Volta para a capa
Dicionário de Filosofia de Mario Ferreira dos Santos

                    EMPRESA (econômica)
    Divergem os tratadistas quanto à definição, e os autores, ora consideram a empresa fora de todo sistema econômico, considerando como tal a exploração na antiguidade greco-romana ou a pequena oficina da época artesanal, como os órgãos de produção das tribos semi--civilizadas, enquanto outros consideram importante e decisivo a noção do sistema econômico.
    Marshall, que se filia entre os primeiros, considera como empresa “todo estabelecimento destinado a atender às necessidades de outrem, em vista de um pagamento direto ou indireto, feito pelos que dele se beneficiam”.
    A empresa é, pois, uma combinação dos fatores da producão: trabalho, capital e natureza. Cria-se a empresa quando se dá a colaboração concreta dos agentes. Um mesmo agente pode oferecer diversos fatores. O operário possui seus instrumentos, o empresário pode ser também o fornecedor do capital, pois o capitalista nem sempre é apenas quem empresta. Desta forma, o empresário não assume apenas o risco da produção.
    Essa colaboração concreta dos agentes tem um nexo, uma coerência, porque implica certo ajustamento para a consecução de um fim. Esse ajustamento pode ser visto sob o ângulo técnico ou o econômico.
O ajustamento técnico é o que mais ressalta em primeiro lugar, embora em certas empresas o comercial ou econômico seja o mais desenvolvido. A empresa combina os dois ajustamentos, como combina os preços dos fatores da produção.
   É exigível um mesmo centro de cálculo e um mesmo patrimônio, ou seja, um conjunto de valores positivos ou negativos, pertencentes a uma mesma pessoa física ou moral, para que se possa realizar urna combinação de preços. É o patrimônio que nos mostra a unidade da empresa, independentemente da diversidade dos estabelecimentos. Mas essa combinação de preços, por si só, não é suficiente para caracterizar uma empresa. O agricultor, que vem à cidade e vende os seus produtos no mercado, pode proceder a uma combinação de preços dos fatores de produção, sem ser um empresário capitalista.
    Outra característica de uma empresa capitalista é a de os fatores da produção serem trazidos por agentes econômicos diferentes do proprietário. Essa separação deve ser jurídica e econômica. Essa separação é suscetível de graus, podendo aumentar ou diminuir, pois, numa pequena empresa, o empresário fornece grande parte do trabalho.
    A empresa capitalista funciona com a finalidade de obter um produto que é escoado para o mercado. É esse aspecto que a distingue da economia fechada.
    Orienta-se a empresa capitalista para a obtenção do maior ganho monetário pela diferença dos preços e não em vista da maior ou da melhor satisfação das necessidades.
    Em síntese: A empresa tende para o maior ganho monetário durável e não para o maior grau de satisfação das necessidades, a não ser quando essa satisfação seja essencial para garantir aquele ganho. Tende para a maior rentabilidade e não para o máximo de produtividade. E finalmente, é ela de caráter neutro, independente da moral, como uma empresa para a fabricação de bebidas não aconselhadas ou interditas, produção de ópio, etc.
    Com essa delimitação podemos então distinguir a empresa da exploração econômica ou estabelecimento.
    O estabelecimento é uma unidade técnica, uma reunião permanente de pessoas e de meios materiais, dedicados a uma mesma atividade produtiva num mesmo lugar (Perroux).
    Uma empresa pode compor-se de muitos estabelecimentos, como um banco, grandes lojas, etc.
    Distingamos agora a empresa de a exploração.
    A exploração econômica é a organização da produção que combina os fatores de produção, terra, trabalho, capital, com o fim de satisfazer as necessidades, coordenando essas operações a um mesmo centro de cálculos e de atividade econômica.
    Assim uma cooperativa, não é uma empresa, mas uma exploração econômica.
    A exploração econômica não tende sempre para o maior ganho nem se dirige sempre a um mercado anônimo. Assim é preferível, em certos casos, chamar-se exploração agrícola e não empresa agrícola. Neste caso, há fraca separação entre os fatores trabalho e capital, os quais, são fornecidos pelos próprios agentes interessados na operação produtiva. Assim também não se deve usar o termo de empresas públicas, quando elas tendem à maior satisfação de muitas necessidades e sim de exploração pública, porque elas não se orientam para o maior ganho monetário.
    Essas distinções se tornam necessárias porque, por meio delas, estamos aptos a distinguir as zonas do capitalismo, do pré-capitalismo e do extra-capitalismo.
   Examinemos agora o empresário.
   Quem é o empresário? A quem numa empresa, podemos chamar de empresário?
   No inicio dos estudos econômicos não se distinguia bem a figura do empresário de o diretor técnico, nem do capitalista emprestador. (É o que vemos em Adam Smith, Ricardo e outros). O crédito ainda não era bem organizado e havia poucos distribuidores de crédito. Dessa forma, os primeiros empresários eram proprietários da terra ou membros das classes abastadas.
   Foi Say quem distinguiu o empresário de o detentor do capital, para defini-lo pelo trabalho de organização.
   A passagem do capitalísmo individual para o capitalismo societário (sociedades anônimas) mostra essa distinção, sobretudo quanto à separação entre a propriedade e a gestão. Não é o mesmo o que possui e o que gere. Já Pareto observa que há um antagonismo sutil entre o capitalismo puro e a pessoa que assume os riscos da produção.
   Esse antagonismo se manifesta no lucro e no preço. Quem empresta o dinheiro a terceiro, quer um ganho maior possível, enquanto quem assume os riscos da produção tem o desejo de obter o dinheiro ao preço mais baixo.
   Manifesta-se também no salário e no preço. O capitalista puro, cuja renda é a que lhe dá o capital, que tem uma arrecadação fixa de juros, não quer que os preços se elevem. Mas quem assume os riscos da produção tem vantagem na elevação dos preços. Mas os preços não sobem todos ao mesmo tempo. Ora, uns, ora outros. Por isso o movimento de salários não se adapta aos preços, e está sempre retardado em relação a eles, o que permite ao capitalista auferir, por isso, maiores lucros durante o período que precede ao reajustamento.
   No capitalismo mais evoluído, crescem os antagonismos que se especificam entre capitalista emprestador e capitalista empresário. Aqui há uma perfeita distinção do capitalismo: um capitalismo estático, amortecido, e um capitalismo ativo, mais ligado às verdadeiras origens do capitalismo, empreendedor, pioneiro, enquanto aquele é como o resultado, como o aproveitador do segundo.
   Para fundar uma empresa hoje são necessários:
   a) organizar o plano, fixando de inicio a necessidade que se pretende atender;
   b) dar corpo ao plano pela distribuição das funções, das relações características da empresa, capital, trabalho, etc.;
   c) realização do plano pela execução do mesmo.
   Observando essa classificação torna-se fácil, desde logo, estabelecer o que merece o nome de empresa.
