Volta para a capa
Grandes entrevistas

William Carlos Williams

Entrevista conduzida por Stanley Koehler, publicada na Paris Review, nº 32, 1964, e republicada no livro: Os escritores 2. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, e onde foi extraída.

***

   Rutherford, Nova Jersey: o número nove figura na varanda de uma casa no final da Ridge Road, bem na esquina da Park Avenue, com todas as suas lojas. Por cinqüenta anos, na placa voltada para a rua, constou WILLIAM C. WILLIAMS, MD.(1) Agora foi trocada por uma outra com o nome de seu filho. Uma seta indica a entrada lateral do novo consultório. Nos últimos anos, o dr. Williams sofreu uma série de derrames, que dificultaram a fala e o enfraqueceram, de forma que, freqüentemente, ele demora para abrir a porta e, recuando um ou dois passos, dá as boas-vindas, com um entusiasmo um tanto hesitante. Na ocasião da entrevista, seus movimentos eram mais vagarosos do que nunca, e seu cumprimento, para ser caloroso, exigia dele muito esforço. Calma e vagarosamente subimos as escadas; passamos por um enorme quadro da ponte Williamsburg e chegamos ao estúdio. um quarto nos fundos da casa, dando para o quintal. Uma máquina elétrica, que o dr. Williams não podia mais usar, encontrava-se sobre a escrivaninha e, embora ele mal conseguisse ler, um exemplar de The desert music and other poems, aberto em "The descent", podia ser visto na gaveta entreaberta. Em um canto do quarto, sobre um arquivo de metal, um quadro a óleo que contrastava com a simplicidade geométrica do papel de parede. Sentamos a pouca distância da escrivaninha, de frente para a janela, com o microfone entre nós, em cima de uma pilha de pequenas revistas.
    Na época dessa conversa - abril de 1962 -, William Carlos Williams estava com setenta e nove anos, e tinha quarenta livros publicados, desde Poems, 1909, uma coletânea tão rara que a própria sra. Williams teve problemas para conservar seu exemplar, passando pelas edições de poemas reunidos e dos diversos volumes de Paterson, até The desert music e Journey to love. Estes dois últimos foram escritos durante uma fase de extraordinária recuperação da criatividade, logo após o primeiro derrame sério de Williams, em 1952. Nos últimos tempos, com a impaciência habitual, ele se preocupava com a publicação de sua última coletânea, Pictures from Brueghel, marcada para junho. A campainha não tocou nenhuma vez, embora Williams só estivesse esperando um contato da New Directions (2) a primavera, no entanto, apenas começara.
    Como o dr. Williams encontrava tanta dificuldade para falar, não havia a possibilidade de que discorresse sobre assuntos previamente acertados, e a entrevista foi informal, com encontros que duravam de uma a duas horas, durante vários dias. O esforço realizado pelo poeta para encontrar e pronunciar as palavras mal pode ser descrito. Muitas das frases terminavam com um gesto da mão, quando a sra. Williams não estava presente para completá-las. Mas, qualquer que fosse o assunto, a mente do poeta sempre voltava às questões técnicas que tanto o interessaram em seus últimos anos. Uma delas era a preocupação com o "idioma", com as nuances de língua que considerava especificamente americanas, em oposição ao inglês britânico. Um tópico interessante foi o "pé variável", um recurso métrico destinado a solucionar o conflito entre forma e liberdade no verso. A pergunta sobre a obrigatoriedade ou não de se adotar um elemento fixo no pé do verso como base para o metro, Williams respondeu com uma negativa, um tanto irreverente, e não se falou mais nisso. Como conseqüência, a noção de uma misteriosa "medida" paira sobre a entrevista, como um fantasma inquieto, que promete dar conta da elegância e, ao mesmo tempo, permite a flexibilidade necessária às sutilezas do idioma. Não é de admirar, assim, que o exemplar com The descent estivesse à vista quando começamos a conversar - por mais que se critique a teoria desses versos, é difícil resistir a eles.
    No dia 4 de março de 1963, William Carlos Williams morreu em casa, enquanto dormia, vítima de uma hemorragia cerebral não de todo inesperada. Dois meses depois, Pictures from Brueghel conquistou o Prêmio Pulitzer de poesia e a sra. Williams recebeu. em nome dele; a Medalha de Ouro de Poesia do National Institute of Arts and Letters. Embora Williams não tivesse chegado a ver a entrevista. impressa, ele a aprovou, quando ela já estava em seus estágios finais. A sra. Williams declarou que o marido se divertiu muito com a participação dela na segunda parte da entrevista.

* * *

Bem, o que vamos fazer?

- Gostaria de fazer algumas perguntas sobre este novo metro, que vejo aqui ...
Se pelo menos eu pudesse falar.

- Talvez seja melhor começar por Rutherford - na sua opinião, era um bom ambiente para o senhor?
Um ambiente ... muito ruim ... para poetas. Não levávamos nada a sério ... em ... Rutherford. Não levávamos a poesia muito a sério. Lembro de minha voz em Rutherford - eu costumava ler para as senhoras.

- O senhor se refere ao Clube de Senhoras? Elas gostavam?
Muito: elas aplaudiam. Eu era um herói. (Pega um livro.) Lembro que By the road to the contagius hospital era um dos que eu lia. O hospital ficava em Clifton. Eu me preocupava em dizer o que tinha pra dizer, na cadência que me era natural. Mas não sabia o que estava fazendo. Sabia que o metro servia para mostrar alguma coisa. Mas não sabia o que era o metro. Eu me atrapalhava todo com os primeiros poemas. Este aqui, por exemplo (Queen Ann's lace). Hoje eu teria dividido os versos de um outro jeito. Teria mantido os versos finais, mas começaria de um jeito diferente.

- Quer dizer que Rutherford era um ambiente ruim para poetas?
É. Mas afora as conversas casuais sobre a cidade, não pensava em nada disso. Tinha uma paciência enorme com os artesãos.

