LITERATURA SERVE PARA QUÊ?
J.D. Brito
“De tudo o que foi dito nenhuma palavra se perdeu; o proveito veio de um modo ou de outro; deu-se a contentação, a alegria, o conhecimento, talvez sabedoria ou, no mínimo, informação”.
Tal epigrafe poderia servir como definição ideal dos proveitos extraídos da
L I T E R A T U R A
Dito assim, em letras grandes, maiúsculas, esparsadas, realçadas
Nestes tempos bicudos nunca é demais perguntar: para que serve a literatura? O historiador Tzvetan Todorov lançou recentemente um livro, cujo título e conteúdo se encaixam melhor num “manifesto”: A literatura em perigo (Difel, 2009). Uma crítica contundente ao modo como a literatura está sendo estudada nas universidades. Segundo ele, do modo como estão fazendo, a literatura encontra-se, realmente, em perigo.
Certa vez o poeta Ferreira Gullar, enfurecido, afirmou: “Nós, poetas profissionais do poema, podemos nos sentir até lisonjeados pelo fato de as pessoas nos considerarem como tais, já que não valemos nada no mercado, não servimos para coisa alguma”. Sua raiva é compreensível, mas para alguma coisa os poetas devem servir, caso contrário não seriam bafejados pela fama.
Porém, o que faz o escritor para merecer tanto prestígio? Por que o Prêmio Nobel de Literatura é o mais prestigiado dentre as premiações em outras artes e ofícios? Além do entretenimento que a literatura proporciona, em que mais ela contribui para a melhoria da qualidade de vida? Por acaso, poder-se-ia dizer que os autores da Divina comédia, Dom Quixote ou Guerra e paz contribuíram menos que Galileu, Lavoisier ou Einstein para o progresso da humanidade?
É fácil demonstrar que a literatura ajuda a construir um mundo melhor. E não se trata apenas de uma construção abstrata, fábrica de sonhos, ideais e ilusões para servir como válvula de escape aos tormentos do cotidiano, o que não invalida sua importância e cumprindo um papel fundamental na sociedade. Trata-se da construção de conceitos, costumes, valores, direitos, deveres, da feitura de uma ética em cada etapa do desenvolvimento humano, enfim.
Mario Vargas Llosa já advertiu que “não se escrevem romances para contar a vida, senão para transformá-la, acrescentando-lhe algo”. Que algo mais é esse? Outro grande escritor latino-americano, o uruguaio Mario Benedetti, explicita esse algo mais: “Quando o escritor possui fantasia suficiente para inventar uma verdade e não uma mentira, curiosamente essa verdade se casa com a realidade”. Aí está a literatura como uma das forças propulsoras de transformação social. “Quantas vezes um narrador ou poeta sentem que seu mundo inventado não é, em última instância, uma correção da realidade passada, mas uma proposta de realidade futura”, arremata o mestre.
Agora, Tzvetan Todorov, em seu “manifesto”, vem acrescentar mais outra função da literatura. Uma função de caráter, digamos psicológico: "A literatura pode muito. Ela pode nos estender a mão quando estamos profundamente deprimidos, nos tornar ainda mais próximos dos outros seres humanos que nos cercam, nos faz compreender melhor o mundo e nos ajuda a viver".
Este site - Tiro de Letra -, além das questões fundamentais (Por que e Como escrevo?) que tem levantado com centenas de respostas e bibliografia pertinente, vem estabelecendo diversos relacionamentos da literatura com outras áreas do conhecimento. Em todas estas relações é constatada e reafirmada sua importância, quando não sua primazia. O jornalismo e o cinema poderiam existir sem literatura? A música não seria um outro tipo de literatura? A História poderia ser contada sem o envolvimento da literatura? E a psicanálise poderia ser feita sem o aporte literário? Pois bem, com a literatura em perigo como nos alerta Tzvetan Todorov, não estaríamos colocando, também, tudo isso em perigo?
Esta seção do site - Tribuna - é dedicada aos textos com enfoque nas questões críticas que envolvem a literatura e seu desenvolvimento; no que está acontecendo, que afasta-a ou aproxima-a do convívio humano; no que empobrece-a ou enriquece-a. O mote inicial foi dado por Tzvetan Todorov, seguido de outros textos derivados de seu livro A literatura em perigo. São resenhas críticas publicadas por Luiz Rebinski Júnior, Jorge Fernando dos Santos e Daniel Piza como contribuição ao debate. E assim abrimos a Tribuna com um convite à todos os interessados em botar lenha nessa fogueira.
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José Domingos de Brito é
Diretor de Documentação da UBE-União Brasileira de Escritores, bibliotecário, organizador da obra Mistérios da Criação Literária e editor do site Tiro de Letra.
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