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Dicionário de Mario Ferreira dos Santos
MORAL

   (Do lat. mos, moris, costume). Como estudo sistemático dos costumes humanos, pode ser considerada como geral, como particular e até como individual. A primeira estabelece as obrigações fundadas em princípios gerais, enquanto a segunda, em normas particulares, mas fundadas, por sua vez, naqueles princípios; e a individual em normas individuais, também não alheias, mas inclusas em tais principios.
   É nesse sentido que a Moral se distingue da Etografia (que é a descrição dos costumes).
    São, portanto, dos princípios gerais que decorrem os particulares e os individuais.
    Por sua vez, a Moral pode ser teórica ou prática. A teórica é explicativa e sistemática; a prática é a aplicada às relações humanas. Pela teoria, procuramos compreender o porque dos fatos morais, enquanto pela segunda se estabelecem as normas obrigatórias que devem ser seguidas.
    A Moral, ensinada nas escolas primárias e secundárias, é meramente prática. A teórica é da competência do filósofo.
    A Moral fundamental já pertence à Ética. É o ponto de ligação, porque aquela encontra seus fundamentos nos princípios eternos que baseiam a esta e que justificam aquela. O variante jamais se afasta do invariante, do qual é símbolo. Em todos os fatos, em toda a heterogeneidade, há a presença da homogeneidade: em toda variância, há a presença da lei invariante. O variante está analogado e subordinado àquele. Por isso, o variante pode ser examinado como um símbolo daquele, pois em tudo quanto se dá, e que é heterogêneo de certo modo, há sempre a presença do que se repete indefectivelmente. O que é, analoga-se a algo e, finalmente, com algo se identifica.
    O MÉTODO NA MORAL Quanto ao método, muitos sistemas se opõem. Se a vida do espírito é inegàvelmente mais nobre que a vida do corpo, a predominância dos atos morais deve ser dirigida para aquela.
    Há, assim, portanto, uma hierarquia de valores, pois admite-se haver um mais digno valor no espiritual que no material. Realmente, o homem tem essa perfeição que a não têm os animais. Mas os limites em que ambas perfeições se atualizam no homem são campo de investigação, não só ético como moral. Até onde o sensível não ofende ao espiritual, e até onde a vida do espírito pode pôr em risco a vida sensível e animal, são problemas que se apresentam ao etólogo.
    Portanto, surge aqui uma polarização extrema do método na ética, pois de um lado temos os empiristas, que atualizam apenas a experiência nos fatos e, do outro, os racionalistas, que a fundam na razão. Para estabelecer-se a superioridade dos prazeres do espírito sobre os do corpo ó imprescindível compará-las em função do homem. Sem essa experiência, é impossível estabelecer a quem cabe a primazia. Atualizando apenas a experiência, há o perigo de se considerar o moral sob um ângulo falso, pois o prazer sensível é profundamente distinto do prazer espiritual. Ora, a razão é quem julga aqui. Portanto, ela se coloca superiormente.
    Daí os racionalistas, que representam o outro extremo, estabelecerem que as normas morais são privilégios da razão, que é quem as determina, examina e explicita. Se realmente é a razão o caminho que nos leva a melhor compreender e justificar uma norma moral, ela parte da análise do que é oferecido pela experiência. Se realmente a experiência facilita a comparação, é, no entanto, a razão que a realiza. O juízo de valor é genuinamente racional.
    Por ser a Ética uma especulação filosófica sobre as normas invariantes; e a Moral, a especulação e a sistematização das normas variantes na sua ligação com o invariante, tem ela suas relações intimas, não só com a Filosofia, mas também com a Religião.
   Para muitos, é a Religião o fundamento da Moral. Neste caso, são as normas religiosas que estabelecem as normas morais. Para outros, as normas religiosas encontram seu fundamento em normas éticas, ontológicamente consideradas.