- O senhor falava sério quando dizia que a medicina era uma interferência que lamentava?
Não lamentava de jeito nenhum. Eu só queria ir em frente.

- E a medicina não estava no caminho?
Não sei se estava ou não. Eu costumava declamar no colégio, e em Fairleigh Dickinson. Tinha uma grande empatia com o público. Eram as mesmas pessoas que eu tinha como pacientes, e eu tentava fazer com que elas se interessassem. Não estava fingindo: falava com elas como se estivessem interessadas nas mesmas coisas.

- Mas estariam mesmo? Talvez encarassem a natureza dupla do seu papel, poeta e médico, como um tipo de barreira.
Não, não. Era a linguagem em si que me intrigava. Achava que tínhamos algo em comum.

- Escreveu os contos num "nível" diferente dos poemas - como uma espécie de interlúdio para eles, poemas?
Não, como uma alternativa. Eles foram escritos na forma de uma conversa da qual eu participava. Estávamos juntos nisso.

- Então, pelo que diz, a redação dos contos foi bem casual e espontânea. O senhor chegava em casa à noite e escrevia umas doze páginas, sem revisar?
Acho que sim. Eu chegava em casa. Eu me colocava na posição de alguém que continuava uma conversa normal.

- O senhor tem insistido no fato de que não pode haver uma busca de palavras em literatura. Referia-se tanto à prosa quanto à poesia?
Acho que sim. Não escolher entre uma palavra e outra.

- Mas certamente a palavra importa muito.
Importa muito. É estranho que eu diga isso.

- Mas quando chegava em casa, e continuava a experimentar a realidade...
Realidade. Realidade. Meu vocabulário era escolhido a partir da intensidade do meu interesse. Quando falava diante de um grupo, não estava interessado em impressioná-Ios com a minha eloqüência, mas sim com a seriedade das minhas intenções em relação a eles. Tinha que fazer com que eles despertassem.

- O senhor havia dito que se sentia preso em Rutherford, que não conseguia sair, nunca tinha contato com as pessoas. Ainda sente que Rutherford não ofereceu o ambiente que conseguiu encontrar, nos anos 20, em Nova York, com o grupo da revista Others? Foi uma contribuição autêntica ao seu desenvolvimento?
Aquilo não era exatamente uma atividadé literária. Mas tratava da escrita, de forma intensa. Falávamos livremente sobre o que nos interessava, e se eu fosse meu próprio ouvinte, na época, teria tido uma pista de como frasear, de como dizer o que tinha para dizer. Sem obedecer ao sistema, só falando diretamente, sem bloqueios. Eu teria trocado, com prazer, o que tentava dizer pelo que saía da minha boca espontaneamente.

- Não era a mesma coisa?
Não era livre o bastante. O que saiu nessa escrita, por fim nesta escrita (apontando para The descent) -, era exatamente o que eu queria dizer, do jeito que eu queria dizer. Eu estava procurando nessa congérie. Queria dizer uma coisa em um determinado tom de voz, que refletisse exatamente a maneira como eu queria dizer essa coisa, para poder avaliá-la de uma forma específica.

- Isso estava de acordo com o que os outros do grupo estavam tentando fazer?
Não creio que eles soubessem o que estavam tentando fazer. Mas, na verdade, estava de acordo. Eu não podia falar como a academia. O texto tinha que ser modificado por aquilo que se falava ao meu redor. Como Marianne Moore costumava dizer, uma linguagem que cães e gatos pudessem entender. Então acho que, basicamente, ela concorda comigo. Não a linguagem falada no interior da Inglaterra, que teria alguma coisa de artificial. Nada disso, apenas a linguagem modificada pelo nosso ambiente, o ambiente americano.

- A sua própria formação é uma boa mistura de inglês e espanhol, não é? O senhor acha que o espanhol teve alguma influência em seu trabalho?
Pode ter deixado uma impressão indelével em minha mente. Com certeza, era diferente do francês. O francês é muito formal; a língua espanhola não. Eles eram homens diretos, como em EI Cid, muito mais diretos do que os franceses. O meu relacionamento com os idiomas foi curioso. Meu pai era inglês, mas espanhol era a língua falada em casa. Eu não falava, mas liam em espanhol para mim. Tios e primos por parte de mãe costumavam nos visitar e ficar por dois ou três meses.

- O senhor disse que igualava espanhol a "romântico". O senhor fugiria desta classificação?
Não, não fugiria.

- Eu quis dizer que o senhor manteve o nome "Carlos".
Eu não tinha escolha a não ser manter o "Carlos".

- Dizem que o pai de sua mãe, Solomon Hoheb, era holandês.
Possível. Os espanhóis vieram dos judeus sefardins. Se bem que a influência do inglês fosse bastante forte, por causa de meu avô.

- O senhor, então, teve mais consciência do lado espanhol do que do outro.
Sim. Eu insistia em acabar com a idéia do meu irmão de pensar nos Williams como ingleses. É só olhar para o meu nariz. Flossie diz "Adoro o seu nariz". O meu nariz que se dane. O que me interessa é a teoria que tratava do que eu estava decidido a fazer com a métrica, aquilo que passa para o papel. E que deve ser transcrita do papel para os lábios do poeta, como acontecia com uma mestra como Safo. The descent foi muito importante para mim neste sentido.

- Quer dizer que foi aí que isso finalmente aconteceu?
Sim, foi aí que aconteceu; e antes disso não. Lembro-me de escrever isso (tentando ler):
            The descent beckons
                  as the ascent beckoned.
                                       Memory is a kind...

                                        of accomplishment.
                                        A sort of renewal

                                                       even
            an initiation, since the spaces it opens are new places. (3)

Percebe a cadência desse verso? Fiquei muito entusiasmado quando escrevi isso. Eu tinha que fazer alguma coisa. Estava lá, sentado, com a máquina à minha frente. Estava tentando imitar a mim mesmo (acho que nem consigo ler isso), mas não saiu com vida.

