Volta para a capa
Dicionário de Filosofia de Mario Ferreira dos Santos
MODOS

   (Teoria Modal) – É o modo a maneira inerente de ser de uma substância ou de um acidente. O grande teórico da teoria dos modos ou das modais foi, inegàvelmente, Suarez.
    O modo é um haver formal em outro ser, e nesse haver está toda a sua entidade; ser atual, que consiste num determinar em outro e de outro (inaliedade e abaliedade). Assim a união é modo enquanto une; a figura, enquanto configura, a ação, enquanto é dimanação ou fieri (devir), exemplifica Suarez, que salienta ainda que o modo não pode aparecer em estado potencial, mas só como atual determinação de outro ser, não tendo, portanto, realidade independente, entidade própria. Consiste sua entidade numa pura modificação da realidade a qual afeta, e, nessa função modificativa, está toda a sua estrutura ontológica.
    Portanto, o ser do modo e o modificar nele se identificam: ser é modificar no modo.
    ”O modo, definia Suarez, é uma certa entidade positiva, que consiste em ser uma determinação atual e formal da realidade, à qual modifica, à qual outorga uma modificação última, que cai fora de sua essência total e individual, enquanto existe na Natureza”.
    Nesta definição, estão compreendidas as propriedades mais especificas e características dos modos, tais como inseparabilidade absoluta, inaliedade, abaliedade, determinação última e atual, ser como causar, estado, etc.
    Partindo da classificação aristotélica das categorias, podem eles ser, então, primariamente, subdivididos em substanciais, quando são estruturas modais da substância, integrando-a; e acidentais, quando completivos dos acidentes.
    Aponta Suarez como modais a união, a dimanação, a supositalidade, a figura, o movimento, a ação, a inerência, e outras. São objetivas, mas de natureza modal.
    No composto, a união é real, pois sem ela o composto não seria real, mas apenas um agregado mecânico.
    As partes são uníveis, enquanto consideradas como tais. E podem unir-se, dando surgimento a um novo estado ontológico dos componentes. Na adição ou na substração, há um termo real de mutação. Esse termo real, que surge na mutação compositiva, é a união.
    Antes da união, os termos estão em estado de indeterminação. Como os termos são reais, a união é também real, pois do contrário, os termos, quando estilo unidos, não estariam unidos, o que seria admitir contradictio in adjecto.
    Há o surgimento, na união, de algo qualificativamente novo, que é atualizado.
    A nova forma, que surge, como nas combinações. químicas, é uma decorrência da união, pois o univel é potência nas partes, e ato no todo. Neste caso, a união, como modo, é distinta da forma que se atualiza na nova tensão esquemática. Não se deve confundir o modo com a tensão, nem considerar aquele como causa desta.
    A união é, assim, um exemplo da modal substancial, sem que os modos sejam, como já vimos, substâncias nem acidentes, dos quais se distinguem, embora redutíveis a estes, o que revela uma distinção real não mútua, pois os modos existem necessariamente naqueles, os quais não exigem necessàriamente este ou aquele modo.
    Como exemplo de uma modal acidental, temos a inerência, que é uma modificação do acidente. A quantidade pode ser considerada abstratamente, tomada em si mesma, mas, na substância. está em estado de inesão.
    A inesão é o pegado em, junto em, o perfeitamente unido em... A quantidade está em inesão na substância. A quantidade tem sua entidade e tem a sua inerência na substância, e elas não são formalmente a mesma coisa. A inesão é o estado real da quantidade afixada, aderida à substância. Suarez chama essa modalidade de modo da quantidade. Para Suarez a quantidade pode ser tomada em sua entidade, e em sua inerência na substância. Admite uma distinção real (no sentido da maioria dos escolásticos), porque a entidade da quantidade, considerada em si mesma, em sua essência e existência, e até em sua individualidade, não inclui a inerência atual à substância.
   Conseqüentemente: a inerência, como modo, é inseparável da quantidade em que se dá; é uma determinação formal última do acidente que inere, e tal determinação última é peculiar a todos os modos, o que configura a sua entidade, situação ontológica que lhe é exclusiva. Não esqueçamos nunca que o modo entifica-se no exercício atual de sua modalidade.
    A ação é também um modo acidental. Dá-se essa na dimanação da causa eficiente, mediante a produção do efeito. Está ela necessàriamente conexionada à causa eficiente. Causar é produzir uma ação, e, por meio dela, um efeito.
    Na causalidade eficiente, temos a causa, a ação e o efeito, que são termos correlativos. A causa eficiente é tal enquanto produz uma ação, mas esta não é um efeito da causa, mas a razão do causar, um modo da causa, a sua faticidade (nela há uma actio e uma factio, como diria Tomás de Aquino).
