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Dicionário de Filosofia de                              Mario Ferreira dos Santos
VALOR

     Em todos os atos, ante todos os fatos, o homem define, analisa, estima, aceita ou repudia o que se dá. Sobre todos os fatos, dá-lhe um epiteto, adjetiva-o, elevando-o, engrandecendo-o ou diminuindo-o, envilecendo-o.
      Esses epitetos são distintos dos adjectivos, que expressam qualidades. Esses epitetos não tiram nem põem nenhum atributo. Se dizemos que isto é útil ou inútil, belo ou feio, bom ou mau, nada acrescentamos, nem tiramos dos atributos que tem, porque isso continua sendo o que é.
      São valorizações tais atos de dar epitetos às coisas ou fatos.
      Quando dizemos que um livro é útil, benéfico, belo ou prejudicial ou feio, não estamos referindo-nos a aspectos que podemos intuir pela intuição sensível. Ao chamá-lo de belo ou de feio, nada tiramos, nem nada pomos no livro. No entanto, se o chamamos de vermelho, é que ele se nos apresenta dessa cor. Ao chamá-lo de belo ou feio, não acrescentamos nem tiramos nenhum dos atributos que ele tem. Realizamos uma valoração.
      A história humana é uma valoração da atividade do homem. Ela relata a criação, a descoberta de valorações, como também a transmutação, a oposição e a concordância das valorações.
      Toda a reação humana apreciativa ante um fato ou um acontecimento é uma valoração. A valoração é uma apreciação de valores.
      É a Axiologia a disciplina que estuda os valôres.
      Os valores são objetos específicos, e o seu estudo pertence à Ontologia.
      Mas podemos caracterizar alguns aspectos, que são suficientes para deles nos dar uma visão. Os valores não se ligam ao ser dos objetos, mas ao seu valer, à sua dignidade. Ao afirmarmos que um objeto vale ou não vale, não acrescentamos nem tiramos nenhum dos seus atributos.
      Perguntam alguns: são os valores algo em si mesmos ou valem para nós, ou estão nas coisas?
      A ciência dos valores é uma disciplina nova, que, sobretudo, depois de Nietzsche, começou a tomar corpo na Filosofia, e a ter um campo próprio de ação.
      Há uma distinção na lógica moderna quanto aos juizos:
      a)juizos de existência;
      b)juizos de valor.
      Nos primeiros, diz-se de uma coisa o que a coisa é.
      Enunciam-se propriedades, atributos, predicados dessa coisa, que permanecem no seu próprio ser. Os juízos de valor enunciam algo que não se junta nem se tira à existência, nem à essência da coisa.
      Vê-se, assim, que os valores não são coisas, nem elementos das coisas.
      Pela teoria relativista (a nominalista) é o agrado ou desagrado que nos produzam as coisas, que nos revelam os valores. Pode uma coisa nos agradar, e ser má ao mesmo tempo. Por outro lado, podemos discutir sobre os valores. Não podemos discutir, porém sobre o agrado e o desagrado, por serem subjetivos. Assim, a natureza de um quadro pode agradar ou não; mas podemos discutir sobre ela. Ora, se podemos discutir é que há alguma objetivi- dade nos valores, e não são apenas uma relação. Os inventores de valores, no sentido nietzscheano, os descobridores de valores, revelam aquees que até então ninguém havia percebido. Mas, depois dessa descoberta, outros vão senti-los. As margens do Reno, as montanhas que o cercam, não tinham antes do movimento romântico, o valor que este foi descobrir e revelar. Desde então elas começaram a ser motivo de inspiração e fonte de emoções estéticas mais amplas.
      Axiólogos modernos dizem que os “valores não são; os valores valem".
      Lotze (1817-1881) afirma que uma coisa é valer e outra é ser. Os valores não têm a categoria do ser, mas a do valer. A coisa que vale não é mais ou menos a que não vale; a coisa que vale é algo que tem valor. O ter valor é o que constitui o valor. Ter valor não é ter um ente; ou seja, uma realidade entitativa a mais.
      Vejamos um exemplo: a cor exige espaço. O que tem côr ocupa espaço. Mas podemos separar mentalmente a cor do espaço. Mas valor e a coisa, que tem valor, não podemos separar onticamente. Desta forma, vemos que o valor não é um ente, mas algo que implica a coisa e implica o sujeito. Esta é a opinião de Scheler.
      São os valores absolutos ou relativos? Valem hoje e, amanhã, não valem? Neste ponto, trava-se uma grande polêmica na Filosofia.