- Para mim parece que o senhor o estava lendo agora mesmo.
Mais ou menos. Mas alguma coisa deu errado comigo. Não consigo datilografar.

- Um gravador ou um ditafone seriam muito incompatíveis com o senhor?
Não, qualquer coisa que me ajudasse um pouco, eu adotaria com prazer.

- A disposição deste poema na página sugere que o senhor estava consciente dele como algo - algo para os olhos.
Isso, isso mesmo. Eu estava consciente de estar fazendo o poema de forma equilibrada. Queria que fosse lido normalmente.

- Não só para agradar aos olhos?
O efeito total é muito importante.

- Mas o cuidado na disposição das palavras - já sentiu alguma vez que teria sido igualmente feliz como pintor?
Gostaria de ter sido um pintor, e isso me teria dado, pelo menos, uma satisfação tão grande quanto a de ser poeta.

- Mas o senhor diz que é um "homem da palavra".
É, isso vem do início do meu desenvolvimento. Bem cedo fui induzido ao hábito da leitura, que meu pai tinha - isso fez de mim um poeta, não um pintor. Minha mãe era pintora. O irmão dela, Carlos, tirou a sorte grande - o Gros Lot como era chamado - e financiou uma viagem dela a Paris, para estudar pintura. Depois o dinheiro acabou.

- E ela conheceu seu pai através de Carlos, que ele, por sua vez, conhecera em...
Puerto Plata. Meu pai era um homem de negócios, interessado na América do Sul. Mas ele sempre teve paixão pelos livros. Costumava ler poesia para mim. Shakespeare. Tinha um grupo que costumava vir à nossa casa, um clube shakespeariano. Faziam leituras dramáticas. Então eu vivia interessado em Shakespeare, e minha avó vivia interessada pelo palco - a mãe de meu pai. Emily Dickinson, era o seu nome. Não é espantoso?

- Uma coincidência e tanto. Vejo que tem uma foto da xará de sua avó na escrivaninha.
Emily era minha santa padroeira. Ela também era uma americana, tentando dividir o verso de uma maneira decente. Nós éramos, todos nós, americanos.

- Então leu bastante Emily Dickinson, em determinada época, com seu pai?
Meu pai não sabia nada sobre Emily Dickinson. Para ele só havia Shakespeare. (Toca a campainha. WCW desce a escada para atender.)

(Assim que ele volta) - O senhor disse que tinha esperanças de que pudesse ser o livro novo?
É. Estou profundamente decepcionado. Mas é sempre assim comigo - o sangue da minha vida se esvaindo gota a gota. Laughlin (4) tem sido um amigo maravilhoso, mas tudo é sempre tão desgraçadamente lento! Ainda tenho a ilusão de que serei capaz de falar novamente quando faço esse tipo de associação. É possível, porque sou uma criatura emotiva. Se ao menos pudesse falar com você, por exemplo. Eis aqui uma pessoa bem-intencionada em relação a mim -estou me referindo a você - e não consigo falar com ela. Isso me deixa furioso.

- Já é muito gentil de sua parte aturar mais uma entrevista. Nós estávamos falando de pintura, teatro e poesia. Essa foi uma progressão natural para o senhor?
Mais ou menos; brotando da frustração. Fico pensando achá que estava tentando ser articulado.

- Num determinado momento o senhor quis ser ator.
Eu não tinha nenhum talento para ser ator. Mas, por causa das leituras de meu pai, as peças de Shakespeare deixaram uma impressão bastante forte em mim. Ele não queria que isso acontecesse, necessariamente, só lia as peças ... como palavras, que saíam como fala, de forma natural.

- Como foi que esse interesse pelas palavras fez com que se interessasse por poesia ao invés de, digamos, escrever romances?
Uma coisa não tinha nada a ver com a outra.

- As palavras, na prosa, não eram suficientemente importantes?
Não. De qualquer forma, nunca me considerei um bom escritor de prosa. Mas quando falo de EmiIy Dickinson ... ela era um espírito independente. Fez o que pôde para fugir de uma interpretação rigorosa demais. E não queria ficar confinada à rima ou ao sentido. (Mesmo em Shakespeare, a fala dos atores: era chato para ele ter que rimar, Deus me livre!) E ela seguia a língua americana. Ela não sabia, mas seguia assim mesmo. Fui melhor poeta.

- Está falando da língua agora, não da forma.
É; da fala natural de Emily. Ela era uma garota rebelde, ficava irritada com as restrições. Mas ela fala a língua falada, o idioma, que seria deformado pelo inglês oxfordiano.

- Esse seu novo metro, dos últimos poemas, destina-se então a acomodar os ritmos da fala norte-americana.
Isso mesmo. É um fenômeno estranho, a minha escrita. Fico pensando no que estava procurando ...

- Estava sugerindo que Emily Dickinson tinha alguma relação com isso; e falando sobre a objeção que ela faria à rima. E que o senhor foi melhor poeta.
Ah, é (rindo). Ela era realmente muito boa pessoa. Disse que era um poeta melhor porque a língua americana me era tão próxima, e ela, Emily, não entendia o que os poetas estavam fazendo naquela época - escrever de acordo com um novo método, não o método inglês, que não fazia muito sentido para um americano. Whitman estava no caminho certo, mas quando se voltou para a entonação inglesa, e passou a seguir o método inglês de marcar o pé, não percebeu que era um método diferente, que não era satisfatório para um americano. Tudo começou com Shakespeare.

- Pelo fato de se destinar à fala?
Exato. Mas quando o verso shakespeariano foi escrito, destinava-se a ser uma coisa formal, dividido pelo método inglês, conforme o que estava escrito na página. Os americanos não deviam tolerar urna coisa dessas. Um inglês - um retórico inglês, um ator - falará como Shakespeare, mas é apenas retórica. Ele não pode ser fiel à sua própria maneira de falar. Ele tem que mudar a sua linguagem a fim de se adaptar.