    A ação coloca-se como uma realidade entre a causa e o efeito (fieri), devir. A dependência entre o efeito e a causa é um modo, e é real (causa é o de que depende realmente o efeito). A conexão entre causa e efeito é real e é intrínseca, pois a causa causa, do contrário não causaria, nem no efeito produzido haveria produção. Essa dependência real explica, como o salienta Suarez, a relação ontológica existente entre causa e efeito, sem a qual nanhum dos extremos (causa e efeito) poderiam ser compreendidos nem entendidos.
    Por isso a dependência se contradistingue da causa e do efeito, mas com distinção real-modal. A ação é, assim, vial.

   A ação é portanto, um modo, pois é de e em alguma coisa, com a qual se consubstancia, entidade de outra entidade (abaliedade e inaliedade). E, na verdade, a ação, como entitas, não consiste em si mesma, não é de per si, mas tem seu ser em outro, pois sua entidade não é própria e independente. Mas, como é positivo, é um modo de outra entidade . É uma entidade vial (fieri), mas de outra entidade da qual depende. A dependência é de um ser que depende, e a ação não pode existir sozinha. A ação é um fazer-se, é um modo, modalidade vlal. fática ou operativa do termo produzido.
    Essa doutrina de Suarez é oonfirmada pelas atuaIs concepções da teoria corpuscuIar e da teoria cinética, bem como da teoria ondulatória.
    A dependência não é nada de per si, mas é apenas o ato de depender; portanto, é uma modal, e, conseqüentemente, a dependência do efeito é uma determinação formal última do efeito, que depende de sua causa.
    Assim também a figura, eomo determinação qualitativa da quantidade, é inseparável desta, porque é, enquanto configura, e não existe isolada da realidade configurada, o que lhe dá o carácter modal.
    Há outras modificações da realidade como a ubiquação, que afirma a presencialidade de uma realidade num lugar, e a de atividade etc., que não subsistem por si mesmas.
    Se as coisas nos revelam modalidades reais é preciso que algo as produza, isto é, implicam uma verdadeira eficiência, implicam algo verdadeiramente real que as atualize, já que os modos não são seres de per si. As modais não são determinantes, mas determinações do ato de determinar, e não podem ser explicadas como puros nadas, pois o modo é enquanto outro ser se modificou, porque é precisamente a sua modificação.
    O modo é determinação atual e última, e como tal não necessita de uma ulterior forma determinante, nem pode recebe-la e o modo é, enquanto determina, por isso não permite uma ulterior determinação.
    Suarez chama os modos de formas, pois toma este último termo no sentido de certa determinação modificativa ou perfetiva, O modo é uma espécie de forma, mas uma espécie de forma atual (porque é determinação), pois está. em exercício; do contrário, desapareceria.
    Dessa maneira, a essência da forma modal está em sua causalidade atual, característica tão bem salientada por Alcorta, e essa essência é a sua entidade. Consequentemente, a entidade do modo é a própria determinação formal do modo. O modo de união é a união atual.
    O modo, como forma, e portanto como ser, é a causalidade formal e atual da mesma. A figura, na quantidade, é o contôrno figurativo da quantidade. A consistência ontológica da figura está na sua própria causalidade atual-formal-configurativa. Portanto, nela não há qualquer indiferença. Se não determina, não é.
    Como os modos são inseparáveis da entidade, que é modificada, não constituem uma categoria nova fora da de substância e de acidente, que a esses dois se reduzem para Suarez. Deles não se pode dizer com propriedade que são entes (no sentido de Suarez), mas apenas modos de entes. Eles se identificam, categorialmente, às coisas de que são modos.
    Sua entidade lhes é proporcionada, pois a existência do modo é uma existência modal, o que lhe dá uma essência e uma existência distintas da entidade em que se hão. Por isso sua identificação não é absoluta, proclama Suarez, o que permite a distinção modal, que a coloca intermediariamente entre a distinção real e a de razão.

    Não sendo, portanto, um nada, o modo é uma entitas, mas tênue, desde que aceitemos o sentido escotista de ente ou o genuinamente suarezista; ou seja: ente é tudo quanto se distingue do nada, tudo o que aponta alguma positividade até de grau intensistamente baixo.
    Se se compreender que ente é tudo quanto existe ou pode existir fora de suas causas, que pode existir separado, de per se, nesse caso faltaria entltas ao modo. Mas, desde que compreendamos o modo, com algo que é posItivo, e empiricamente observável, sendo ser, tem entitas, porque ser é ter ser; e é ser ser.
    Quando afirmamos a um ente o atributo ser, não o delimitamos. Mas o delimitamos sempre quando lhe atribuimos ônticamente qualquer outro atributo.
