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Dicionário de Filosofia de Mario Ferreira dos Santos

                             

                                Ética

   A palavra ética é derivada da grega ethos, que significa costume. Mas é com Aristóteles que passa a ser a ciência do moral. O moral, na ética, é tanto o moralmente bom, como o moralmente mau.
   Quanto à essência do moral, e segundo as suas respostas, podemos dividir a ética em ética formal e ética material. Kant é o representante da ética formal. Afirmou que não se podia definir a moral, fundando-se apenas na experiência. É necessário um juízo de validez universal para afirmarmos que isso é bom ou mau. Nem o bom, nem o mau têm nada a ver com o agradável e o desagradável, porque o agradável pode ser moralmente mau e o desagradável moralmente bom. A experiência só pode proporcionar contingências e probabilidades. O moral, para ser independente da experiência, tem que ser dado a priori. Há de haver, portanto, uma lei moral que seja válida em qualquer circunstância. A. vida prática do homem é regulada por toda uma classe de princípios e leis, as máximas, as opiniões, etc. Essas leis são objetivamente válidas, são imperativas.
   Kant divide os imperativos em duas espécies: imperativos hipotéticos, quando são válidos em certas suposições, e imperativos categóricos, que valem sem condições.
   Como exemplo do primeiro, temos a cortesia para agradar os outros, e do segundo, o «não furtarás».
   Todas as leis morais são imperativos categóricos, os quais residem em principios aprioristicos. Portanto, a lei moral só pode dizer: “Obra de tal modo, que a máxima de tua vontade possa valer sempre em qualquer tempo como um principio universal”. Tôda a critica feita ao a priori de Kant recai predominantemente sobre a sua concepção do moral.
   A ética material pode ser considerada como ética dos bens e ética dos valores.
   A ética dos bens é aquela que torna a moral dependente dos bens reais, que são objetos de estimação do homem, ou dos bens ideais, que são objetos finais de sua estimação ou aspiração. Bom, portanto, é tudo quanto permite ou auxilia o alcance desses bens ou fins.
   Tais são o prazer, a felicidade, a utilidade, a cultura, o fortalecimento da vida, etc.
   As principais correntes da ética dos bens são: o hedonismo (de hedonai, palavra grega, que significa «eu me deleito»), que torna o moral dependente do prazer sensível. Os cirenaicos defenderam essa doutrina que, esporàdicamente, surge na obra de alguns autores materialistas.
   O eudemonismo (de eudaimonia, que significa felicidade) tem como fim a felicidade espiritual, o estado de contentamento da alma. Foi essa doutrina defendida por Sócrates.
   O utilltarismo é a doutrina que defende a moral pela utilidade ou bem-estar do individuo ou da coletividade.
   O perfeccionismo afirma que o moral está na plena realização da essência humana, na perfeita condução, segundo a natureza racional do homem. Era essa a opinião de Aristóteles.
   O naturalismo prega o pleno desenvolvimento de todas as inclinações e impulsos da natureza humana, como fato de moralidade.
   O evolucionismo afirma que o progresso da humanidade é o fim determinante da moralidade.
   A ética religiosa afirma que a moralidade está na conformidade com a vontade de Deus, e o mal é rebelar-se contra essa vontade.
   Outra divisão, que se pode fazer sobre a ética dos bens, consiste em fundá-la no destino que se dê aos bens ou fins a que se aspira: se tendem para o individuo temos o individualismo, se para a comunidade, temos o universalismo. O individualismo é egoísmo, quando o que atua quer ser útil a si mesmo; é altruísmo, quando quer favorecer a outros. Por isso, pode haver um individualismo altruísta, quando se destinam aos indivíduos da coletividade os bens ou fins desejados.
   Critica-se a ética dos bens, em todas as suas tendências, porque não explica a moral, por já a aceitar previamente como dada.
   Quanto à ética dos valores, esta está ainda em seus primórdios, apesar de já haver uma bibliografia extraordinàriamente vasta, e estudos notáveis como os de Scheler, Nicolai Hartmann, etc.