- Acha que é mais fácil para os ingleses, do que para um americano, se adaptarem, na poesia, ao tipo de padrão de fala? Não acha, por exemplo, que Frost é tão fiel à linguagem americana quanto o senhor está tentando ser?
Não, não acho. Eliot, por outro lado, estava tentando encontrar um jeito de registrar a língua falada e não o encontrou. Ele queria ser regular, ser fiel à língua americana, mas não encontrou urna maneira de fazer isso. Afinal, é preciso se render ou ao inglês ou ao americano.

- Eliot foi para a Inglaterra;- o senhor ficou aqui.
Para minha tristeza.

- Para sua tristeza? O que quer dizer com isso?
(um pouco mais condescendente, talvez): É sempre melhor manter-se fiel a alguma coisa.

- É raro encontrar alguém que faça isso. Eliot afirma que não seria o mesmo se tivesse ficado. O senhor diz existir uma grande virtude no tipo de isolamento que experimenta aqui.
Uma questão-chave.

- E já chamaram o senhor de a nossa mais valiosa sensibilidade feita em casa.
"Sensibilidade feita em casa” Muito bom.

- Mas ainda sente que Rutherford não era um bom ambiente.
Era nativo, mas duvido que fosse muito satisfatório para mim, pessoalmente. Muito embora me desse a cadência que me satisfez.

- Acha que poderia ter adotado outra que fosse melhor? Acha que poderia ter sido mais feliz em Boston, Hartford, em Nova York ou em Paris?
Poderia ter adotado outra melhor, se quisesse - e queria. Mas se eu morasse lá - se a linguagem dali fosse familiar para mim, se aquele fosse o tipo de conversa, de fala que eu escutasse, com a qual tivesse crescido - eu poderia tolerar a vulgaridade, porque isso me forçaria a falar de uma maneira específica. Não com a entonação inglesa.

- Ainda acha que a influência inglesa em Eliot nos deu um atraso de vinte anos?
Com toda certeza. Ele era um conformista. Queria voltar ao pentâmetro iâmbico; e voltou mesmo, muito bem. Mas ele não admitiu isso.

- O senhor já disse algumas vezes que jamais poderia ser um falante calmo, de forma que essa unidade que usa, que não é nem um pé, nem um verso, necessariamente, e que funciona por impulsos da fala, se destina a refletir também o nervosismo próprio do seu modo de falar - no qual as coisas vêm mais ou menos ineperadas.
O bom senso faria com que eu desenvolvesse um método desse tipo.

- O senhor cria pausas, no entanto, no meio desses versos.
Com toda certeza.

- Então, qual é a integridade do verso?
Se eu fosse coerente comigo mesmo o verso seria muito mais eficaz do que é agora. Eu teria continuado muito mais próximo das divisões indicadas no verso do que continuei, na verdade. Acabo ficando por conta do acaso.

- Na poesia? O senhor admite isso na prosa, mas ...
... na poesia também. Acho que eu era muito fortuito.

- Nos últimos poemas - como em The orchestra aqui - acha que ainda tem alguma coisa a ser feita?
Não está bom. Seria clássico se tivesse a divisão de versos apropriada. "Reluctant mood, streches and yawns. (5) Que diabo é isso? Não está formulado com suficiente firmeza. Ê tudo muito complicado - mas não consigo dizer mais nada.

- Quer dizer que não consegue achar uma teoria para explicar o que o senhor faz com naturalidade.
É. Está tudo no ouvido. Eu queria ser regular. Para dar continuidade ...

- (Pegando um exemplar de Paterson V, de onde caem alguns recortes): Esses versos iniciais ... criam uma imagem na página.
É eu estava imitando o vôo de um pássaro.

- Então é dirigido ...
aos olhos. Leia.

- "In old age the mind casts off ... "
                In old age
                            the mind
                                          casts off

                                  rebelliously
                             an eagle
                 from its crag
(6)

- Alguma vez já pensou em usar alguma outra cidade como tema de um poema?
Não ousei fazer nenhuma menção em Paterson, mas pensei seriamente em Manhattan quando estava procurando uma cidade para exaltar. Achei que não era específica o bastante para mim, não era americana do jeito que eu queria. Era bastante próxima, Deus sabe quanto, e eu tinha familiaridade com ela o suficiente para realizar o que queria .. , mas Leipzig, onde morei por um ano quando jovem, também me era familiar, ou Paris. Ou até mesmo Viena ou Frascati. Mas Manhattan não dava.

- Alguém já disse, em um desses recortes, que não existe um motivo para que o poema viesse a ter um fim. A parte quatro completa o ciclo, a cinco o renova. Como é isso?
(rindo): Continue lendo. No final - a última parte, a dança ...

“We can know nothing but the dance ... "
               The dance.
                              To dance to a measure

                contrapuntally,
                                      Satyrically, the tragic foot. (7)
Isso tem que ser interpretado; mas como você vai interpretar isso?

- Não me atrevo a interpretar; mas talvez os sátiros representem o elemento de liberdade, de energia dentro da forma.
Isso. Os sátiros são tidos como ação, uma dança. Sempre penso nos índios neste trecho.

- Há alguma coisa implícita, em "contrapuntally", sobre a natureza do pé do verso?
Significa "musicalmente" - é uma imagem musical. Os índios possuíam uma batida em suas próprias músicas, que marcavam com os pés. Não chega a ser exatamente uma imagem, uma imagem poética. Ou talvez seja. A batida acompanha a imagem. Isso tudo deveria ser tão simples; mas com o meu cérebro afetado ...

- Talvez não devêssemos ficar tentando reduzir uma frase poética à prosa, quando temos aqui The desert music:
"Only the poem ... "
"The counted poem, to an exact measure." (8)

- Acha, então, que ele deveria ser ainda mais exato do que o senhor já o fez.
É, deveria ser mais exato, na concepção de Milton. Milton contava as sílabas.