   Examinemos agora uma tese de Joseph Schumpeter, que, combinada com as opiniões do historiador Pirenne, e com as contribuições de Perroux pode, numa sintese, dar uma boa visão das características do capitalismo. Para Schumpeter, a empresa é o ato de realizar combinações novas de fatores produtivos. O empresário é o agente que realiza essas combinações novas, que são cinco:
   1) A fabricação de um novo bem. Não quer dizer que o bem seja totalmente novo, mas apenas para o circulo da clientela para a qual se dirige o empresário.
   2) Introdução de um método de produção nova quanto ao ramo da indústria ou do comércio regionalmente considerado.
   3) Conquista de um novo escoamento economicamente desconhecido.
   4) Conquista de nova fonte de matérias primas.
   5) Realização de uma nova organização da produção; por exemplo, de uma produção dispersa para uma concentração, etc.
   O empresário (como empreendedor) reduz as resistências objetivas e subjetivas, necessita obter companheiros, atua para convencer, para tirar da rotina os que a ela se aferram.
   Schumpeter vê no empresário um homem que pertence a uma classe ou a um grupo, o homem que se caracteriza por uma função, e não pela detenção de meios de produção, nem pelo exercício constante de uma atividade. Todos os homens de negócio têm seus momentos de empreendimento (como empresário no sentido de Schumpeter). Mas o que o termo quer definir é a capacidade criativa e não o exercício de uma profissão.
   Schumpeter vê na figura do empreendedor (empresário) um tipo original na economia moderna, que não é propriamente um trabalhador, pois possui capacidades excepcionais, as quais não podem ser transmitidas por processos ordinários de ensino (talento). Não é um capitalista, pois pode fazer suas transformações, quer com capital próprio, quer com capital emprestado. Não é um agente que suporta os riscos, porque põe outros nas novas combinações, que sofrerão também as conseqüências.
   Nos Estados Unidos, há um tipo de “promotor” ( empreendedor, promotor de iniciativas), que é uma espécie do tipo estudado por Schumpeter. Há indivíduos que são especializados em lançar novos negócios, recebendo deles uma remuneração fixa, calculada ab inítio, para os seus serviços. Na maior parte das vezes não têm capital ou têm pouco.
   Pirenne salienta que o capitalismo é feito de movimentos sucessivos, que levam constantemente ao poder elementos diferentes. Homens novos fazem suas fortunas e a de suas famílias e prestam serviços à sociedade. Os filhos preferem viver das rendas e não são tão animados a criar, o que leva a surgirem novos homens empreendedores.
   Criticando a tese de Schumpeter, Perroux alega que se deve considerar também o capitalista como empresário, porque o empreendedor, sem o capital, não realiza suas iniciativas, que permaneceriam num terreno meramente ideal. No caso de uma sociedade anônima, o acionista é o empresário. Ele fornece o capital e assume o risco. É uma figura insubstituível em sua função. No dia em que esta função desaparecer, então desapareceu a organização econômica do capitalismo, para ser substituída por uma outra fórmula, como a planificação da sociedade nas formas coletivistas.
   Cremos que seria melhor deixar-se o nome de empresário capitalista à função realmente capitalista, que já expusemos, e a de empreendedor, promotor, ao elemento criador da empresa.
As ligações entre as empresas podem ser de ordem técnica, de ordem comercial e de ordem financeira.
   As ligações de ordem técnica são reveladas pelos seguintes fatos: há empresas que produzem a matéria prima que cedem a outras, que as manufaturam, e estas as que dão o produto acabado. Há, assim, uma dependência técnica de empresa para empresa. Estas ressaltam mais aos olhos do consumidor (são melhor observadas).
   As ligações comerciais, que são melhor observadas pelo produtor, decorrem das compras e vendas, que fazem entre si as empresas.
   As ligações financeiras manifestam-se de duas formas: a) quando a empresa fornece todo o seu capital; b) quando não o fornece, e neste caso entra em contaeto e relações com a empresa bancária que distribui o crédito.
   Quando há um capitalismo societário, essas trocas são feitas através de votos ou ações. Superpõe-se desse modo a uma concentração econômica uma concentração financeira, que embora não apareça tão visivelmente tem um papel ativo.
   Há outras ligações tais como as que nascem da concorrência das empresas entre si, mais ativas e menos ativas, conseqüentemente com as condições de depressão ou de expansão das empresas. Essa concorrência dá-se no mesmo mercado, com a mesma clientela. Há dependência do poder de compra da clientela, do consumidor final, cuja depressão exerce forte influência sobre a empresa.
   Com essas noções gerais expostas, podemos agora compreender a diferença na estruturação de um Estado de regime socialista e de um capitalista. No Estado socialista, quando socialistamente planificado, há uma grande empresa, ligada pelas ligações primeiramente estudadas. A ligação é estruturalmente realizada. No regime capitalista, as ligações são meramente orgânicas, funcionais apenas.
   Podemos considerar as empresas capitalistas sob dois aspectos: a) como intensidade e b) como extensidade.
   Como extensidade, temos o campo que ela abarca e, como intensidade, temos a sua maior ou menor concentração.
   Dividem-se em dois grandes grupos os economistas quanto ao conteúdo do conceito de empresa. Para alguns, é empresa toda unidade de produção (Reboud- Baudry, Lasserre, etc.). Para estes, a empresa é independente da economia e dá-se em qualquer sistema econômico. É a empresa tomada em latu sensu.

  O segudo grupo procura definir a empresa dentro dos quadros do sitema eocômico (em strictu sensu).

  Na passagem da economia fechada e da artesanal para a capitalista, o artesão independente passa para o domínio do intermediário, que lhe fornece o capital.
   E eis aqui como se justifica a posição do segundo grupo.
   Uma das características do sistema capitalista, como já vimos, consiste em serm os fatores de produção calculados em capital (orçamento, balanço, deve e haver).
   A economia familiar é uma economia de consumo, de satisfação direta das necessidades dos indivíduos. Na economia artesanal, a exploração de aquisição é pouco diferente da economia de consumo. No sistema capitalista, há separação da economia de consumo da de aquisição, porque a moeda permite adquirir os bens.
   Nessa economia, os operários não têm economia de aquisição. Por isso muitas experiências foram feitas para dar ao operariado as ações da empresa, procurando, assim, eliminar a separação entre o trabalho e o capital. Essa modalidade não transforma o operário em capitalista, apenas melhora um pouco a sua remuneração.
   Outro exemplo temos nas grandes indústrias americanas, que dão aos seus operários parte das ações, para interessá-los no bom andamento da empresa. Forster mostra, porém, que a percentagem distribuída é ainda muito fraca, o que não liquida a separação entre o trabalho e o capital.
   Extensidade da empresa capitalista - O artesanato: Apesar das grandes transformações econômicas, o artesanato não desapareceu. Não é, porém, mais o da época de sua economia, mas um artesanato adulterado pelo capitalismo.