   Os defensores desta corrente afirmam que uma ação não pode ser nem boa nem má. Uma ação é um processo psíquico ou psicológico, que se dá num lugar e no tempo. A ação transcorre; é simplesmente. E nesse ser está toda a sua realidade. É apenas uma simples existência que, passada, não deixa mais rasto. É acaso verdadeiro ou falso o curso da corrente de um rio? E o vento que sopra, é verdadeiro ou falso? Estes processos simplesmente são. A própria vontade é constituída, dizem, por processos apenas, e nada mais. Não são bons nem maus, como tampouco podem ser verdadeiros ou falsos... O que há de bom ou de mau são os valores, e os valores não são, valem. E é desses valores que tais ações são dependentes para que, em sentido translatício, possam ser chamadas de boas ou más. Os valores éticos não são pensamentos, porque os pensamentos são verdadeiros ou falsos.
   A um valor positivo antepõe-se sempre um valor negativo, que lhe corresponde. Só os valores podem ser bons ou maus.
   Um pensamento não é bom nem mau. E quando se diz isso em linguagem comum, faz-se em sentido translatício, porque ser bom ou ser mau cabe só aos valores. Nisso está a forma de realidade dos mesmos.
   A ética dos valores é uma nova corrente do pensamento que ainda não deu seus melhores frutos.
   Quanto à origem da força obrigatória dos preceitos morais, podemos dividir, sob este angulo, a ética, em ética heterônoma e ética autônoma. A heterônoma afirma que o fundamento da obrigação moral vem de uma lei estranha ao individuo. Segundo ela, a vontade se submete a uma vontade superior, vinda de Deus ou do Estado, etc. A autônoma aceita leis próprias e afirma que ela deve vir do próprio cumprimento da ação moral. Esta é a defendida pela maioria dos éticos.
  Quanto a origem, pode dividir-se a ética em ética apriorística, que a afirma independentemente da experiência (a de Kant, por exemplo) e ética empírica, que afirma provir o moral da experiência. Entre os primeiros temos Sócrates, Kant, Platão, Aristóteles, Descartes, Spinoza, Leibnitz, etc. Entre os que defendem a segunda posição, temos Spencer, Darwin, Morgan, Luboock, Bastian, e muitos outros. Uma terceira escola, não examinada pelos éticos, é a da ética imanente, defendida por Proudhon, e que foi completada por Kropotkine. Para Proudhon. a ética é imanente a todo o humano, e há principias fundamentais de ordem intrínseca em todas as coisas, atos, processos do homem. Kropotkine quis fundar uma ética biológica, em base no apoio-mútuo. Os animais bissexuados necessitam apoiar-se uns nos outros. O homem não pode viver isolado, e necessita de seus semelhantes. Toda a vida em comum é uma vida de apoio-mútuo, em que uns têm de apoiar-se nos outros por uma necessidade biológica.
   Por isso, tudo quanto fortaleça esse apoio, a união entre os homens, o fortalecimento do individuo, sempre em beneficio da coletividade, é moral.
   A moral está fundada, assim, na própria biologia. O homem, com suas idéias, nada mais faz do que concretizar, no mundo do espírito, o que é ensinado pela sua natureza biológica.
   A Ética, como ciência concreta, é por nós mostrada em nosso “Sociologia Fundamental e Ética Fundamental”.
   Critica: Os homens mantêm relações entre si. E as discipli nas, que estudam essas relações, as normas que as orientam, os usos e costumes dos diversos povos (ethos, em grego, e mor, moris, em latim) são a Ética e a Moral. Muitas vezes confundidas, uma com a outra, merecem, no entanto, que as distingamos. A Moral tem um campo mais amplo, pois estuda, descritivamente, os diversos costumes estabelecidos entre os povos, através das eras, suas variações, transformações, modificações. Tomando como objeto esses costumes, que são os mores, é construída a Ética, como disciplina especifica, a qual procura o nexo que os liga, os princípios que os regem, os meios que utiliza e os fins a que se destinam. Assim a Ética é a ciência da Moral. Hegel distingue a moralidade subjetiva (Moralitat) e a moral objectiva (Sittlichkeit). Referia-se a primeira ao cumprimento do dever pela vontade, e a segunda, à fixação das normas, leis e costumes, ao espírito objetivo na forma da moralidade. A Ética é a ciência que engloba, como objeto, esses costumes, e os correlaciona com o corpo da Filosofia Geral.