- "And I could not lielp thinking of the wonders of the brain that hears that music."
É.

- "And of our skill sometimes to record it." (9) Ainda sente que tanta modéstia é adequada?
A modéstia é adequada, sim, Deus sabe o quanto - diante do universo do som.

- Pelo menos agora o senhor não está falando de pintura.
Não. Estou mais ou menos comprometido com a poesia.

Conversar com a sra. Williams - a Flossie de White mule - é como manter uma conversa com o dr. Williams: a mesma honestidade, o mesmo calor humano, misturados talvez com certa vivacidade e reserva. A sala de estar da casa reflete os interesses que eles têm em comum - os quadros, as flores, a poesia. Durant~'cinqüenta anos o correio entregou, todos os dias, cartas, livros, periódicos, que iriam se acumular pelos cantos, armários e mesas da sala - livros de autores e de editores, livros com dedicatórias a WCW, ou com títulos tirados de seus poemas. E aquela quantidade inacreditável de revistinhas anônimas, que ele sempre encorajou com contribuições: poemas, artigos, a inevitável "uma tarde com WCW". No primeiro dia de entrevista, um aparelho de som novinho, ainda na caixa, encontrava-se no meio da sala. Era um presente do segundo filho, Paul. Hoje, enquanto esperávamos pelo dr. Williams, a sra. Williams colocou uma gravação e ficamos escutando a voz do poeta por algum tempo, gravada ali mesmo, com ruídos ocasionais do trânsito ao fundo. Era uma voz envelhecida, desmodulada e didática, mas curiosamente competente na leitura dos poemas recentes. A sra. Williams falou sobre a cidade de Rutherford, e sobre o irmão do poeta, Edgar, um arquiteto com planos para melhorar a vida às margens do rio Passaic. Ela falou da casa, de como era quando eles se mudaram para lá, e das primeiras impressões sobre Bill Williams quando jovem, uma época em que ele ficava muito fora, em Nova York, na clínica ou participando de reuniões literárias.

- A senhora teve que ser convertida à poesia, naqueles primeiros anos?
(Sra. WILLIAMS) Não, eu já gostava. E claro, Bill nunca prestou muita atenção a mim. Costumava ir a nossa casa para falar com minha irmã, que era mais velha. Ela tocava piano e Bill tocava violino - não muito bem. E Edgar cantava. Naquele tempo, Bill não lia suas poesias para mim. Leu algumas para minha irmã, mas ela não as achou grande coisa. Os primeiros versos de Bill eram bem ruins.

- Me parece que o dr. Williams escreveu um soneto por dia, durante um ano, quando esteve na Pensilvânia. Edgar diz que ele chamava isso de lavagem cerebral, ou de um outro nome ainda pior.
(Sra. WILLIAMS) Conhecer Ezra Pound parece ter provocado uma mudança. No início não era realmente um relacionamento literário. Eles eram totalmente diferentes, mas acho que aquele foi o momento decisivo. Dali em diante, Bill começou seriamente a querer escrever poesia. Mas ele sabia que não poderia ganhar a vida com isso.

- Como foi que ele se tornou médico?
(Sra. WILLIAMS) Seu pai queria que ele fosse dentista. Bill estava até disposto a tentar. Mas odiava a idéia. Bill era agitado demais para ficar em pé num só lugar. Mas adorava ser médico, atender a chamados nas casas de seus pacientes, conversar com as pessoas.

- Ele não quis ser cirurgião?
(Sra. WILLIAMS) Ele não tinha dedos longos do jeito que achava que um cirurgião devia ter. Por isso nunca foi um bom violinista. Mas tanto ele quanto Edgar tinham muita habilidade com as mãos. Edgar era um mestre no desenho e Bill costumava pintar. E, lógico, ele adora jardinagem. Há dois anos revolveu o jardim inteiro para mim, quando mal podia usar o braço direito. E, com sua ajuda, as plantas cresciam de verdade.

- Havia muita vida literária em Rutherford?
(Sra. WILLIAMS) Só muito tempo depois. Não tínhamos contatos literários em Rutherford, nenhum mesmo: com exceção da srta. Owen, que lecionava na sexta série. Ela entendia o que Bill estava tentando fazer.

- Tive a impressão de que o dr. Williams achava que não havia uma resposta real à sua poesia, mesmo quando fazia leituras para grupos locais.
(Sra. WILLIAMS) Eles conseguiram entender alguma coisa, e ignoravam o resto - simplesmente não era para eles. Acho que até hoje muito poucas pessoas em Rutherford entendem alguma coisa do que Bill escreve.

- Isso é um comentário sobre a cidade ou sobre o que ele escreve?
(Sra. WILLIAMS) Acho que as duas coisas. É uma mentalidade do tipo classe média baixa, e Bill nunca atraiu o grande público. Minha mãe costumava tentar me convencer a influenciar Bill.

- A escrever de um jeito mais convencional?
(Sra. WILLIAMS) É. De algumas coisas, eu mesma não gostava, mas nunca interferi. E nunca fui censurada por não gostar. (O telefone toca.) Eu atendo, Bill. (No telefone.) É uma emergência? Não, não tem nenhum horário livre na sexta. (Voltando do telefone) Um paciente para o jovem Bill. Ele deixou a secretária eletrônica desligada. É isso.

- Imagino que, a esta altura, a senhora já esteja acostumada com este tipo de coisa.
(Sra. WILLIAMS) (resmungando) É, a esta altura, acho que sim.

- O dr. Williams não está escrevendo mais agora?
(Sra. WILLIAMS) Não, parou há um ano. Não consegue mais encontrar as palavras.