    O que é ônticamente afirmado, é, ao mesmo tempo, afirmado como limite, como tendo fronteira.
    Só a afirmação metafisica de ser dá perfil ao ente, enquanto a afirmação ôntica de ser (já temos o ente) implica sua negaçãa e o que o ultrapassa, porque já afirma o limite, e também o que fica além dêsse limite, o outro.
    O modo, como entitas, não tem ensidade, mas tem insistência (sistência em) a sua sistência, o seu sistere é em (in) outro (in alius, inaliedade). Não é um ser determinado, mas uma determinação, cuja entidade está na de terminação formal actual, como vimos. É êle que dá fronteiras aos entes e afirma correlativamente o que lhe é extrinseco e necessário, não para a sua essência, que é intrínseca, mas para a sua existência. Pois todo modo de ser implica um outro, ponto não devidamente salientado pelos modalistas, pois aquele implica, necessàriamente, as fronteiras, porque o que determina, delimita; e o limite é sempre um conceito dialético, pois, como Hegel nosl mostrava, é limite de... e limite do outro, que não é ele.
    O que determina e delimita êste ser é, por sua vez, o limite de tudo quanto não é êle. Desta forma, a entidade modal não é apenas insistente na realidade que ela modifica, mas também é um apontar do que lhe é extrinseco, e por necessidade delimitado. Ao dar-se um modo, convém ter-se precisado, em graus intensivamente maiores ou menores, as fronteiras das coisas, poll1, do contrário, como surgiria o modo como heterogeneIdade, que é, da homogeneidade do ser, e que, como heterogeneidade modaI, afirma a positividade homogênea do ser como ser, e é ao me.smo tempo a afirmação do próprio ser pela sua pujança de ser sempre ser, enquanto é tudo quanto é, está, há ou tem?
    O ser finito afirma-se pela oposição do outro, que ontologlcamente é ser e, como ser, no sentido escotista, unívoco, quando tomado formal-ontologicamente. A positividade do ser supremo, em sua pujança infinita, afirma-se ao afirmar o outro, as modais arquétipicas, no verdadeiro sentido pitagórico, cuja afirmação, por sua vez, Implica o outro, o que não é ela, e de cujo relacionamento de contrários provoca todo o surgimento da heterogeneidade dos entes, que estão, todos, univocamente, em sua última essência, em sua arquê, afirmando e ser, que é o sustentáculo final de tudo quanto é, há, está ou tem, opera ou é operado.
   A positivídade da entitas das modais permite acrescentar mais um ponto importante contra o panteísmo e o monismo absoluto porque se todas as coisas são ser porque se dão no Ser Supremo, e nele têm a sua raiz positiva, distinguem-se, porém, deste, e em sua entidade têm existência e essência separadas, o que não permite cair nas formas brutais do panteismo.
   O modo tem uma essência e uma existência proporcionada à sua entidade distinta da do sujeito ao qual modifica. Essa distinção é menor que a real (para nós real-real), mas é ex natura rei e não só conceitual (mental).
    É ser tudo quanto se dá fora do nada. O modo tem ser, portanto, entitas, sem qualquer separação fisica da entidade que êle modifica.
    São os modos determinações atuais, e implicam outras determinações atuais, que lhes servem de fronteiras, a par das determinações substanciais e essenciais, que se distinguem dos modos, que não são determinativos mas determinações. Por isso nunca o modo está em potência pois é uma determinação atual: o que o diferencia radicalmente de quaisquer outras realidades. A inerência não se dá sem a razão formal de inerlr, e sem o exercício atual da inesão, por isso a inerência é modal, como o exemplifica Suarez.
    É o modo, assim, a atual modificação da entidade modificada. Não há tautologia aqui, porque a explicação que antecede ausenta de força a tal afirmativa, já que o modo é uma maneira de haver-se da entidade em seu pleno exercicio atual.
    SURGIMENTO DOS MODOS - Não surgem por criação, mas por edução ou coedução, pelas coordenadas cooperacionais, que constituem os entes, pois há ontológica dependência do ser e do fazer-se. Sua origem é, portanto, por edução (de ducere, conduzir), variável, gradativa e vária. Essa edução é o fieri (devir) processo vial ontológico, cuja transitividade nas modais é a modificação, e que implica os termos a quo e ad quem, porque a edução tem seu têrmo no educido modificado, como o movi- mento, por exemplo, que é um fazer-se do sujeito, ontologicamente considerado (e não tomado aqui em sentido psicológico). O movimento é, assim, a própria edução, assim como a produção é a própria ação formal e última do produzido.
    São os modos maneiras reais de ser e estão no âmbito do ser.
_________________

- Link1
- Link2
- Link3