   Em face das variações que se observam nos costumes, que são diferentes segundo os diferentes agrupamentos, no tempo e no espaço, e segundo até a estrutura social, é óbvio que surgisse, para os estudiosos de tema tão vasto, uma primeira pergunta: há, na moral, regras invariantes, constantes, ou apenas variáveis? Essa pergunta, se respondida positivamente, provocaria logo outra: se há regras invariantes, quem as estabeleceu, e como? Se não há, são apenas produtos de convenções humanas? E logo surgem outras perguntas, tais como: quem estabelece essas normas? São impostas ou livremente aceitas? Para que tende a Moral? Qual a sua finalidade? Que orienta, que dirige o homem na aceitação de normas que regularizam as relações humanas?
   Tais perguntas já nos mostram, suficientemente, quão grande é o campo de atividade dos estudos éticos. E cercando essas perguntas, poderia ainda surgir essa nova pergunta: que valor tem para nosso estudo o conhecimento da Ética?
   Iniciando a responde-las, começariamos pelo fim. Não há agrupamento humano que não tenha normas que regulem suas relações. Ora, se observarmos bem o homem, sabemos que ele se distingue dos animais por ter espírito, e impregnar com o seu espírito os bens que ele cria, capta ou domina. Os animais não têm moral. São amorais, porque não tomam uma atitude contra o moral, nem a favor deste. Os animais vivem, movimentam-se, convivem entre si, seguindo seus instintos, conservando suas relações. Salvo casos excepcionais de degenerescência, cumprem fielmente as condições da espécie à qual pertencem. Só o homem pode ser moral ou anti-moral. E Isso por quê? Porque o homem escolhe, pensa, julga, compara, medita, induz, deduz, frustra.
   O homem tem normas que variam através dos tempos, normas que regulam suas relações. Os que atualizam apenas essa variabilidade das normas concluem que a moral é relativa, porque a daqui não é a dali. Portanto, a moral não pode constituir-se numa ciência, mas apenas permanecer no terreno do descritivo. Mas, em face dessa situação, podemos desde logo estabelecer que a Ética pode ser visualizada de duas formas:
   Ética invariante: aceita normas constantes, independentes das condições históricas, geográficas, étnicas, etc.;
   Ética variante: aceita que os costumes variam, segundo variem as condições gerais.
   Colocando o problema da Ética neste pé, logo se torna fácil ver que as perguntas surgem exigentes. Se há um invariante, e o homem o percebeu, o notou, o visualizou, deve ter sido ele estabelecido por alguém. Tomam, aqui, alguns éticos a posição transcendentalista, os quais afirmam que uma divindade, um deus, estabeleceu as normas sob cuja obediência deveriam viver os homens, sob pena de ofenderem essa mesma divindade; portanto, pecarem. Temos aqui a posição religiosa, que aceita ter dado Deus ao homem suas leis morais, concrecionadas nos dez mandamentos, que são a síntese dos princípios éticos. Desta forma a ética não é estabelecida pelo homem, mas por Deus. Quando a moral é estabelecida por outrem, diz-se que ela é heterônoma (de heteros, outro, em grego, e nomos, norma, lei, regra).

   Assim a norma moral tem sua origem em outro que a impõe. Quando a moral é estabeleclda pelos próprios agentes que a praticam, temos a moral autônoma (de autos, si mesmo). Dessa forma, a moral seria heterônoma. Mas poderia, em casos especiais, Isto é, na formação de comunidades específicas, ser estabelecida autônomamente, mas sempre obedecendo às normas dadas heterônomamente.
   Mas outros pensam de modo diferente. Nenhuma divindade estabeleceu normas para as relações humanas. Estas nascem de convenções, de hábitos, transformados em leis morais, depois de devidamente estabelecidos, fundados e consagrados pela prática. Negam esses a origem transcendental da moral. Ela é de origem humana, cheia dos defeitos e das fraquezas naturais do homem.
   Desta forma, aquele imperativo categórico de validez universal, que buscam todos os que defendem uma posição invariante na Ética, ou em outras palavras, os que buscam um principio universalmente válido invariante, aceito por todos os povos, em todas as eras e condições, nem todos admitem que os invariantes na moral sejam todos transcendentalistas. Há uma outra posição, que é a dos imanentistas. Os imanentistas afirmam que as normas morais, as quais os homens obedecem em suas relações, têm sua origem fundamental na própria estrutura social criada.