- Ele escrevia muito na época em que vocês ficaram noivos?
(Sra. WILLIAMS) Não; de vez em quando ele me enviava um poema. Mas estava muito ocupado com a prática médica. Depois que nos casamos, passou a escrever mais. Eu consegui que ele tivesse mais tempo e recebia bem as pessoas que vinham aqui - porque eu também gostava delas. Eram muito mais interessantes do que a maioria do pessoal da cidade. Todo mundo que você possa imaginar costumava passar por aqui, entrando e saindo. Nós fomos os únicos a ter um endereço permanente durante um bom tempo. Durante cinqüenta anos, aqui foi o quartel-general de todos eles. Tinha o Marsden Hartley - aquele foi seu único pastel, sobre o divã, ali. Ele estava sem dinheiro, queria ir para a Alemanha, então fez um leilão de suas obras na galeria de Steiglitz. "An American Place". Bill comprou outro na mesma época, um óleo, inacabado, que está no estúdio. Maxwell Bodenheim veio uma vez, e ficou conosco por duas semanas. Ele quase nos deixou loucos (ele dizia que estava com o braço quebrado, mas Bill nunca acreditou muito nisso). Ele era bastante sujo e desagradável. Não comia cenoura, embora sempre tivéssemos cenouras em casa por causa das crianças. E gaguejava que era um horror. Um dia recebemos um telegrama dele dizendo: ENVIE 200 DÓLARES URGENTE. VOU CASAR COM UMA GAROTA MUITO BONITA. MAXWELL. Tempos depois ele foi encontrado assassinado em seu apartamento em Nova York, com a esposa, se é que era mesmo sua esposa; provavelmente não a do telegrama. E tinha Wallace Gould, que você não deve conhecer, um dos amigos de Hartley, do Maine. A mãe dele era índia. E Marianne Moore costumava aparecer por aqui, com a mãe. O texto de Bill evoluiu muito naquele período. Havia um grupo em Grantwood, perto de Fort Lee. Malcolm Cowley fazia parte dele; e também MareeI Duchamp, Man Ray, Alfred Kreymbourg. Robert Brown era o único que tinha uma casa de verdade; todos os outros moravam por aí, em chalés. Mais tarde eles costumavam se encontrar em Nova York, na casa de LaIa Ridge. Lola tinha um estúdio grande, parecia um galpão. Acho que hoje em dia seria chamada de comunista, se bem que nunca escutei qualquer coisa desse tipo. Ela era mais velha que a maioria dos jovens escritores. Lembro de John Reed, que escreveu Ten days that shook the world; e Louise Bryant - estavam todos naquele grupo. E lá estávamos nós. Havia discussões; todos levavam muito a sério o que escreviam. Costumavam ficar em pé e ler - estavam sempre lendo. Era insuportável às vezes. Mas eu não estava muito interessada no grupo e, além do mais, tinha duas crianças pequenas. Depois, nos anos 30, surgiram os Amigos de William Carlos Williams - o grupo de Ford Madox Ford. Quase no final, fizemos uma grande festa para eles, aqui. Mas foi um tanto ridículo. Bill diz que aquele foi o último suspiro que o coitado do Ford deu - sabe, ele queria ter um grupo ao seu redor. Estava morrendo em pé. E acabou morrendo mesmo, uns dois anos depois.

- Como era o relacionamento de vocês com Ezra Pound?
(Sra. WILLIAMS) Pound nunca estava por aqui. Pound veio em... acho que em 1938 para receber um título honorário em Hamilton. E passou dois dias conosco quando foi solto de St. Elizabeth em 1958, (10) antes de embarcar para a Itália. Eu não saberia o que dizer do último encontro. Estava egocêntrico, como sempre. Não dava para conversar com ele; era impossível. A única pessoa com quem ele conversava direito era Win Scott. Aconteceu que Win veio nos fazer uma visita e eles se entenderam muito bem. Ezra estava sempre procurando motivos para ralhar com Bill, mas eles foram amigos durante anos. Bill não tinha medo dele; as cartas, de ambas as partes, costumavam ser um tanto agressivas.

- (Dirigindo-se a WCW, que estava olhando para dentro da sala) Aparentemente essas cartas não representam sua opinião definitiva?
Não; a única coisa de que me lembro era a opinião do pai de Flossie..
(Sra. WILLIAMS) Mas isso não tem nada a ver com a última visita de Ezra, querido.
Foi só um comentário de passagem. (Retira-se.)
(Sra. WILLIAMS) Bill e Ezra trocaram um bom número de cartas quando a guerra começou; estavam em lados opostos. Ezra era totalmente pró-fascista, por mais que ele negue, e Bill era exatamente o oposto. Não era pró-semita, mas também não era, de forma alguma, anti-semita.

- Após a guerra, não houve uma certa inquietação na cidade em relação ao suposto comunismo do dr. Williams?
(Sra. WILLIAMS) Isso foi em 1952, quando Bill ia assumir a cadeira de poesia. O senador McCarthy estava em evidência, e todos morriam de medo dele em Washington. Havia uma mulher fazendo um lobby em prol de uma reforma na poesia, e que não via qualquer utilidade no verso livre. Ela possuía um pequeno periódico, não me lembro do nome agora, e escreveu uma carta dizendo que era um ultraje que um homem daqueles...

- Lógico, tudo isso veio em conseqüência do Prêmio Bollingen concedido a Pound. (11)
(Sra. WILLIAMS) Bill não teve nada a ver com aquilo. Mas, se ele fosse um dos membros do júri, certamente teria votado em Pound.

- Alguma vez pediram ao dr. Williams que testemunhasse contra Pound?
(Sra. WILLIAMS)Interrogaram Bill duas ou três vezes. Queriam que escutasse algumas gravações e jurasse que era a voz de Pound. Bill não podia fazer isso, mas disse que contaria com franqueza o que soubesse. E foi tudo. Toda vez que íamos a Washington, Bill visitava Pound.