      Há, nos valores, um aspecto variante e um invariante. A prudência, como invariante, é uma virtude que faz evitar a tempo as inconveniências ou perigos. Mas o senhor feudal era prudente quando se armava; o burguês, hoje, é prudente quando se cerca de bons documentos, etc. Este é o aspecto variante.
      Todo valor tem um contra-valor. Bom e mau - corajoso e covarde - forte e débil - belo e feio. É a polaridade dos valores.
      Ademais os valores revelam uma hierarquia, pois uns valem mais que outros. Neste caso, o valor tem um valor.
      Um valor que tem valor pode ter mais que outro da mesma ordem
      Assim um bem pode ser mais que outro bem. Conseqüentemente, em síntese, os valores revelam:
      1) Polaridade.
      2) Hierarquia.
      3)Escalaridade.
      Há valores que estão, hieràrquicamente, num grau mais alto; e, outros, num mais baixo. Scheler apresenta a seguinte hierarquia:
      Valores religiosos: santo e profano.
      Valores éticos: justo e injusto.
      Valores estéticos: belo e horrível.
      Valores lógicos: verdade e falsidade.
      Valores vitais: forte e débil.
      Valôres úteis: adequado e inadequado - conveniente e inconveniente.
      Essa hierarquia, no entanto, não é aceita por todos. Há quem não considere os valores religiosos como os mais altos. Um artista poderia considerar os estéticos: um utilitarista, os utilitários: um lógico, os lógicos.
      E assim por diante. Friedrich Nietzsche (1844-1900), por ex., combateu a escala de valores de nossa época mercantilista, na qual predominam os valores utilitários, sem, no entanto, considerar os religiosos os mais altos, e, sim, os vitais, e os éticos. Quando se fala em transmutação dos valores é que se quer derrocar a escala predominante e instaurar uma nova.
      Todas as eras da humanidade conheceram suas escalas de valores, e ora predominam uns, ora predominam outros. Essa classificação de Scheler pode ser ampliada, como muitos têm feito. É natural que, na Axiologia, haja tanta divergência sobre a classificação dos valores.
      Muitas escalas foram propostas, e para darmos alguns exemplos, vamos citar os socialistas, que, se dividem quanto à escala dos valores. Os marxistas colocam, no ápice, os utilitários; os anarquistas, os valores éticos; os fascistas, os valores vitais, em parte, e depois, os utilitários; os socialistas cristãos, os religiosos.
      Individualmente, há também escalas de valores, porque a ordem pode ser mudada. Assim um homem, sinceramente religioso, pode dar a seguinte ordem: valores religiosos, éticos, utilitários, vitais, lógicos e estéticos, por último.
     VALOR: - na Economia Política:
      O conceito de valor é muito complexo e também muito confuso na Economia. Em geral o valor corresponde à importância econômica de um bem ou serviço.
      Um bem é uma coisa útil conforme a sua importância econômica. O valor deve ser examinado intensiva e extensivamente, qualitativa e quantitativamente, objetiva e subjetivamente. Tomado objetivamente, tem o nome de valor de troca, e este é representado pela mercadoria dada em compensação, representada pela moeda e, neste caso, fala-se em preço. Trocamos um terno por dois sacos de arroz. Dizemos, pois, que um terno é igual a dois sacos de arroz. Concluímos então, que um terno vale, como valor de troca, dois sacos de arroz. Mas, digamos que em moeda, o terno vale X. Então está visto que cada saco de arroz vale a metade de X, que é o seu preço. Dizemos, então que o preço de um saco de arroz é de X/2 (meio X).
      A escala de preços registrados sobre todos os mercados, permite-nos, da mesma forma, representar o conjunto das relações de valor existentes entre uma quantidade dada de uma mercadoria ou de um serviço e uma quantidade dada de qualquer outra mercadoria ou serviço, que se tornam objeto de uma troca.
      Subjetivamente, temos o valor de uso. A noção de valor não é necessàriamente associada à de troca. Podemos considerar, fora de toda troca, a importância econômica relativa de certos bens ou serviços, que estão à nossa disposição ou que desejamos ter à nossa disposição.
     A diferença entre o valor de uso e o valor de troca, já a encontramos em Aristóteles. Grandes polêmicas se travam na Economia sobre os verdadeiros sentidos desses dois valores, como se são contrários, se um pode reduzir-se ao outra, etc. O valor de uso é essencial à toda mercadoria, portanto a todo valor de troca, mas há bens, com valor de uso, que não são mercadorias, porque não trocam, como, por exemplo, a água dos rios. O valor de uso é condicionado pelas propriedades do bem, na sua capacidade de satisfazer as necessidades humanas.
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