   Já vimos que cada agrupamento social forma uma estrutura e essa estrutura é mais sólida, ou não. Forma uma tensão, que é mais coerente ou não. Essa tensão exige dos elementos que a compõem, para formar sua coerência, um respeito a certas normas ou até certas atitudes, sob pena de ser rompida. Digamos que um grupo de caçadores reúne-se para caçar. É natural, é intrínseco ao bom êxito da caçada, que cada um trabalhe em benefício do fim almejado. Se um caçador espantar a caça prejudicaria aos outros e até a si mesmo. Logo se vê que, numa caçada em conjunto, é imanente a ela a necessidade da obediência a certas regras, sob pena de não alcançar o fim desejado.
   Cada estrutura, que se forma, tem a sua moral, tem a sua norma ética, e estas serão tantas quantas as variadas composições estruturais. Vê-se, fàcilmente, que em todas as eras, independentemente das classes e das condições sociais, os homens obedecem a um número determinado de princípios, que se repetem invariàvelmente em todos os povos. Vejamos alguns: nenhuma mãe, salvo os casos teratológicos, deixa de dar assistência ao filho; e é moral fazê-lo. Em todas as coletividades, todo ato, que ponha em risco a mesma, é punido, porque é considerado imoral.
   Essas normas são invariantes. E poderíamos dizer: toda tensão formada, à proporção que for mais forte em sua estrutura, considerará como intensivamente imoral todo o ato que perturbe a sua conservação. Os elementos, que formam uma fraca estrutura, uma tensão frágil, como a de um grupo, que se reúne em torno de um “camelô”, que apregoa as vantagens das bugigangas que oferece, tensão passageira, transeunte, rápida e não perdurável, considerará imoral o ato daquele que perturbe essa tensão, e não permita que se ouçam as palavras do “camelô”. Mas como é uma tensão fraca, essa indignação ao perturbador também será fraca. Mas se for uma tensão já formada numa sala de projeção de um cinema, quem a perturbe será repelido, já com maior indignação. E se estivermos numa igreja, durante uma missa, em que se congregam pessoas que devem, pelo menos, crer piamente na sua religião e no seu culto, a indignação crescerá contra quem perturbar a tensão formada.
   É fácil dai, por graus, chegar até à indignação que provocaria quem matasse um membro de uma coletividade, e esta necessita manter suas forças para defender-se dos adversários, pois verifica-se que a tensão aumenta na proporção também da tensão contrária que a ameaça.
   Assim se vê que os defensores de uma ética imanente têm suas bases bem sólidas. Quem sobretudo estudou essa ética imanente, e a defendeu, foi Proudhon, seguido, posteriormente, por Nietszche, em certos aspectos, e por
Kropotkine. É a ética imanente o fundamento das doutrinas libertárias, que aceitam a possibilidade de uma ordem natural entre os homens, fundada nas tensões que formam, e que procuram conservar-se, porque, na realidade, toda a ética está fundada nelas e nos interesses por elas criados.
   Portanto, se a sociedade for organizada sob bases simples e naturais, formará, naturalmente, sua ética, não como uma necessidade apenas, mas porque o homem sabe descobrir o que lhe convém para ordenar as suas relações, porque sabe escolher. Por isso os homens, quando se reúnem para um fim comum, logo sabem deduzir de sua organização as regras e princípios justos (ajustados), que permitam conquistar, da melhor forma, o fim a que visam, como se vê na formação das sociedades de qualquer espécie, através dos princípios fundamentais de suas normas estatutárias.
   Nas épocas de religiosidade, a ética é quase sempre de fundo religioso; portanto, transcendente. Nesse caso, os princípios éticos são julgados como impostos pela divindade para que os homens se dirijam, e todo atentado aos mesmos é uma afronta à própria divindade.
   Essas normas não são facultativas, isto é, podem ser indiferentemente cumpridas ou não. Ao contrário, são imperativos categóricos e não podem ser desobedecidos.
   Caracteriza, assim, o ato ético, o ato frustrável pelo homem, quando implique ele o respeito ou não a valores correspondentes à conveniência da natureza de uma coisa, ao seu bem (o seu direito). O ato anti-ético é o que ofende a esse direito, ou a norma instituída, fundada na conveniência de algo ou alguém. É da essência do ato ético a frustrabilidade.
