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Reflexão literária

O poeta

Luís Seguilha

O poeta transgride todos os limites ao refazer o vazio, ao imergir no insondável, ao magnetizar-se nos engolfamentos abíssicos do deserto como um instante obscuro e ardente a reactualizar as revelações pré-babélicas, a integridade alucinante do DEVIR-MUNDO, a fulguração enigmática.

Ele procura o ilimitado, alimenta-se do informulável, da composição imaginária-radical, da revelação do relâmpago da existência absoluta, do magnetismo da estranheza, da regressão incomensurável do CORPO à anterioridade da palavra, ao território da liberdade criadora que se abre ao mundo, à originalidade, à transgressão instauradora que tenta desvendar a esfinge, o segredo do universo através das viagens utópicas, das usinas do desejo, da eclosão do corpo-resistente, do corpo-emintermitência. O poeta acolhe a disseminação dos sentidos, as alucinantes sensorialidades, a fulguração alquímica da luz-sombra, do firmamento-terra, da matéria (in)orgânica-mutante do livro da NATUREZA. O poeta e o silencio anunciam as suas forças das efusões puramente iniciáticas sacralizando as atmosferas do inexplicável, do indizível, do não sentido como matérias centrais das gestações de um animal-dançante-musical. O silêncio da energia encantatória e do desassossego destrói a tentativa da definição, do "PAPEL" da poesia, da significabilidade, da tradução, da exegese, porque as suas incubações obscuras, as suas fecundações hipnóticas, as suas mutações eruptivas transformam o poema numa coexistência incontaminada, selvagem reinaugurando o simulacro-do-simulacro, estimulando os corpos mónadas-labirínticos. As circunvoluções alucinantes habitam o lugar do poeta como ritmicidades de linhas mutantes. A exteriorização dos caminhos racionalizadores-totalizadores-delimitadores é dizimada pelo desabrochamento do relâmpago da correspondência entre a linguagem, o silêncio, o desconhecido, o (in)visível, a germinalidade da raiz da vida, os perpétuos renascimentos, o abismo-do-devir, o caos antecipador da existência e da reinauguração da metamorfose. Relembrando Derrida "o texto só é texto se ele oculta ao primeiro olhar, ao primeiro encontro a lei da composição e a regra do seu jogo. Um texto permanece, aliás sempre imperceptível". Além disso, ainda há uma fortíssima incógnita sobre a inter-relação dos neurónios. O alvoroço criativo é ilimitado, possivelmente é indizível.

Contudo, poderei dizer que tento transformar a vida, o subsolo da aceitação e recusa da existência através das subducções lávicas da corporalidade, da força catalítica, incicatrizável, oscilatória e regeneradora da palavra. Tento enfrentar a tensão dos contrários, o infinito, a indeterminação, o não-sentido com a respiração do desejo, da transgressão do imaginário como fenómeno estético destruidor dos determinismos. O confronto com o nada, com a ausência, com o lugar-nenhum, com o insondável, com as infinitas possibildades eleva dentro de mim a incerteza, a incógnita, os andamentos utópicos e a reinauguração da metamorfose até ao indefinível e à impossibilidade que alimenta sempre o alvoroço, a necessidade da desordem, a violência da imersão e da emersão da construção poética. Mergulho no inexprimível, no desconhecido, na gestação obscura para procurar a minha origem, o meu silêncio sempre num processo regenerador, antropofágico, cósmico, mitológico, quântico. O poema absorve o desabrochamento, as pulsões e o espírito do poeta como uma reconstrução mútua repleta de energias e ritmos transmutadores, libertadores, cosmogónicos.

Na página em branco procuro a substância oculta do mundo, o mistério da Natureza, a intemporalidade, a contínua dança da energia e a autonomia selvática. As palavras alastram-se, diferenciam-se como "cavalos sonâmbulos" na ebulição do labirinto. O sublime da palavra explode a sua origem no impenetrável, na obscuridade, na música dançante do pensamento.

Encontro-me com o poema na eclosão do silêncio, na armadilha do caos, na libertação do enigma silencioso, na antecipação da vida, no desassossego, na perscrutação do abismo, no desejo de unificar os elementos da Natureza. O Poema tenta espiritualizar a violência como matéria em agitação estética através das suas linhas vibratórias, das suas imagens expansivas, do seu magma libertador da vida. Busco o poema na contínua dança da energia, nas multiplicidades do corpo indomável, na consciência caótica, na espiritualidade, na energia do informulado, na integridade do ser, na fertilidade ardente da mãe-terra, nas fusões do nada, nas interrogações do deserto, na violenta nidação da ausência e do exílio.

Neste regresso à ascendência nativa o poema esculpe-me, reconstrói-me entre a visão-outra, o inexplicável, a voz das vozes, a impossibilidade e a transmutação da unidade original, resistindo ao poder... sempre, criando desterritorializações. Na esfinge que me persegue procuro o lugar verdadeiro, a teia cósmica, a vida verdadeira que está ausente relembrando Rimbaud: eis o holomovimento, a natureza dinâmica onde tudo de inter-relaciona. A palavra instaura-se onde germina a nossa ignorância e avivando Kuniichi Uno "pensar é cruel sobretudo porque nunca conseguimos pensar corretamente" [...]

Fonte: http://www.triplov.com/novaserie.revista/numero_23/maria_estela_guedes/index.html

LUIS SERGUILHA

Nasceu em Vila Nova de Famalicão, Portugal. Distinguiu-se em várias áreas, tendo atuado como coordenador de uma academia de motricidade-humana, colaborador em pesquisa arqueológica da época castreja, dinamizador de bibliotecas de jardim. Poeta, crítico e ensaísta, suas obras são: O périplo do cacho (1998), O outro (1999), Lorosa´e Boca de sândalo (2001), O externo tatuado da visão  (2002), O murmúrio livre do pássaro (2003), Embarcações (2004), A singradura do capinador (2005), Hangares do vendaval (2007), As processionárias (2008), Roberto Piva e Francisco dos Santos: na sacralidade do deserto, na autofagia idiomática-pictórica, no êxtase místico e na violenta condição humana (2008), KORSO (2010), KOA'E(2011), Khamsin-Morteratsch( 2011) estes cinco últimos em edições brasileiras. Seu livro de prosa - Entre nós - é de 2000, ano em que recebeu o Prêmio de Literatura Poeta Júlio Brandão. Possui textos publicados em diversas revistas de literatura no Brasil, na Espanha e em Portugal. Alguns dos seus textos foram traduzidos para o espanhol, inglês, francês, italiano, alemão e catalão. Participou em vários encontros internacionais de arte e literatura. EXPERIMENTADOR das LEITURAS POÉTICAS-METAMÓRFICAS-LAHARS. É responsável por uma coleção de poesia contemporânea brasileira na Editora Cosmorama e Curador do Encontro Internacional de Literatura e Arte: Portuguesia

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