- Voltando à Primeira Guerra Mundial: talvez não seja algo que a senhora gostaria de discutir, mas houve algumas reações aqui em Rutherford naquela época, não houve?
(Sra. WILLIAMS) Contra os alemães. É; aquilo envolvia Bill porque ele era casado comigo. A mãe de Bill fez da minha vida um inferno por eu ser meio alemã. Se bem que, naquela época, ela não estivesse morando conosco.

- Então, era uma coisa ou outra - Greenwich Village, comunismo e a questão dos alemães...

(Sra. WILLIAMS) Bill sempre esteve envolvido em controvérsias. Mas acho que ele passou por tudo isso com muita firmeza.
WILLIAMS (Entrando e pousando as mãos nos ombros da sra. Williams):
Você já deve estar cansada.
(Sra. WILLIAMS) Ah, Bill, tudo bem. Não se preocupe comigo. Se quiser, pode ir dar uma voltinha.

- O senhor se lembra de alguma coisa sobre uma peça que teria escrito para a PTA (12) anos atrás? Era sobre um assunto de interesse local, como a contratação de uma ama para a escola, ao qual o senhor deu um tratamento liberal.
Não consigo me lembrar. Com toda certeza eu me interessava por teatro. Mas a única pessoa com quem já trabalhei foi Kitty Hoagland.
(Sra. WILLIAMS) Essa foi Many loves, muitos anos mais tarde. Kitty só apareceu nos anos 30. Mas Bill escreveu quatro ou cinco peças curtas quando estava começando. Uma sobre os holandeses dessa região; e uma pecinha muito boa chamada The apple tree que ia ser representada em Provincetown, mas Alfred Kreymbourg perdeu o texto. E uma peça puritana, Betty Putnam, que foi levada no Tennis Club. Você se lembra das velhas quadras de tênis na Montross Avenue? Havia um grupo muito ativo de jovens ligado ao clube.

- Mas imagino que a cidade em si não compreendesse muito bem tudo isso. (Dirigindo-se a WCW) Seu irmão Edgar diz que esta é uma cidade "estreita", e tudo o que o senhor fez foi a despeito dessa realidade.
É. Havia alguns aristocratas aqui em Rutherford que não tinham nada a ver com estreantes talentosos.

- Isso sem falar nas questões políticas. Edgar diz que no clube político que seu pai criou, o senhor sempre foi liberal.
É, para minha tristeza.

- Para sua tristeza?
(Sra. WILLIAMS) Ele não está falando sério! Não sei por quê ...
Não falo sério? Por Deus do céu, todos os meus amigos foram amigos extremamente desiludidos.

- Marianne Moore, que o conhece muito bem, diz que o senhor sempre foi um tanto "imprudente".
Acho que ela está certa. Eu era um unitarista.(13) E os unitaristas são liberais.

(Sra. WILLIAMS) Acho que Bill sempre esteve disposto a ser imprudente. A questão do crédito social, (14) por exemplo, com a qual Bill se envolveu nos anos 30. Queriam dar ao povo uma espécie de dividendo a fim de aumentar o poder aquisitivo. Houve grandes comícios em Nova York e na Universidade de Virgínia. Mas isso foi quase no fim de tudo. Na verdade, muitos dos envolvidos se retiraram quando viram a evolução da situação, com a guerra se aproximando e tudo o mais. Alguns deles ficaram tão nervosos com o episódio que nem sequer falavam mais com Bill. Aí é que está a diferença. Não digo que Bill fosse ingênuo; talvez fosse honestidade. Bill não é radical, comunista, ou seja lá o que for. Ele é um homem honesto. E, se ele entra nisso de corpo inteiro, sabe que o azar é dele. Sempre foi assim.

- (Dirigindo-se a WCW) Verdade?
(Concorda, rindo.)

- Se pudermos falar mais alguns minutos sobre assuntos pessoais... O senhor gostou de St. Thomas? Soube que acabou de voltar de lá.
Poderia ficar lá para sempre, com certas reservas, é claro. St. Thomas é o lugar onde meu pai cresceu. Lembro de uma fotografia da área atingida pela nevasca - oh, meu Deus; quero dizer furacão, em 1888.
(Sra. WILLIAMS) Bill, querido, desculpe interromper, mas deve ter sido na década de 1870. Seu pai ainda era criança.
(Com um suspiro): Isso, isso mesmo. (Ri) Eu me lembro de uma história sobre o furacão. Documentada na íntegra. Como primeiro a água saiu da baía, deixando-a seca, com os barcos deitados sobre os costados e depois outro tremor, e o pior terremoto que já houvera naquela área. Lembro-me claramente de algumas fotografias de meu pai, tiradas quando ele tinha uns vinte anos. Eu tinha muito interesse em conservar lembranças de meu pai.
(Sra. WILLIAMS) Foi uma viagem boa, mas Bill fica inquieto. E é muito difícil na nossa idade.
Acho que não iremos mais.

- Voltando um pouco aos problemas de 1952 - acha que estava trabalhando demais naquela época?
Eu estava interessado no processo da composição - na teoria do processo. Eu estava trabalhando um bocado nisso. Mas não consegui fazer muita coisa.
(Sra. WILLIAMS) Bill tinha um contrato com a Random House, para três livros. Não havia pressa; mas essa é a única maneira que Bill conhece para trabalhar. E ele não quer reexaminar as coisas, esse é o seu maior defeito. The build-up foi escrito nesta época. Acho que, infelizmente, Bill acabou truncando o livro. Por pura impaciência. Ele não queria que eu lesse as coisas. Gostaria de ter lido, havia tantos erros na Autobiography. Isso não tem desculpa. Então, uma noite, no inverno de 1948, Bill sentiu uma dor no peito enquanto dirigia e quase saiu da pista. Ele continuou firme até fevereiro. Eu costumava levar o carro quando Bill tinha que atender a chamadas domiciliares. Mas era muita coisa.
(WILLIAMS) Tive um ataque cardíaco. Talvez tenha sido uma coisa boa. Eu me julgava um Deus Todo-Poderoso, acho; de um modo geral. Mas superei a crise.
(Sra. WILLIAMS) Não houve nenhum problema de ordem cerebral até 1950, por aí. Bill já se afastara da medicina e estávamos indo a Washington para assumir a cadeira de poesia. Mas em 1952, quando visitávamos os Abott, em Nova York, Bill sofreu um grave derrame.
(WILLIAMS) Tentei diminuir a gravidade da coisa. Eu estava consciente, lúcido; consegui até fazer brincadeiras a respeito. Mas estava numa casa estranha e precisava ir para casa. Eu não conseguia escrever ...
(Sra. WILLIAMS) Aí, de repente, a gente quase não entendia o que ele falava.
(WILLIAMS) Aquilo foi o fim. A vida tinha acabado para mim.
(Sra. WILLIAMS) Não, não foi o fim. Havia um bocado de vida em você. Tinha toda uma peça em formação, em sua mente, enquanto você estava lá deitado - The Cure. Você concluiu tudo e ditou as notas para mim. Quando voltamos para casa, você a escreveu.