   ÉTICA (História da) - Vamos encontrar os estudos éticos desde a mais longínqua antiguidade. Entre os chineses, verificamos que o pensamento de Lao-Tse, de Confúcio e de Mêncius (Kon-Fu-Tsê, Meng-Tsê) é predominantemente ético, sobretudo o dos últimos, pois, no primeiro, no Livro do Tao, encontramos afirmações de tal ordem que revelam a precedência de uma longa especulação, esotericamente conduzida.
   Contudo, não se vê nos livros chineses uma especulação em torno de temas éticos, à semelhança do que se observa no pensamento grego e no ocidental.
   Na obra dos hindus, caldeus, egípcios, etc., também se observa a presença constante de máximas éticas. Mas a sistematização dos estudos sobre essa disciplina, cabe, propriamente, pelo menos em sentido exotérico, aos gregos.
   É com os gregos que se estruturaram• sistemas éticos, expostos filosoficamente. Entre as manifestações mais notáveis, que influem no pensamento ocidental posterior, temos a salientar o hedonismo (de hedon, prazer) exposto por Aristipo Cirenaico (435-355), para o qual o bem supremo é a voluptuosidade, e, predominantemente, a corporal.
   Há um hedonismo mitigado, o de Epicuro (epicurismo) (341-270), que afirma que também é a voluptuosidade o bem supremo. Mas, como há uma escala de valores na voluptuosidade, há também a presença dos valores intelectuais.
   Com Antístenes e Diógenes Sinopense (414-324), a virtude tende apenas para o bem; e para a conquista da felicidade, basta a virtude. Convém não esquecer que o termo cínico tomou, posteriormente, um sentido pejorativo, pela hipocrisia manifestada por alguns filósofos dessa escola, que, na verdade, não praticavam o que pregavam em palavras.
   Com os estóicos, cuja figura maior é Zeno (342-270), seguido por Cleanto e Crisipo, a virtude está na congruência entre a vida e a razão. Não é suficiente o cumprimento exterior do ato virtuoso, mas, sobretudo, a purificação da intenção. Entre os estóicos sobrelevam-se as manifestações morais, e esplendem homens virtuosos, de um valor inestimável, que dão um testemunho vigoroso do valor dessa escola.
   Conhecemos a ética pitagórica, através dos “Versos áureos”, de Lysis, atribuídos a Pitágoras. Os trabalhos especulativos dos pitagóricos da fase de Crótona permanecem esotéricos. Só os versos áureos foram dados ao conhecimento exotérico e, por essa razão, tratar dos fundamentos filosóficos da ética pitagórica exige outras providências e percorrer outras vias.
   Com Sócrates (cuja origem pitagórica é hoje indiscutível), surge uma escola, que teve um papel extraordinário no desenvolvimento dos estudos éticos. Sócrates (470-399) expõe sua doutrina, que foi continuada por Platão (427-347) e, posteriormente, por seus seguidores.
   O idealismo platônico (que na verdade é realista) estabelece que a vida ética é gradativamente mais elevada pela adequação desta às idéias (eide) superiores, analogadas à forma do Bem. A vida exige um exercício constante do homem para alcançar essa base superior, que consiste na imitação dos valores mais altos, ùnica via capaz de assegurar a felicidade.
   Aristóteles (384-322), inegavelmente o maior sistematizador da filosofia grega, deu à Ética bases muito seguras. Sua obra grandiosa e imperecível é uma eterna sugestão para os mais profundos estudos em matéria de tal magnitude. Suas teses principais afirmam que o fim do homem é a felicidade temporal da vida de conformidade com a razão, e que a virtude é o caminho dessa felicidade, e esta implica, fundamentalmente, a liberdade.
   No pensamento latino, não encontramos uma nova sistematização, mas apenas seguem seus autores as diversas linhas traçadas pelas escolas gregas. Sobressaem entre estes Cicero (104-43), que é eclético, e os grandes estóicos, como Epicteto (50-120), Marco Aurélio (121-180) e Sêneca (2-65).