   Nela, o agente econômico (artesão) combina os fatores da produção, capital e trabalho, de modo independente. Ele fornece esses fatores e dispõe do produto e corre os riscos e perigos do mesmo.
   Como artesãos, temos o exemplo do sapateiro individual, do chofer de táxi quando proprietário, do pequeno camponês proprietário da gleba onde trabalha, etc.
   No capitalismo moderno, predominante em quase todo o mundo, o artesão sofre certas degradações que o tornam muitas vezes irreconhecível. No entanto, apesar do desenvolvimento do capitalismo, o artesanato é demasiadamente desenvolvido e não mostra reduções apreciáveis, apesar da deficiência das estatísticas.
   O artesão fornece os fatores da produção e a simples ausência de um deles, fornecidos por outros, degrada-o. Tampouco é artesão quem não dá por si mesmo prestações de trabalho.
   O artesão é independente de qualquer empresa. Mas entre o artesão puro e o trabalhador em domicilio, dá-se uma série de degradações. Pode ele não usar auxiliares salariados, mas se trabalha para um empresário determinado sob contrato, tem ele uma dependência, que o transforma em trabalhador assalariado.
  É grande ainda o número de artesãos nos países economicamente mais desenvolvidos. Basta que observemos estes dados:
   Na França, em 1918, havia cerca de 2.964.563 assalariados em explorações, que não ocupavam mais de 3 operários e em 1922 havia cerca de 300.000 artesãos registrados. Na Alemanha, em 1927, havia cerca de 1.250.000 artesãos. Na Rússia, antes da revolução, cerca de 67% dos trabalhadores eram artesãos. Com a revolução, esse número não diminuiu e ainda hoje há, ali, um número elevadíssimo deles.
   Entre nós, grande é o número de artesãos, e não conhecemos estatísticas seguras sobre o seu número aproximado.
   Mantém-se o artesanato por uma série de motivos, que passaremos a analisar. No século XIX, ao surgir a grande indústria, a opinião dos economistas era de que o artesanato era uma forma que aos poucos fenecia. Com o decorrer do tempo, como o dizia Marx entre outros, restariam apenas a classe numerosa dos assalariados e empresários capitalistas, aqueles cada vez mais pobres e estes cada vez mais ricos. Estes últimos, por sua vez, diminuiriam constantemente, para dar lugar ao capitalismo monopolista.
   Tais profecias tiveram o destino de muitas profecias, e não se realizaram.
   E os motivos são de ordem técnica e psicológica. Vejamos:
   Há trabalhos estritamente individualizados, que dependem de uma clientela, tais como a pequena costureira, o encadernador de arte, reparadores de e1ectricidade, radio-técnicos, etc.
   Uma série de novos inventos capitalistas permitem o desenvolvimento do artesão, como os motores pequenos, que permitem ampliar a força daquele, de modo que, com uma pequena oficina, poderá produzir determinados bens de qualidade para clientelas conhecidas. Certos misteres novos permitem que o trabalhador hábil se independentize.
   Todos esses elementos contribuem para fortalecer a situação do artesão, que resiste às investidas do capitalismo. As obras de arte, de perícia, não deixam de favorecer a conservação do artesão. Por outro lado, o trabalhador artesanal tem consciência maior de si mesmo; é uma pessoa. Tem uma papel que cumpre, sabe o que quer, o que pode fazer. Realiza-se através de sua obra, tem a satisfação do criador, e pode até emprestar-lhe certa emoção estética em graus ascendentes. Todos os tipos humanos de iniciativa sentem uma irreprimível vontade de se independentizar e o artesanato é um campo de libertação.
   Inegàvelmente se observa que entre os artesãos há a maior resistência ao capitalismo e ao socialismo autoritário. Os artesãos são, por seu espírito de iniciativa e liberdade, sempre mais tendentes ao liberalismo, razão pela qual grande número de libertários de todos matizes (anarquistas, anarco-cristãos, anarco-comunistas, anarquistas individualistas, libertários sinarquistas, etc.), surgem desse campo.
   Não são os artesãos contrários à organização, como afirmam muitos, pois, nas lutas sociais, vemos surgir dentre eles grandes e fortes organizações de defesa, como câmaras profissionais, associações profissionais livres, e uma confederação geral do artesanato, como na França, onde a influência proudhoniana é imensa, em constante conflito com a C. G. T. francesa, centralista, dirigida hoje pelos socialistas autoritários.
   O capitalismo não luta diretamente contra o artesanato, mas cria, sempre que pode, meios de proletarizá-lo. Este, por sua vez. defende-se por todos os meio, nem sempre evitando a adulteração que sofre em seus quadros, quando de seus contatos com o capitalismo.
   Em alguns paises capitalistas tem-se procurado auxiliar o artesanato. Na França, diversas foram as medidas criadas pelo Estado em sua defesa. Na Alemanha hitlerista, procurou-se auxiliá-lo. O artesão era visto como um elemento criador de qualidade e evitava a exploração capitalista. Mas o hitlerismo assim procedia para submeter o artesão aos interesses do Estado hitlerista, ligando-o estreitamente, por suas organizações, às organizações do Estado. O artesão foi sistemàticamente apoiado, dando-se-lhe todos os meios capazes de defesa e de conhecimento em sua luta econômica.
   O que é ponderável, no entanto, são as adulterações sofridas pelo artesanato por influência do capitalismo, embora numericamente não tenha diminuído.
   Vejamos: tecnicamente, há semelhanças entre a exploração artesanal e a empresa, quanto ao capital fixo (máquinas, instalações) e também quanto à divisão do trabalho, no interior da exploração. Os artesãos agrupam-se para comprar e para vender.
   O artesão sofre a influência do mercado capitalista, quer como comprador, quer como vendedor.
   Trabalha para um escoamento maior, não já por encomenda, conhecendo seus riscos e perigos, aproximando-se, assim, do empresário. Outras vezes trabalha por conta de um grande intermediário, o que o transforma em operário independente.
   Tais fatos tornam as fronteiras do artesanato e do empresário capitalista cada vez mais incertas.
   Discutem muito os economistas se o artesanato é uma classe social.
   A dificuldade da resposta está em saber-se claramente o que seja classe, pois aqui as divergências são imensas. Se aceitarmos que classe seja todo agrupamento de interesses economicos estáveis, como aceitam muitos economistas, nesse caso o artesanato é uma classe.
   Dando ao conceito de classe o sentido de “conjunto de indivíduos caracterizados pelo seu lugar na produção”, o artesanato não poderia ser apresentado como classe. Para Marx, os dois postos são ocupados pelo detentor dos meios de produção, que dirige o seu emprego e sofre os riscos do mercado, e pelo executor do trabalho assalariado dependente. O artesanato e o artesão ficam numa zona intermediária, que Marx subestimou, e julgou de fraca resistência, e que seria absorvido por um ou outro dos pólos no decorrer da luta de classes.