   Por ser a Moral uma disciplina prática, estabelece ela normas a serem seguidas. Mas, como há implicância da vida intelectual, afetiva e sensível do homem, os estudos morais entrosam-se com os psicológicos evidentemente, e com os noológicos em especial.
    A ciência não procura os fins, mas estuda sistemàticamente os meios.
Ora, a Moral tende para um fim: não pode, porém, desprezar os meios adequados e justos, e é esta a razão porque há, entre ambas, pontos eminentes de contato.
   Há uma moral científica, porque a ciência, tendendo a fornecer ao homem meios mais hábeis para o seu domínio sobre a natureza, obedece a uma finalidade, o que a coloca, implicitamente, no campo da Moral sob diversos aspectos.
    O cientista, enquanto tal, permanece no campo da investigação e dos métodos da ciência. Mas como tem aquela, ademais, uma finalidade, essa já se inclui no campo ético; por isso, há uma moral da ciência e uma moral do cientista. Mas é preciso notar-se que a ciência não se inclui totalmente no campo da Moral, apenas na proporção em que se refere aos fins práticos, e nas conseqüências que podem advir da sua atuação e aplicação.
    Assim a Ciência pode cooperar com a Moral, como esta com aquela. É essa a razão que levou a muitos cientistas estabelecerem justificações de normas morais, como vemos entre os evolucionistas. Desde que a Ciência estabelece as leis que regem a evolução, ela permite a fundamentação de leis morais.
    A Sociologia é, pois, uma ciência positiva e é também uma disciplina eminentemente implícita nos fatos éticos. Tem ela um papel colaborador imenso para a Moral, como é fácil perceber.
    Através do exame das normas morais, alcançando-se as normas éticas, invariantes, os estudos, nesse setor, não podem prescindir dos métodos da Filosofia, e a Ética, como a Moral, inclui-se no campo filosófico, pois o investigar e o sistematizar, aqui, implicam as normas que aquela disciplina estabelece. As semelhanças entre a Ética e a Moral com li. Lógica, a necessidade dos estudos psicológicos, e dos valôres (a Axiologia), os fundamentos ontológicos das normas invariantes éticas entrosam-na com a Lógica, com a Psicologia, com a Noologia, com a Ontologia, com a Axiolo• gia. ,
    As discussões, que pairam em torno da independência metafísica dos fatos morais à Ontologia em geral, levam a duas posições: a dos que afirmam que a Moral se fundamenta na Metafisica e a dos que afirmam que é a Metafísica que se fundamenta na Moral. Outros afirmam a independência de tais disciplinas.
    O que não se pode negar é que o exame dos fatos morais leva-nos a estudar a Ética, as normas invariantes, e, estabelecidas estas, invade-se o campo da Metafísica, inevitàvelmente. Aqui não podem valer os argumentos da dificuldade em alcançar esta, como o pretendem alguns filósofos. A deficiência de alguns não é um argumento contra a dependência da Ética à Metafísica e, conseqüentemente, também da Moral. Se é difícil alcançá-la, não se pode concluir pela impossibilidade.
    As relações da Ética e da Moral com a Religião são evidentes, pois se esta estabelece o grau de dependência do ser finito ao Ser Infinito, da criatura ao Criador, como na concepção cristã, as normas de proceder da criatura estão, naturalmente, ligadas às normas que a Religião estabelece.
    Surge, aqui, o problema da dependência da Ética e da Moral à Religião, tema de discussões. O que é inegável é que a Religião se funda sobre juízos de valor. Numa religião revelada, como a cristã, esses fundamentos são objetos de discussão quanto à sua dependência do Criador; se é ela natural, como em outras religiões, a dependência se dá quanto à ordem suprema do ser. As distinções, que surgem aqui, são reais, mas harmonizáveis.
    O que não se pode negar é que, psicologicamente, a vida moral não é rigorosamente dependente da Religião, como é fácil observar-se, mas o exame ontológico da Ética nos mostra haver uma dependência da Moral àquela.