   A influência cristã nos estudos éticos - Com o advento do cristianismo, podemos estabelecer dois períodos importantes dos estudos éticos. O primeiro, que é o da patrística, e segundo, o da escolástica (com suas fases: a medieval, a do renascimento e a restaurada, que é a moderna).
   Entre os padres apologetas, não há propriamente uma sistematização dos estudos éticos. Fundados nos princípios estabelecidos pelo cristianismo expõem as suas opiniões, segundo a revelação dos livros sagrados. Podemos anotar os nomes de Origenes, Cipriano, Atenágoras, Crisóstomo, Basilio, etc. .I
   Entre todos esse nomes, surge, como a maior figura desta época, Santo Agostinho (354-430), que já trata dos temas éticos com método filosófico.
   No período escolástico, na fase medieval, o predomínio das idéias éticas de Aristóteles torna-se evidente. E o período das Summas e é neste que surgem os maiores pensadores da Igreja, como São Boaventura (1221-1274), São Tomás (1225-1274), Duns Scot (1270-1308),
   Na fase renascentista, em que, seguindo os caminhos indicados pelos anteriores, processam-se agudíssimas análises, algumas caracterizando-se pelo excesso de sutileza, temos os nomes de Vitória, Soto, Bañez, Mastrius, Dupasquier, Molina, Lessius, Valência, Vasquez, Lugo, Fonseca e o grande Suarez (1548-1617). Os estudos alcançam aqui tais estágios, que a obra desses grandes autores é imortal.
   No século XIX em diante, processa-se a terceira fase, a da escolástica restaurada, na qual vão surgir as tendências neotomistas, neo-escolásticas, em que os estudos sobre a “questão social” crescem de extensão e intensidade.
   As contribuições da Filosofia moderna - Com o movimento protestante, foram agitados os problemas e os temas éticos, mas sob outras bases, distintas das empreendidas pelos filósofos escolásticos. Procuraram aqueles dar à Ética um fundamento não baseado na revelação, mas nos valores éticos, examinados e procurados de p'er si. Se os escolásticos afirman1 a temeridade de tais estudos e da postulação meramente axiológica, convém, contudo, que se tenha em mente, que tais pesquisas não põem em xeque os ideais éticos. E se alguns caíram em erro, veremos, contudo, no campo da filosofia pelo menos, que a investigação deve processar-se dentro do âmbito daquela. A revelação religiosa pertence à religião. O filósofo ético deve procurar os fundamentos ontológicos dessa disciplina, tão longe quanto lhe é possível alcançar.
   Entre os protestantes, sobressaíram, por seus trabalhos, Bodin, Grotius, Pufendorf.
   Entre os autores, independentes, podemos salientar os seguintes, anteriores a Kant: Hobbes (1588-1679), Spinoza (1632-1677), e, nos séculos XVII e XVIII, Shaftesbury (1671-1713), Reid (1710-1796), Helvetius (1715-1771) Holbach (1723-1789) Saint-Simon (1760-1825), etc.
   Com Kant (1762-1814) são procurados novos fundamentos para a Ética, baseando ele os seus postulados, propriamente na razão prática; isto é, fundando-os na consciência humana, ao mesmo tempo que afirma sua indemonstrabilidade dentro da razão pura, da razão meramente integral.
   Seguiram-se a Kant os trabalhos de. Fichte (1762-1819), Hegel (1770-1831), Schelling (1775-1854), Krause (1781-1832), Comte (1798-1857), Stuart Mill (1806-1873), Friedrich Paulsen (1846-1908), e ainda Herbart (1776- 1841), Schopenhauer (1788-1860), Spencer (1830-1903), Nietzsche (1844-1900) e, mais próximos a nós, Durkheim (18581917), Lévy-Bruhl (1857-1939).
   Com Scheler (1874-1928), Müller, Ortega y Gasset, etc., penetra-se na ética axiológica (que a estuda do ângulo dos valores).
  ÉTICA (Métodos da) - Vide Ética.
   Vários métodos têm sido propostos através dos tempos, pelos que melhor se dedicaram ao estudo dos temas éticos.
   Nos primórdios desses estudos, houve, naturalmente, tendência a confundir as normas éticas com as normas lógicas, o que não deixa de haver positividade, pois aquelas são, de certo modo, lógicas, como ainda mostraremos.