   Há uma opinião sobre o problema da classe e que o visualiza de modo diferente, merecedora de atenção. Não há propriamente luta de classes no capitalismo para essa concepção. Há uma classe social, o proletariado, cercado de um número de grupos econômicos e sociais, que não são propriamente classes.
   Para Saint-Simon, há duas classes: a dos produtores e a dos ociosos; para Sismondi, os capitalistas e os proletários; para Marx, os trabalhadores assalariados dependentes e os capitalistas.
   O que se observa é que há uma classe nitidamente caracterizada: a dos trabalhadores dependentes assalariados, cercado por um grande número de grupos econômicos e sociais difusos e interpentrantes, de impossível classificação nítida.
   O artesanato não é uma classe. Ele agrupa aprendizes, companheiros, mestres, que estão ligados pelo mister e não pela função econômica, nem pelo papel que representam na técnica da produção.
   Por isso, é o artesanato suscetível de organização corporativa, sob o controle do Estado. O artesanato luta contra a dispersão natural do meio capitalista; na verdade, luta contra essa separação, muito mais que contra a dispersão.
  É ele a perduração de uma forma pré-capitalista, que pervive num regime diferente, como ainda pervive, também adulteradamente, a economia fechada.
   A exploração agrícola: O campesinato não é, no sentido marxista, uma classe, mas um estado. Uma exploração agrícola não é uma empresa, mas uma exploração econômica, que apresenta características peculiares. É a agricultura uma força de resistência à penetração capitalista. A agricultura é invadida aos poucos, lenta e dificilmente, pelo espírito, pela técnica e pela organização do capitalismo. Resiste à penetração do maquinismo e à divisão do trabalho. Na agricultura, intervêm fatores de ordem extrínseca, aleatórios, que permitem boas ou más colheitas, o que favorece a manutenção do espírito de religiosidade, tão acentuado no homem do campo.
   O camponês não tem o desejo do maior ganho como fundamental de sua orientação econômica. Mantém suas tradições, seus costumes, que resistem à racionalização do capitalista.
   Na empresa capitalista, há conjunção funcional dos fatores de produção, trabalho e capital, os quais estão, jurídica e economicamente, separados, por meio do contrato de trabalho ou pelo emprego (aluguel) de serviços.
   Na exploração agrícola, a forma jurídica, excetuados os casos em que a propriedade e a exploração coincidem (proprietários da terra que a exploram), as formas usadas mais comuns para estabelecer essa conjunção são o arrendamento e a parceria.
   Nos países do norte da Europa, incluindo a França, e nos Estados Unidos, é o arrendamento a forma mais comum.
   O arrendamento agrícola é um contrato pelo qual uma parte obtém de outra o direito de uso da terra e dos meios de exploração da propriedade ou da posse legitima da segunda, por meio de um pagamento ou entrega de uma renda fixa, calculada ou em bens naturais ou em moeda.
   Analisemos agora as características:
   Um aluguel fixo - Este pode ser em bens naturais ou em moeda, mas deve ser fixo, esta a característica fundamental do arrendamento.
   O arrendamento oferece vantagens, pois permite que outros, possuidores de recursos monetários e técnicos, possam explorar terras que permaneceriam abandonadas em mãos de seus proprietários. Mas, por outro lado, oferece desvantagens, porque o arrendatário cuida muitas vezes irracionalmente do campo, esgotando-o, não se preocupando em incorporar à terra elementos que não permitam o seu empobrecimento. Não emprega em geral fertilizantes de ação lenta, mas sim os de ação rápida (nitrato de sódio).
   O arrendamento não está libertado de riscos, e estes riscos recaem sobre ambas as partes.
  A empresa industrial e comercial: Vimos no exame da zona capitalista, que esta compreende o comércio, a indústria e o banco, terrenos onde o capitalismo se desenvolve em suas fases, com graus diferentes.
   Varia, nas diversas nações do mundo, a preponderância entre as empresas.
   As empresas individuais são em geral as de maior número, seguindo-se as societárias. Dentre estas, as anônimas, em alguns países, como nos Estados Unidos, são as mais importantes quanto aos capitais investidos, aos operários, e aos valores produzidos.
   Observa-se facilmente que há uma tendência a despersonalizar a empresa societária, tendência verificável em todos os países capitalistas modernos.
   Essa despersonalização oferece dois aspectos:
   a) aparição de novas formas de sociedades de pessoas;
   b) extensão da sociedade anônima ou sociedade de capitais.
   Assim, ao lado das antigas formas de sociedade de pessoas, tais como a de comandita simples ou por ações, apareceram as sociedades de responsabilidade limitada.
   Esta espécie de sociedade desenvolveu-se em extensão e ràpidamente, devido, sobretudo, às suas características: é uma sociedade em que a responsabilidade de seus membros não é indefinida, mas relativa às partes de capital. Por outro lado, seus títulos não são negociáveis, como nas sociedades anônimas, mas títulos submetidos a uma formalidade de cessão de crédito toda especial.
   Os que não desejavam empregar numa sociedade uma responsabilidade pessoal integral, encontravam na sociedade de responsabilidade limitada ou por quotas, uma solução.
   O desenvolvimento da sociedade por quotas ou de responsabilidade limitada nos revela uma nova tendência característica do capitalismo: a tendência do empresário de subtrair-se aos riscos da produção.
   Vejamos agora a letra b. Importantes motivos intervieram para favorecer a extensão da sociedade anônima. Oferece a sociedade anônima um exemplo extraordinário de aquisição e coletação de capitais. Na sociedade por quotas, quem fornece os fundos não pode liquidá-los fàcilmente, enquanto na sociedade anônima, o acionista está na posição de um credor, que pode liquidar a todo instante a sua ação. Tem ainda a possibilidade de ganhos diversos, quer econômicos, como os resultantes da distribuição de dividendos, como ganhos de especulação, decorrentes das variações na bolsa. Permite, assim, a sociedade anônima que pequenas poupanças possam ser reunidas numa empresa societária.
    A maior sociedade por ações do mundo é a U. S. Steel Corporation, que dispõe nesse tipo 686 milhões de dólares. Na Europa, a maior firma é a Lever Brothers, com 130 milhões de libras de capital autorizado.
  Alguns economistas vêem a sociedade anônima uma verdadeira democracia financeira. Mas mostraremos como se enganam.
   Na empresa individual, temos, em primeira plana, o fator pessoal, com o favorecimento da competência profissional e do espírito de empresa. A pessoa tem uma responsabilidade legal e uma responsabilidade moral.
   Diz-se que, na sociedade anônima, temos uma situação completamente oposta. Esta é uma sociedade de capitalismo impessoal (Liefmann) ou de desumanização da empresa (Sombart).
   Procuram, assim, mostrar que, nela, a gestão e a propriedade são separadas, dando a entender que a direção tenha aí perdido sua importância, como se o fator pessoal tivesse sido eliminado.
