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Grandes entrevistas

Robert Louis Stevenson

Entrevista publicada originalmente no jornal The New York Herald, de 8 de

setembro de 1887 e repubicada no livro: ALTMAN, Fabio (org.). A arte da

 entrevista: antologia de 1823 aos nossos dias. São Paulo: Scritta, 1995. 

 

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O escritor Robert Louis Stevenson (1850-1894) nasceu em Edimburgo, na Escócia. Ainda na infância, com uma saúde frágil, vítima de constantes infecções, seus pais o tiraram do ingrato clima escocês e a família se transfe­riu para a França. Em 1876, Stevenson conheceu uma americana divorciada,  Fanny Osbourne, com quem se casaria em 1880 e que o levaria para os Estados Unidos. Stevenson iniciou sua carreira literáriaescrevendo ensaios e pequenos artigos para revistas. Começou a se tornar um nome conhecido e requisitado com uma série de aventuras populares - Treasure island (A ilha do tesouro), de 1883, e sobretudo o clássico The strange case of Dr. Jekyll and Mr Hyde (O médico e o monstro - O estranho caso do Dr.]ekyll e Mr. Hyde), de 1886. Três anos depois, atacado pela tuberculose que o perseguia desde a meninice, Stevenson se mudou para Samoa, onde viveria seus últimos dias. Ele já era um escritor célebre e de excelente vendagem quando deu essa entrevista para o The New York Herald.

 

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Stevenson e seu grupo deixaram Londres no navio a vapor ss Ludgate Hill em fins de agosto de 1887. Quando o navio se aproximou do porto de Nova Iorque estavam a bordo dois navegantes chamados senhor Hyde e doutor ]ekyll, ao mesmo tempo em que a adaptação feita para o teatro do famoso romance de Stevenson estreava em Nova Iorque. O repórter do Herald escreveu que Stevenson vestia "uma jaqueta de veludo e um chapéu de feitio peculiar" e acrescentou que "seu cabelo preto e cheio cobria-lhe os ombros, e as feições refinadas eram seme­lhantes às de um retrato de Van Dyck".

 

Em resposta à pergunta: "Qual o objetivo da sua visita aos Estados Unidos?" o senhor Stevenson respondeu: "Ela se deve unicamente ao meu péssimo estado de saúde. Eu sofro de  tuberculose, mas acho que a minha estada aqui vai contribuir muito para a recuperação da minha antiga vitalidade. Viajei no Ludgate Hill principalmente porque gosto do mar, mas também porque imaginei que a longa viagem ia me fazer bem. Só que eu certamente não esperava fazer a viagem com uma centena de cavalos. Eles foram embarcados em Havre. O agente da companhia não poderia ter sido mais impertinente conosco, mas os cavalos comportaram-se muito bem. E fico feliz em acrescentar que a tripulação do navio foi especialmente amável e que tudo tomou-se mais agradável depois que nos acostumamos aos estábulos. "

 

Onde o senhor pretende ir?

Só Deus sabe. Eu pretendo sair de Nova Iorque o mais rápido possível. Gosto imensamente desta cidade. Ela é uma mistura de Chelsea, Liverpool e Paris, mas quero  fugir para o campo.

 

Há uma grande divergência de opiniões quanto ao que tenha inspirado suas obras, especialmente O médico e monstro e Deacon Brodie

Isso nunca foi devidamente explicado. Certa vez, eu precisava muito de dinheiro e achei que tinha que tomar uma atitude. Pensei muito, tentando desesperadamente encontrar um assunto sobre o qual escrever. À noite, eu sonhei com a história. Não exatamente como ela foi escrita, já que é óbvio que sempre há incoerências nos sonhos, mas posso dizer que ela me veio quase como um presente. O mais estranho é que eu sempre sonho com histórias. Há algum tempo, eu também sonhei com a história de Olalla, incluída no meu livro "The merry man" e, no momento, tenho duas histórias ainda não escritas com as quais também sonhei. O fato é que eu estou acostumado a criá-las tanto quando estou dormindo, como quando estou acordado. Elas às vezes me vêm na forma de pesadelos tão intensos que me fazem acordar aos gritos. Mas nunca sou enganado por elas. Mesmo quando meu sono é profundo, sei que sou eu quem está criando e, quando acordo aos gritos, fico feliz porque sei que a história é boa. Então, assim que acordo, e sempre acordo quando a história é boa, começo a trabalhar.

 

Por exemplo, tudo o que eu sonhei sobre o doutor Jekyll foi que um homem estava imprensado dentro de um armário, quando engoliu uma droga e se transformou em um outro ser. Acordei e disse no mesmo instante que tinha encontrado o elo que faltava e pelo qual procurava há muito tempo. Antes de voltar a dormir, quase todos os detalhes da história estavam claros. Escrevê-la, é claro, foi bem diferente.

 

Deacon Brodie! É óbvio que eu não sonhei com aquela história, mas no quarto onde dormia quando criança em Edinburgh havia um armário - um trabalho muito bonito - feito pelas mãos do verdadeiro diácono Brodie. Quan­do eu tinha cerca de 19 anos, escrevi uma espécie de melodrama confuso, que ficou esquecido até ser descoberto pelo meu amigo W. E. Henley. Ele achou que o trabalho tinha uma certa qualidade, e começamos a trabalhar nele juntos. Após um esforço desesperado, concluímos o original de Deacon Brodie, con­forme encenado em Londres e, recentemente, creio eu, nesta cidade, com mui­to sucesso. Nós éramos ambos jovens quando realizamos esse trabalho, e creio que achávamos que a maldade era sinônimo de força. Hoje, a obra foi toda revista e, embora eu não tenha a menor idéia se ela irá agradar ao público, não creio que nem o senhor Henley nem eu tenhamos vergonha dela. Nós, agora, a consideramos um melodrama bom, honesto e razoavelmente bem escrito.

 

 

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