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Criação literária

Escrever, eis a questão

Eliana de Freitas

Começamos a escrever sem qualquer compromisso, a não ser com o tédio, a vontade e o egoísmo de querer ficarmos em nossa própria companhia, colocando no papel o que vem à mente, sem se importar com a utilidade daquele ato e daquele tempo gasto. Bons tempos, sinto saudade...

Um dia, públicamos. Seja na Internet ou no mercado edtorial, chega a presença de outro em nossa obra, é, agora o que fazemos tem nome, estamos compondo uma obra, pela qual seremos conhecidos. Reconhecidos? Uma eterna dúvida.

A obra, os outros e nós, autores - escravos das palavras que querem vida -, passamos a ser elementos de uma maestrina ego-excêntrica, a inspiração.

A inspiração usa-se de nossa própria vida e todos que por ela passam, sejam de relance, de chegada, de partida, de estada, de propósito ou sem um qualquer, apropria-se dos nossos entes e momentos. Deixa-nos no cenário, mas leva nossos olhos ao perigeu e de lá se põe a focar e distocer atos e fatos.

Nítido, nebuloso, escuro, claro, que susto! Acabei de perceber. Percebi! Só eu estou vendo, ninguém mais vê. Este é o momento, agora só falo por mim.

Se é amor, me embriago, se é desejo, me deságuo, se é profano ou peço piedade ou me entrego. Apesar de que, bem ou mal se equivalem, numa boa obra não há como não coexistirem, um equilibrio indigno, me enojo, quer vomitar, mas escrevo, possuída pela moção criadora.

 

Quando ela chega, a inspiração, como máquinas de produção literária são textos e mais textos, opiniões sobre tudo e todos e então, não mais que de repente, ela some; foi embora. Buscamos, buscamos e nada, cadê? Cadê O que fazer?

Vivo, vivo, me entrego, me ponho em perigo, me persigo, me perco, peço para que me achem, devolvam-me à minha família, saberão o que fazer, mais uma vez, neste, só falo por mim.

Angústia, reza, prioridades, ações, trabalho, cansaço, responsabilidades, prazos, metas, o tempo passa, me entorpeço de sobriedade fingindo esquecer que não a achei, ninguém fala, ninguém comenta, só eu sei, eu não a achei.

Este processo é quase comum a todos os autores, assim como a dúvida: usar de técnica e escrever qualquer coisa passível de leitura ou aguardar a primazia? Oh, dúvida cruel que persegue!

Neste exato momento que estamos, eu e você que lê, acabamos de optar em falar apenas sobre o que é escrever.

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Eliana de Freitas é

escritora e recebeu seu primeiro prêmio literário das mãos de Rachel de Queiroz, em 1976. Publicou o romance erótico Oculta - Uma Sentença Masculina, em 2006, e o livro de contos Que histórias são essas? Brasil cem sentido (Ed. Limiar), em 2007. Atualmente publica seus textos no site www.elianadefreitras.recantodasletras.com.br

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