   Por incompetência técnica, por ser disperso e não formar uma vontade, pela sua fraca capacidade de organização, a soberania dos acionistas é meramente nominal.
   Nas assembléias das sociedades anônimas, a percentagem dos acionistas presentes em pessoa é mínima, alcançando, nos casos mais favoráveis, pouco mais de 20%.
   A decisão pertence sempre a alguns acionistas, detentores do maior número de ações. Dessa forma, a vontade de uma minoria (oligarquia) impõe-se à grande massa de acionistas. Inúmeros são os processos empregados para obter essa maioria de ações nas mãos de uma minoria. Quer pelo domínio do maior número de ações por parte do grupo, quer pela aquisição delas até atingir a maioria, quer pela coleta de poderes especiais. Um outro processo consiste em dar à ação um voto plural. Por ex.: uma sociedade considera que as ações de números 1 a 1.000 têm 5 votos, enquanto as acima desse número têm apenas 1 voto. As primeiras são dos fundadores. Para compensar essa pluralização do voto, concedem aos acionistas de voto inferior maior participação nos dividendos. Também se usa o processo de aceitação de capital sem direito de voto, mas apenas ao dividendo, às ações preferenciais. Ex.: No truste do fumo, nos Estados Unidos, antes da guerra, havia 215 milhões de dólares de ações sem direito de voto, contra 40 milhões de dólares com direito de voto.
   Que nos oferece a análise de tais fatos?
   Que há um capital dirigente e um capital dirigido. O primeiro é representado pelo grupo oligárquico dirigente, quer diretamente, quer por seus representantes ou delegados (directores, conselho de administração, etc.); e o segundo, a massa dos acionistas.
   Surgem, então, aqui, as características diferenciais entre a empresa individual e a empresa societária.
   As decisões são geralmente menos rápidas nas grandes sociedades de capitais do que numa empresa individual.
   Observam, frequentemente, os economistas que a sociedade anônima se burocratiza a exemplo das explorações administrativas. Permite muitas vezes o desenvolvimento do espírito de emprea, pela sobre-excitação desse espírito. Permite ainda uma forte concentração de poderes e uma ampla descentralização ou disseminação da propriedade.
   Na empresa societária, há separação entre o trabalho e o capital, como em toda empresa capitalista. De um lado trabalhadores de direção e de execução, e de outro os acionistas. A gestão é comumente confiada a agentes distintos. Uns lançam a empresa. outros tomam as decisões vitais (administradores, membros do conselho, diretoria), e a outros cabem a direção técnica, o controle quotidiano.
   Há, assim, separações de graus diversos.
   Há, ainda, a separação entre os proprietários jurídicos da maioria do capital e os que exercem o poder de dispor efetivamente desse capital. Estamos aqui em face da distinção entre os conteúdo econômico e o conteúdo jurídico da propriedade.
   Apresentam as sociedades anônimas outras particularidades. tais como as possibilidades de fraude mais acentuadas, bem como meio de manipular os dividendos, de assegurar um domínio sobre a massa de capitais, o jogo com as reservas, as obscuridades contábeis e também lançamentos inexatos, embaralhamento dos lançamentos com o intuito de ocultar, por meio de manobras, a realidade da situação da empresa, as participações da diretoria, contratos que facilitam participações extra-societárias.
   Outro aspecto importante é verem-se quase sempre os mesmos elementos na direção das empresas anônimas. As empresas, que parecem autônomas, estão ligadas ocultamente através das suas direções, escapando, assim, a qualquer fiscalização oficial, aumentando o poder de alguns à custa da grande massa de acionistas, poder que se reflete também na vida social e política.

  Os abusos levam os poderes públicos a intervirem por meios administrativos e legais.
   Observa-se, atualmente, uma intensificação da especialização das explorações capitalistas, especializações que se verificam não só no terreno da indústria, como no do comércio e até nas operações bancárias.
   O comércio subdivide-se em comércio por atacado e comércio por varejo.
   O comércio por atacado subdivide-se segundo a natureza dos objetos e dos produtos. O comércio por varejo também se especializa.
   Nas grandes cidades, a especialização oferece graus dos mais variados e completos.
   Por outro lado, observam-se empresas industriais que assumem funções comerciais, que não vendem aos atacadistas, mas diretamente aos consumidores, pela criação de agências, filiais.
    Por outro lado, empresas comerciais assumem funções industriais. São empresas, que tendo muitas filiais e agências, podem produzir para fornecimento das mesmas.
   Assim vemos reagruparem-se funções que haviam sido cindidas pelo próprio capitalismo.
   Um aspecto interessante que os fatos atuais vêm demonstrando é o que se refere aos males do gigantismo na indústria. Predominou essa concepção na Economia, sobretudo entre os marxistas, que viram nas grandes empresas uma manifestação de socialismo (!). E se hoje, na Rússia, se procede à descentralização, é esta mais provocada pelas necessidades de defesa do que propriamente pelas dificuldades administrativas que elas oferecem. Ainda vemos no terreno administrativo social, sobretudo político, que o preconceito da centralização é predominante em muitos. Ainda se julga que a concentração de poderes é benéfica. A indústria moderna sente os males dessa centralização, e há exemplos extraordinários nos Estados Unidos, onde grandes empresas realizam a descentralização de suas indústrias.
   A administração suprema de uma indústria gigante, por melhor serviço de informações que tenha, é cheia de defeitos. No campo do capitalismo, verifica-se que as grandes empresas, sob o ângulo contábil, estão mais sujeitas às fraudes e aos erros, inclusive de cálculo.
   Temos exemplos na Creusot, na França, cuja descondensação tornou-se uma necessidade, a Loewe, na Alemanha, além de outras muitas nos Estados Unidos.
   No comércio, também. A centralização dos grandes armazéns (como verificamos agora no Brasil, Mappin, Sears, Lojas Americanas, etc.), nos paises mais desenvolvidos, é substituída por uma descentralização técnica e contábil (as grandes organizações no Brasil, acima citadas, já empregam esse sistema em muitos aspectos).
  Não se deve, porém, confundir descentralização técnica ou administração com a descentralização econômica.
   Uma empresa pode ter uma centralização econômica, quanto aos cálculos, por intermédio de uma contabilidade central. Há uma empresa com diversas secções e não diversas empresas.
   Esta distinção é importante para compreender as doutrinas dos que defendem o socialismo descentralizado (libertários, anarquistas, etc.). Reconhecem eles as grandes dificuldades de uma planificação socialista centralizada. Os interesses coletivos podem ser perfeitamente assegurados por uma gestão de estabelecimentos múltiplos e distintos no interior do organismo socia1.
   Pode dar-se uma independência técnica, administrativa e até econômica das explorações socialistas.
  Não resta dúvida que se pode descentralizar técnica ou administrativamente com reais resultados. Quanto à descentralização econômica, esta se dá apenas pela afirmação da autonomia das empresas, cuja rentabilidade fica, no entanto, ligada aos interesses coletivos pela organização federativa das previsões e cálculos econômicos, cujo organismo tem apenas um papel orientador, consultivo e não diretivo nem executivo.