   Há os que se colocam apenas no exame empírico dos fatos éticos, considerando-os como meramente históricos, como manifestações dos costumes humanos das normas estabelecidas para as relações humanas e a melhor convivência entre os indivíduos. Inegàvelmente, tal método tem seus aspectos positivos, pois a experiência é uma grande mestra das mais espontâneas manifestações éticas.
   Há os que prescindem da experiência, da história até, como o procedem os rousseaunianos, que a fundam num direito natural puro, tomado da natureza humana abstratamente considerada. O prescindir da experiência é excluir uma positividade, como seria prescindir da lógica, mas afirmar um fundamento natural puro da ética não falece de positividade, como o fazem os rousseaunianos.
   Há os racionalistas que aceitam apenas o fundamento na razão humana. Há, também, neles, uma positividade, mas ao rejeitarem outras, cometem um erro, pois ao afirmarem que só a razão humana é capaz de alcançar as normas éticas, negam uma razão transcendental, e até uma razão sobrenatural.

   Esta é, por exemplo, a posição dos socialistas e dos totalitários, que chegam a afirmar que apenas atuam na formação das normas éticas, a razão natural ou razões históricas, de classe, de raça (racistas), de casta, de nação, de estirpe, como vemos nos estatolatras, nos adoradores do Estado político.
   Se considerarmos a moral historicamente, há certa positividade nessas posições, verdadeiras enquanto atualizam certos aspectos positivos, mas falsas ao virtualizarem outras positividades que elas inibem e ocultam.
   Para os tradicionalistas, a razão não é suficiente nem capaz para dar as normas sociais, que são transmitidas por revelação divina.
   Para os historicistas é a história que cria as normas morais, pois é ela a fonte de todos os costumes.
   Para os fideistas, a razão é impotente, e só a fé é capaz de nos indicar as normas morais.
   Para os agnósticos, nada sabemos ao certo sobre as normas éticas; ou só sabemos o que nos é dado pela experiência, como o afirmam os positivistas.
   Para os evolucionistas, tendo o homem alcançado um estado superior de inteligência e de vontade, a moral estabelece-se como um grau mais elevado dessa evolução natural do homem até alcançar a inteligência e o livre-arbítrio, a escolha livre e, desde então, é a vontade que preside ao desenvolvimento da evolução, buscando o homem alcançar o mais forte e o mais elevado, através do processo da própria inteligência e o da vontade.
   Para outros, são as leis morais apenas variantes e mutáveis, como afirmam os cépticos e os sociologistas. A norma moral é captada do exame do caso concreto sociológico, e atende apenas aos interesses mais ou menos explícitos do grupo social em que são instituídas.
   Não é difícil perceber-se que há em todas essas doutrinas aspectos positivos.
   A posição empírico-especulativa é a mais consentânea com o exame do fato ético, pois partindo da observação dos fatos, através da especulação, procura alcançar os princípios gerais que explicam aqueles fatos.
   ÉTICA E MORAL - A distinção entre Ética e Moral se impõe por diversos motivos e razões. Se os termos mos, em latim, e ethos, em grego, serviram para nomear duas disciplinas, estas se distinguem, embora a segunda se subordine ontologicamente à primeira.
   Se a filosofia clássica não distinguia propriamente a Ética da Moral, pois ambos termos eram usados sinonimicamente, é preciso considerar que, após o advento das idéias modernas, e das diversas posições tomadas ante essas disciplinas, há necessidade de distingui-las. Pois, enquanto a segunda se refere aos costumes estabelecidos entre os homens, a primeira dedica-se ao estudo das normas éticas invariantes. Para quem se coloca na posição que afirma não ter a Ética outra origem senão nos costumes humanos, para quem assume uma posição sociologista, empirista, positivista, pragmatista, etc. é válida apenas a Moral, e neste caso, a Ética é apenas aquela: a ciência dos costumes humanos, Para quem busca as raízes mais profundas dos nossos costumes, as leis invariantes que os regem, considera aqueles como símbolos das normas éticas, que são os simbolizados. Neste caso, a Ética já impõe uma via symbólica, pois é mister partir do que se dá na experiência humana para captar os logoi que analogam os costumes, Tais logoi serão as razões éticas superiores, cujas busca cabe propriamente ao etólogo.