes, pois nenhuma delas tinha, na sua emergência, tais propriedades ou caracteres, mas apenas a aptidão de unir-se com outra para surgir uma nova emergência.
     Essa nova emergência é diferente e independente das partes componentes; é outra. O novo ser é emergentemente novo. Temos, aqui, um salto importante, que uma visão puramente mecanicista não pode explicar. Esse fato admirável, que surge, é uma assunção, pois o ente novo é assumido por uma forma de não é a dos componentes, uma possibilidade do correlacionamento, e não dos correlacionantes, algo novo que vai repetir, por imitação, um possível da ordem do ser, que está contido no ato de seu poder, senão viria do nada, o que é absurdo.
     Nas tensões há, portanto, o surgir de algo novo sem necessidade de emprestar a sua origem ao nada, mas sim ao ser.
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