   É natural que os socialistas libertários admitam, como fundamental, uma base ética na sociedade, isto é, um reconhecimento dos direitos coletivos, que não podem ser prejudicados em benefício de um grupo nem vice-versa.
   Uma sociedade socialista planificada centralizada (socialismo autoritário, marxismo, etc.), exige cálculos econômicos em relação aos interesses próprios quanto à sua própria rentabilidade, de modo que atenda as suas necessidades. Os marxistas combatem, na sociedade capitalista, o aspecto capitalista, e pretendem impor um anti-capitalismo. Mas a rentabilidade de uma empresa traz sua marca capitalista. Os marxistas já dão como resolvidos os principais problemas, porque admitem que a ideologia e a superestrutura são modeladas e determinadas pela infra-estrutura econômica. No entanto, necessitam estimular a rentabilidade de suas empresas e exigir benefícios seguros.
   Numa sociedade libertária ou anárquica, as soluções para tais problemas são diferentes. A rentabilidade não é dominante, porque o sistema de distribuição é fundado na produtividade. Assim uma empresa, que poderia ser deficitária, mas necessária para a produção, tem assegurada sua participação social na distribuição dos bens, porque é destruído o mercado e o sistema de preços, pela incorporação nos direitos sociais iguais de todos à alimentação, à moradia, à educação e ao divertimento, que são igualizados bàsicamente, embora, em outros aspectos, sejam admissíveis as distinções naturais que se formam.
    Exploração e empresa pública:
   Passemos ao exame das empresas, que não são propriamente capitalistas: as empresas públicas e semi-públicas. Quanto às empresas cooperativas, passamos a examiná-las nos verbetes sobre Cooperação e Cooperativismo, as quais também se incluem entre as que não são capitalistas.
   As unidades de produção da zona pública podem receber fornecimento de capital a) exclusivamente dos poderes públicos; b)ou parte pelos poderes públicos e parte pelos agrupamentos particulares ou indivíduos isolados (sociedades mistas).
   Quanto à disposição efetiva e à gestão das empresas podem a) os poderes pertencerem aos particulares e ao Estado, sob quadros jurídicos, estabelecidos previamente; b) ou podem estar divididos entre o Estado e os particulares, proporcionadamente ao capital aportado.
   Quanto ao funcionamento, prestam as explorações públicas serviços públicos, tendentes a satisfazer necessidades da comunidade nacional ou de um grupo dessa comunidade. Algumas explorações estabelecem preços que não são preços do mercado, e que são corrigidos por considerações políticas ou sociais, aos quais certos autores americanos chamam de preços políticos. Outras explorações, integradas no mercado, aceitam . Outras explorações, integradas no mercado, aceitam o preço do mercado tal qual é, praticando preços de monopólio ou de quase-monopólio.
   Assim, há empresas que não têm como fim exclusivo nem principal o maior ganho possível, outras que tendem para o maior ganho possível, limitadas por certo interesse geral, e outras que são verdadeiras empresas de capitalismo de Estado e que procuram, através da troca, alcançar o maior ganho monetário possível. Estabeleçamos os aspectos que as distinguem umas das outras.
   Examinemos as explorações públicas, fazendo primeiramente uma distinção fundamental entre a) explorações públicas e b) empresas de capitalismo de Estado.
As explorações públicas são propriedade do Estado, geridas sem restrição nem controle por este. Não tendem a um ganho monetário maior, mas buscam realizar um ganho monetário, dentro de certos limites políticos e sociais.
   As empresas de capitalismo de Estado são órgãos de produção que reproduzem, na forma, a empresa capitalista, embora os proprietários sejam o Estado ou uma coletividade pública. Penetram no mercado e procuram o maior ganho monetário possível. Não são propriamente organismos públicos pelos fins, mas apenas pela estrutura e pelo patrimônio.
   Analisemos agora essas duas espécies de explorações e empresas públicas.
   As explorações públicas: Essas instituições têm um fim especial: não tendem à satisfação de todas as necessidades coletivas de uma comunidade, mas a certas necessidades. Têm, assim, uma utilidade coletiva. (Estabelecimentos públicos do Estado, tais como estabelecimentos de instrução pública, asilos, assistência pública, hospitais, hospícios, etc.).
  Essas organizações partem da despesa e não da receita. As necessidades coletivas devem ser satisfeitas e o Estado deve fazer face a essas despesas. Para isso, dispõe de meios de ação baseados no constrangimento (percepção de taxas, imposto, etc.).
   Tendem, assim, à satisfação das necessidades, combinam os fatores da produção para trabalhar com o menor custo e obter o resultado máximo.
   Há outras explorações de caráter econômico, que são administradas pelo Estado (Municíipios, governos estaduais ou provinciais, etc.). Exploração do fumo, bebidas (como no Uruguai). telégrafos, telefones, correio, etc. Essas explorações podem ser monopolizadas, ou não. Há, ainda, explorações industriais sem monopólio, como certas indústrias, etc.
   Podem essas explorações ser superavitárias ou deficitárias. Neste último caso, o déficit é coberto pela arrecadação dos impostos, por restrições de despesas ou por meios orçamentários, não devendo nunca o ser pela redução dos serviços que prestam quando sociais.
   Quando superavitárias (isto é, quando a despesa é inferior à receita) as aplicações do superavit podem destinar-se às melhorias, fundos de reserva ou aplicadas em obras sociais ou para cobrir déficits de outras explorações, etc.
   As empresas de capitalismo de Estado: Em todos os seus aspectos, essas empresas são semelhantes às particulares, tendo por única diferença a distinção entre o capitalismo privado e o capitalismo de Estado. Nessas empresas, procura o Estado o maior beneficio monetário possível, entrando em concorrência com as empresas capitalistas do mesmo ramo.
  Podemos considerar como exemplos o capitalismo de Estado da Alemanha hitlerista, do trabalhismo inglês, etc.
   As explorações do capitalismo de Estado são combatidas sobretudo pelo burocratismo que elas geram, que surge na administração das grandes empresas privadas e que se agrava nas empresas públicas, encarecendo e emperrando a sua atividade. Além disso, a História revela, na Europa, que as experiências de administração pelo Estado têm sido prejudiciais, sobretudo pela incapacidade administradora de seus dirigentes, que dependem dos elementos políticos, que influem, freqüentemente, na administração. Durante a guerra de 1914-18, o arsenal de Roane, que deveria produzir 50.000 obuses por dia, nas mãos da administração do Estado produzia apenas 1.700 abuses, muito aquém da produção de outras oficinas administradas por capitalistas.
   Revelam também as experiências que os abusos na produção aumentam, desaparecendo a disciplina por parte dos trabalhadores.