    O termo moral é tomado em sentido psicológico, em oposição ao fisiológico, como quando nos referimos a um sofrimento causado por um pensamento sobre algo doloroso (uma dor moral), ou é empregado para referir-se à capacidade de enfrentar as adversidades e os sofrimentos, ao dizer-se que alguém tem um moral elevado. Também se emprega esse têrmo em oposição ao que é mau, prejudicial ao homem, ao que é reconhecido como obrigatório ou ideal. Fala-se, assim, de ações morais, de intenções morais.
    Não são, entretanto, tais conceitos os que pertencem propriamente ao estudo da Ética. Esta. busca uma sistematização filosófica das normas imperativas, dai não se confundir o estudioso da Ética (o etólogo) com os moralistas, como La Bruyère, Vauvernagues, La Rochefoucauld, etc., que procuram apenas fornecer rápidas análises da alma humana.
    Emprega-se ainda o termo para referir-se às diversas concepções que constroem os homens sobre o ideal de sua vida. Fala-se, assim, em morais, que variam segundo as circunstâncias ambientais e históricas. Não se pode, porém, falar de éticas, como alguns fazem. São tais fatos que ainda contribuem para justificar a distinção que fazemos entre Ética e Moral.
   É verdade que é mais comum falar-se em Moral, que em ética, e que, muitas vezes, se tem dado preferência ao primeiro termo, sem fazer-se qualquer distinção entre ambos. Assim se tem procurado definir a Moral e a Ética com o mesmo enunciado, como os kantianos, por exemplo, que a chamam de «ciência do dever e dos deveres», ou simplesmente «ciência do dever», outros a «ciência do bem», ou, ainda, «ciência do bem e do mal». Mas se a primeira não inclui propriamente o bem, a segunda não explicita o conteúdo que se dá a tal termo, pois o bem pode ser o prazer (para o sensualista), o progresso intelectual ou afetivo para outros, etc.
    Outros propõem, para sintetizar as duas posições, a definição de “ciência do bem obrigatório, mas tal definição implica que a obrigação é o elemento essencial da moralidade, o que é discutível e discutido. Ademais é preciso esclarecer se é necessário para agir moralmente ser alguém determinado pelo sentimento do dever.
    Outrossim, é preciso distinguir a ciência descritiva dos costumes de a ciência normativa, o que justifica a distinção entre Moral e Ética.
    Essa definição, referindo-se à Moral, tem grande valor. É um sistema por que é uma construção lógica. Não é uma simples coletânea, mais ou menos organizada, dos imperativos e conselhos morais, como pode realizar a etografia, que é meramente descritiva. É "um sistema de regras de conduta, pois é uma ciência prática e normativa, que indica como viver de acordo com a sua natureza. Apesar de muitos filósofos não saberem precisar o que é a natureza humana e escamotearem o problema, contudo sabemos que ela é o composto da substância primeira (a matéria-corpo) e a substância segunda (forma-racionalidade). A Moral é o conjunto das regras que indicam ao homem como viver de acordo com a sua natureza. E esse conjunto de regras são apropriadas, ora a uma função, ora a um grupo social, ora a todos. Assim, quando se emprega o termo ética profissional, como ética do engenheiro, ética do médico, ética do soldado, propriamente quer-se referir à moral de tais profissões.
    A Ética, tendo por objeto a sistematização das normas invariantes, simbolizadas pela normas da Moral, é uma ciência não descritiva, mas ontológica. É uma disciplina regional da antologia.
    A Ética, antropologicamente, é a ciência que estuda, sistemática e ontologicarnente, as normas invariantes, que devem regular o procedimento dos seres humanos, em função de um fim superior adequado à sua natureza.
    Aqueles que se colocam na posição de negar normas invariantes, negam automàticamente à Ética qualquer fundamento, para afirmarem, quanto muito, a Moral.
    A Moral é a Ética manifestada nos atos humanos, obediente a uma finalidade, como a que acima mostramos. O fato moral é um símbolo ético.
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