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Grandes Entrevistas

 

Garcia Lorca

Entrevista concedida ao     -     Extraído de “150 anos de entrevista” do jornal

jornal espanhol “L’Hora”,  -    “El País Semanal” e publicado  na  Folha de 1935.                                -     São  Paulo, em 01/08/1997  

                                                                       

 

García Lorca foi um dos grandes escritores da "Geração de 1927" na Espanha. Poeta e dramaturgo, conseguiu seu maior sucesso com "El romancero gitano" (1928). De ideologia esquerdista, morreu fuzilado durante a Guerra Civil Espanhola.

 

Nesta entrevista - que integra a série "150 Anos de Entrevista" do "El País Semanal" -, concedida ao jornal trotskista "L'Hora" em 1935, mostra suas opiniões mais radicais sobre o ofício de escritor. Lorca - que naquela oportunidade estava em Barcelona, em uma temporada de sucessos teatrais e literários - concedeu essa entrevista com uma clara posição esquerdista. Certamente, estas são as declarações mais radicais feitas pelo grande poeta. O entrevistador - que não se identifica - tinha algum conhecimento sobre a origem social de Lorca e o conduz ao terreno mais propício aos seus interesses. Mas não precisou forçar qualquer situação. O escritor era um homem de esquerda, embora não militasse em nenhum partido. É isso que fica patente no texto a seguir.

                    

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Um dos melhores poetas do país da poesia está hoje conosco. Federico García Lorca, filho de um camponês de Fuente Vaqueros - povoado no interior da Andaluzia - é apaixonado por essa terra, por sua luz, suas cores, suas mulheres e suas touradas.  Esse “cigano legitimo” é um jovem de verdadeiro e extraordinário prestígio entre a nova geração literária espanhola. Simples, franco, entusiasta e simpático.

 

Não é necessário passar muito tempo com ele para conseguir sua confiança. Tem uma forma de falar tão simples e agradável que as pessoas ficam interessadas e apaixonadas por tudo que ele diz. É ingênuo, sentimental, incisivo e tem reações tão espontâneas quanto as de uma criança. Sempre sorridente, é um verdadeiro otimista que consegue convencer a todos das coisas que fala.  Com toda sua simplicidade, conta as coisas mais complicadas fazendo breves comentários sobre os pontos mais importantes. Artista de grande sensibilidade, destaca, em primeiro lugar, a parte humana de todos os fatos.

 

Lorca, com sua sensibilidade de poeta, não pode ser um simples espectador do drama que vivemos. A terrível realidade, a miséria, a fome e o desespero não passam sem que ele os perceba. Conhece desde criança a existência miserável dos párias da sociedade, em contraste com o luxo exuberante em que vivem os "senhores" da sua terra. Foge da vida de homenagens vazias e formais, para se aproximar cada vez mais das massas e participar das suas alegrias ... e das suas penas.

 

Ao lado delas, o coração do poeta bate na mesma sintonia e sorri e chora quando elas o fazem. Sabe que carrega a responsabilidade de realizar uma tarefa coletiva.  Mas sente isso de uma outra forma sentimental, mas sem sentimentalismo, como uma reação pura e emocional em relação aos oprimidos.  

 

É um humanista sincero, nobre e sem ambições. Escreve poemas e tragédias para educar. Considera seu trabalho um meio de educação. E todas suas obras são simples, agradáveis e diferentes, embora tenham um profundo conteúdo. É o futuro grande poeta das classes trabalhadoras. Acho um absurdo imaginar que a arte possa estar desligada da vida social quando nada mais é do que a interpretação de um momento da vida feita por um temperamento sensível, disse Lorca.

 

- Como explica que não exista nenhuma manifestação artística importante entre a juventude italiana?

 

Tanto na Itália quanto na Alemanha existe uma tirania que impede o artista de qualquer reação normal. Além disso, não é possível fazer uma interpretação da vida social que seja contrária à forma de governo instituída.

 

- Qual é sua opinião so­bre a Rússia?

 

Considero a URSS uma obra formidável. Moscou é o pólo oposto a Nova York. Eu tenho muita vontade de conhecer a Rússia, porque o esforço do povo russo é algo fantástico. É uma obra de virilidade e de coragem, uma reação extraordinária das massas. Veja só a literatura soviética! Voltando ao que estávamos falando, podemos ver claramente que, nos casos em que a vida social não pode ser considerada como matéria-prima, o artista não produzirá nada de valor.

 

- Na sua opinião, qual é futuro do teatro?

 

Sempre fui um otimista, mas agora meu otimismo é ainda maior. O teatro puramente artístico fracassou totalmente. Isso pode ser entendido estudando a forma como o teatro se desviou do caminho seguido pelas massas. Acabou ficando sem ambiente, sem calor e isso não foi apenas uma circunstância fortuita. O que aconteceu foi que os autores foram se distanciando da vida social e, dessa forma, as peças que representavam pareciam estrangeiras e ultrapassadas. O grande público quer ir ao teatro e ver sua vida e seus problemas no palco. Imagine que grande instrumento de orientação de massas poderia ser o teatro! Se o autor consegue se adaptar ao tipo de mentalidade predominante e chega a transmitir claramente suas idéias, por meio da sua obra, o resultado é que, além do sucesso - que na minha opinião é algo subjetivo -, ele conseguirá realizar a importante tarefa de dar ao teatro sua verdadeira missão que é a de educar o povo.

 

- Por que você não faz um teatro para as massas?

 

A razão é simples: o cinema oferece grandes possibilidades de movimentar imponentes exércitos de trabalhadores. O espaço no cinema é praticamente ilimitado. O teatro, por sua vez, permite colocar apenas 16 pessoas dentro de uma cena. Uma pessoa a mais já incomoda. O teatro também tem a tarefa de representar e resolver problemas individuais, íntimos. Teatro e cinema devem se complementar, realizando, cada um deles, o trabalho mais adequado.

 

- O que acha da posição dos artistas no que se refere à questão social?

 

O artista, como observador da vida, não pode permanecer insensível à questão social. Quando visitei os Estados Unidos, cheio de ilusão diante daquele mundo novo, tão moderno e tão invejado por todos, senti uma sensação de desesperança. Nas ruas, vi uma grande quantidade de desempregados que pediam esmola nas ruas. Mesmo observando a sociedade de uma forma superficial, é possível compreender a profundidade do drama social que vivemos e perceber que nenhuma pessoa que tenha o mais mínimo sentimento de solidariedade humana pode continuar insensível a tanto sofrimento. Estou para publicar um livro que mostra tudo o que acabei de falar. Aqueles que só conhecem a minha produção literária  de anos atrás certamente não gostarão do novo livro. Talvez acreditem que se trata de uma mudança total e absoluta da minha trajetória literária. Mas, bem no fundo, eu sou o mesmo agora e quando escrevi meus primeiros versos. O que acontece é que as circunstâncias me obrigaram a adotar essa posição.

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