   De tais defeitos não se exime a organização soviética, em que as influências políticas penetram na produção (ação dos elementos do partido), bem como depende do mercado e dos preços estabelecidos, trabalhando para clientela anônima, e obrigada a. obter o maior ganho possível, a fim de satisfazer as comissões elevadas de que gozam os dirigentes. Dessa forma, verifica-se, na Rússia, uma confusão entre o econômico e o político, porque os dirigentes dependem dos comissários políticos, sendo estes uma verdadeira ameaça. Por outro lado, as estatísticas russas demonstram que o custo da produção é exagerado, razão pela qual é tão elevado o custo de vida na Rússia.
   As explorações mistas: São as explorações mistas as mais comuns na capitalismo moderno. No setor público, são numerosas e cada vez mais numerosas. Essas saciedades de economia mista são formadas com a aportação de frações de capital de um ou outro lado (Estada e capitalista), nas quais a direção cabe ao Estado ou ao capitalista.
   O tipo mais comum dessas organizações são as concessões.
   Antigamente, usava-se também a arrendamento de certos domínios públicos, que eram entregues a um particular ou a um grupo de particulares, quando .o Estada não podia mantê-los devidamente.
   Examinemos, no entanto, a concessão.
  A concessão é uma forma de exploração na qual o Estado ou uma coletividade pública concede a particulares isoladas ou agrupadas (os concessionários), o estabelecimento ou a exploração de um serviço público. Neste caso, os concessionários têm a responsabilidade financeira da exploração e a direção técnica. Suas obrigações e direitas são estatuídos no contrato de concessão.
    As concessões são dadas para prazos determinadas.
  Independentemente dos seus pormenores jurídicos, que são estabelecidos geralmente pelas leis vigentes nos diversas países e comunidades, a concessão, economicamente, é uma exploração mista.
   O poder público beneficia o concessionário com certos processos de expropriação para facilitar-lhe o funcionamento (no caso de estradas de ferro, expropriação por utilidade pública de certas faixas de terreno, etc.).
   Concede às vezes ajuda financeira, por meio de subvenções, como pode ainda participar nos riscos da exploração. O poder público pode participar ou de uma renda determinada ou das rendas liquidas verificadas. Neste caso, cabe ao poder público representar-se par meio de fiscais.
   Os processos mais modernos usados são os da sociedade de economia mista, que assume a maior parte das vezes a forma da sociedade anônima (ou saciedades mistas de responsabilidade limitada, cama na Alemanha). Nessas saciedades, os acionistas são particulares e as coletividades públicas.
   As coletividades públicas adquirem um direito à distribuição do beneficio, participam dos riscos da gestão e gozam de prerrogativas concernentes à direção, à orientação e à administração do negócio. Salvo especificações determinadas, essas prerrogativas são proporcionais ao montante de um ou outro portador (poder público e particulares).
   As formas dessas sociedades mistas são as mais diversas, segundo as condições de cada pais. O que se observa, porém, é sua multiplicação constante, que, para nós, revela a marcha da capitalismo privada para o capitalismo estatal, confundida tantas vezes com a socialização. O capitalismo de Estada vai substituindo aos poucas o capitalismo privada, naturalmente não numa direção linear. Há marchas e contra-marchas, mas pode-se estabelecer que a predominância constante é devida à exploração pública caber ao Estado. Os serviços prestadas por organizações particulares tornam-se públicos, assumem o caráter de serviços públicos por interessarem à coletividade. Desta forma, o Estado encontra sempre uma justificativa para atrair para a seu âmbito todas as explorações de serviços que interessam à maioria ou à totalidade da população.
   Para uma análise concreta das explorações mistas, devemos considerar a) a natureza da serviço; b) a capacidade e a competência pessoal dos dirigentes; c) o conjunto das relações econômicas e sociais.
   No primeiro caso, temos a estrutura. Verifica-se se há a independência do patrimônio e dos interesses da concessionária e das finanças públicas. No primeiro caso, os particulares são naturalmente incitadas ao máximo de diligência para a aquisição dis benefícios maiores.
   Tanto os liberais como os socialistas de todos os matizes têm discutido as vantagens e as desvantagens do sistema de economia mista para as explorações públicas. Os liberais mostram seus defeitos, enquanto os socialistas (os autoritários) o defendem, contra a opinião das libertárias, que julgam deve a administração pertencer às organizações populares livremente constituídas.
   No entanto, há, segundo a natureza do serviço, pela sua amplitude, a conveniência de ser entregue não organizações socais, mas nacionais. Quanta à competência, o Estado não é um organismo capaz de garanti-la, devido às condições políticas que o constituem e nele atuam.
   As concessões oferecem certas dificuldades quanta ao controle das concessionárias, que podem cuidar de seus beneficias particulares em prejuízo dos interesses públicos. Sabem todos dos defeitos da fiscalização realizada pelo Estado, devido aos elementos políticos e ao desamor natural ao que é coletivo.
   Tendo o concessionário um tempo limitada de exploração, é natural que o aproveite da melhor forma. Tem assim a concessão elementos contraditórios, que se antagonizam. São interesses gerais, em choque com interesses particulares.
   A economia mista é uma economia intermediária. (para muitos uma economia de transição), por isso ela oferece tantos males quantos benefícios, testemunhando aqueles males a crise inerente ao regime capitalista, a impossibilidade de permanecer este quando os interesses coletivos passam a impar-se na sociedade.
   Entretanto, convém estabelecer que não há um capitalismo puramente privada sem participação no sector público. A exploração mista não é um progresso de socialização como pensam os socialistas. Os liberais viram nela uma libertação da gestão socialista, enquanto os socialistas viram uma marcha para o socialismo, por haver ai uma colisão clara das interesses capitalistas com os interesses sociais. Não há dúvida, porém, que a exploração mista prepara o advento do socialismo como ele é concebido pelos autoritários. Elas criam condições favoráveis, preparam o futuro do socialismo, não sendo ainda socialismo. A exploração pública mista permite quebrar as resistências políticas, as psicológicas e as sociais, justificando o Estado planificador. Entretanto muito pode e sucede aqui que desmente as previsões socialistas.
   Critica da empresa e do empresário: Tornou-se o tema da empresa, ante as investigações modernas, de uma importância capital, já que anteriormente estava totalmente confundido com a firma capitalista.
   O termo empresa indica, etimologicamente, um acometimento, um empreendimento. Em nossa língua, sua origem encontramos no francês, que, por sua vez foi buscá-la no italiano.
   No sentido econômico, como dissemos, empresa foi considerada a organização privada capitalista para a realização de uma atividade meramente econômica, com uma finalidade determinada. Modernamente, entende-se como empresa, na Economia, a organização capaz de efetuar uma determinada atividade econômica, distinguindo-se, nitidamente, da figura do empresário, como gestor, e do titular da empresa, que, na maior parte das vezes, é o próprio empresário. Como essa função, pelo dirigismo econômico, pode ser realizada também pelo Estado, é este, em certas circunstâncias, o empresário, pois é o titular da empresa. A empresa, considerada em si mesma, pode ser tomada apenas como a organização econômica, como dissemos, cujo empresário, cujo titular, pode ser substituído, permanecendo, no entanto, aquela sendo a mesma. O titular é, na vida econômica e jurídica, aquele que representa a firma, que firma em nome da empresa, quando proprietário dela. Assim, a distinção entre firma, empresa, empresário em sentido de gestor, e titular torna-se clara.
   Desse modo, pode-se falar em empresas públicas e empresas privadas, como já vimos. As primeiras são aquelas cujo titular é o Estado, as segundas aquelas cujo titular é a pessoa privada, singular ou coletiva.
   A empresa surge de uma complexidade na realização econômica, somente quando o trabalho individual não é suficiente para alcançar resultados mais amplos. tornando-se mister coordenar esforços, mobilizar diversas atividades especificamente distintas para obterem-se resultados mais amplos.
   O empresário é o coordenador da empresa, e o titular é o proprietário da empresa, que no regime capitalista, de inicio, reúnem-se nas mesmas pessoas, tendendo, na fase ascensional daquele regime, a ser executada por mandatários, que participam ou não do titulo de proprietários da empresa, como se vê nas grandes sociedades anônimas.
   As empresas tendem, pois, a combinar e a coordenar as atividades econômicas com fins precipuamente determinados, e elas surgem por uma necessidade da divisão do trabalho para a obtenção de maior produção. Não se pode negar que a figura do empresário é a de um agente criador, de um agente organizador, captador de possibilidades de entrosamento da produção, segundo normas mais produtivas e hábeis. Como toda ação criadora implica liberdade, a ação do empresário necessita ser livre para poder realizar as experiências que se tornam necessárias, a fim de alcançar os resultados desejados. Como a economia superior é uma economia empresarial, desde logo se percebe a necessidade que nela havia da liberdade, sem a qual a criação seria impossível, o que aliás comprova a nossa tese de que a economia é fundamentalmente assentada sobre a liberdade, e que o genuíno ato econômico é um ato livre. Contudo, tal não implica que se tenha juntado à economia a trabalho não livre, como vemos na escravidão e no trabalho forçado nas prisões. Tais trabalhos são econômicos apenas em sua função produtora e surgem da mobilização feita por empresários que, contudo, gozam de liberdade. Em tais casos, os trabalhadores são jurídica, econômica, administrativa e tecnicamente dependentes do empresário, e representam formas viciosas na ação econômica do homem, que nasce de um gesto criador e livre, ao qual se incorporam formas opressivas, verdadeiramente extra-econômicas quanto a este aspecto, apesar da canalização de tais esforços para a realização de efeitos econômicos. Contudo, essas formas são inegàvelmente acidentais, episódicas, como dizem alguns, na vida social humana. Elas não representam necessidades insuperáveis, pois podem ser substituídas por um trabalho livre, cada vez mais livre. Ao estudarmos as dependências do trabalho, notamos que a forma cooperacional é a única que oferece o maior grau de independência ao trabalhador, liberdade que pode ser aumentada à proporção que o progresso tecnológico, em sentido amplo, inclusive o da gestão empresarial, que também é técnico, alcança seus estágios mais elevados.
   A empresa nasce, assim, de um ímpeto libertário da homem, e o empresário goza, ao construí-la e ao levá-la avante, de certa liberdade, bem como no seu funcionamento, apesar das restrições naturais que a circunstância ambiental (político-econômica, jurídica. sociológica, ética, religiosa, histórica, etc.) pode exercer
   As empresas públicas devem ser consideradas como serviços públicos. Mas, seja como for, a empresa é sempre uma reunião de indivíduos, implica uma cooperação de esforços e prova a capacidade criadora da cooperação, pois sua unidade surge da entrosamento dos esforças tendentes à realização de uma meta desejada. A cooperação interna é necessária, bem como a cooperação externa, cooperação nas funções. E tal cooperação é evidente, apesar do excesso de individualismo que pode dar-se, e que é próprio do regime capitalista, pois se nota que cada vez mais a empresa vai pertencendo ao próprio trabalhador, que a sente em muitos aspectos como sua (minha oficina, minha fábrica, minha firma, etc.).
   As empresas capitalistas tendem, naturalmente, à realização de bens destinadas ao mercado, e sofrem do risco que é inerente a todo capitalismo, como a concorrência, crises, perda de mercados, prejuízos, etc., que são escalares.
   As empresas públicas tendem a monopolizar a produção especifica, mas algumas, apesar desse monop6lio, podem sofrer concorrência, como se dá com o serviço de Correios, que pode ser preferido por outros meios de comunicação mais eficientes do que o serviço prestado pelo Estado, que nem sempre corresponde às necessidades existentes.
   As associações de empresas, a fim de evitar a concorrência ou reduzir os riscos, formam as diversas figuras que já estudamos, como cartéis, trustes, etc., que são preconceitualmente, por uma propaganda insidiosa, apresentadas como prejudiciais aos interesses públicos, o que nem sempre é verdadeiro.
   Fundando-nos na empresa, poderemos anotar alguns aspectos típicos dos diversos sistemas econômicos, modernamente empregados:
   O capitalismo democrático caracteriza-se pela empresa livre e pela distinção nítida entre a empresa e o titular da mesma, que é propriamente o capitalista, uma pessoa privada, singular ou múltipla.
   O capitalismo de Estado caracteriza-se pela empresa pública, desde a mista até a exclusivamente estatal. Neste caso, o Estado é a empresário e titular da empresa, parcial ou totalmente. O capitalismo de Estado tende à absorção total, por parte daquele, de toda empresa econômica, e basta, para caracteriza-lo0, o predomínio econômico deste.
   O chamado socialismo de Estado apresenta, economicamente, a mesma maneira de atuar do capitalismo de Estado, com distinções meramente jurídicas, pois, em muitos casos, pode ser realizado através da expropriação pura e simples do titular da empresa e da sua propriedade, noutros pode dar-se pela expropriação com indenização, como se dá também no capitalismo de Estado.
   Distinguem-se ainda um de outro pela finalidade. No capitalismo de Estado, os benefícios tendem para todos, independentemente de sua situação de classe, enquanto no socialismo de Estado diz-se tender para o bem do trabalhador, o que, na prática, não se evidencia.
   Há, ainda, a forma de sociedade libertária, que é democrática, na qual a empresa privada é livremente organizada, mas seus benefícios tendem à aplicação social.
   Alguns Estados procuram marchar pela forma democrática para essa sociedade, pela aplicação dos impostos sobre as rendas, ou melhor, sobre os lucros, destinando-os ao Estado para a realização de suas funções. É uma espécie de combinação entre democracia capitalista e democracia libertária, a que se verifica, de modo ascendente, nos países mais desenvolvidos do mundo.
________________

Consulte outros verbetes:      Empresa

                                              Estética

                                              Ética

                                              Memória

                                              Substância