- Isso foi uma mudança na questão da abordagem.
É, eu escrevia os romances sem interrupção, no início; se bem que eu tentava concluir mentalmente as histórias, da melhor maneira possível.
(Sra. WILLIAMS) É claro que White mule era sobre um bebê, o assunto favorito de Bill. Mas a maioria dos poemas seguintes foi escrita depois do derrame. Bill costumava dizer que coisas como ortografia não importavam a mínima, e jamais corrigia o que quer que fosse. Acho que ele fez um trabalho muito melhor depois que o derrame o obrigou a diminuir o ritmo.
(WILLIAMS) (Com uma certa relutância, talvez): A prova está aí.

- Foi quando estava na casa dos Abbott que alguém leu Teócrito para o senhor?
Sim, a sra. Gratwick; eu lhe pedi. Teócrito sempre esteve muito presente em minha mente. Mas eu não era capaz de entendê-lo em grego. Estou numa posição desvantajosa, porque não domino a língua original. Por exemplo, comecei a aprender latim em Horace Mann, mas o professor foi afastado, para minha imensa tristeza. Aquilo foi o fim de tudo - para o resto da vida, aquilo foi o fim. E também sempre lamentei o fato de não saber grego. Não sei, em relação a Teócrito, se isso aconteceu primeiro, ou se foi o derrame.
(Sra. WILLIAMS) Você tinha falado em fazer uma adaptação.

- Por que Teócrito?
A natureza bucólica de sua poesia me deu uma oportunidade de expandir a mim mesmo. Era grego e me atraía muito. Era uma oportunidade maravilhosa para registrar o respeito que sinto pelos clássicos gregos.

- Houve uma mudança no verso dos anos 50. Foi essa a primeira vez que o senhor experimentou o novo metro?
The descent foi a primeira. Considero esse poema como uma experiência com o pé variável.

- O senhor "disse anteriormente que quase não percebeu a mudança, quando o escreveu.
É, não percebi. Fiquei muito entusiasmado. Não tinha consciência de estar fazendo algo fora do comum, mas notei que alguma coisa tinha acontecido em mim, e que era uma conclusão muito boa para o meu processo poético. Aconteceu algo com o meu verso que o tornava completo, que completava o ritmo ou que, pelo menos, estava me satisfazendo. Ainda era uma composição irregular; mas não demais. Mas eu também não conseguia completá-la. Eu tinha escrito o poema para reter as coisas que teriam sido a "completude" (15) do poema. Mas quanto a captar essa coisa e dar continuidade a ela, eu tinha que admitir que não sabia o que fazer. Não ousei mexer no poema para não fazer com que ficasse mais rígido; não ia querer que isso acontecesse.

- Sentiu que não havia mais nada que pudesse ser feito com ele?
Mais nada. Sentia que tudo que podia fazer com ele já tinha sido feito, mas não estava completo. Voltei a ele; mas não conseguia repetir a irregularidade daquele poema. Era tão. .. Eu me esqueci.

- O senhor sente que não é um poema perfeito?
Era extremamente regular. Havia variações de tom que teriam me levado a transformá-lo em um outro poema.

- E não acredita que, depois de The descent, alguma outra coisa vá além dele?
Não. Sempre quis fazer alguma coisa mais com ele, mas não sabia como.
(Sra. WILLIAMS) Houve um outro, escrito um bom tempo antes - foi o princípio de tudo. E tinha o Daphne and Virginia - Virginia, é claro, era a mulher de Paul, e Daphne, a de Bill. Aquele poema sempre me deixa triste. The Orchestra foi escrito em 1954 ou 1955, creio. Bill escreveu bastante depois que teve o derrame. É realmente espantoso o que ele produziu. E leu poemas, também, em St. Louis, Chicago, Savannah.
(WILLIAMS) Não podia perder o ânimo.
(Sra. WILLIAMS) Harvard, Brandeis, Brown. Fizemos duas viagens para a costa depois disso - para a UCLA, a Universidade da Califórnia, para Washington.
(WILLIAMS) Estou descendo a ladeira bem depressa.

- E Pictures Irom Brueghel?
É, estes vieram depois, bem depois. Mas são extremamente regulares.

- O senhor passou a gostar mais do mundo acadêmico depois de suas idas às universidades?
(Sra. WILLIAMS) Elas gostavam dele, pelo menos. Todas as moças das faculdades adoravam Bill.
(WILLIAMS) O ponto alto foi a apresentação em Wellesley. Foi uma apresentação de improviso muito boa; uma leitura. Eu me lembro sempre da satisfação que tinha quando agradava as senhoras - as meninas.

- Começando com o Clube de Senhoras em Rutherford.
Sempre. Sempre fui a favor das mulheres.
(Sra. WILLIAMS) Bill sempre gostou das mulheres, e sempre sentiu muito não ter uma irmã. E nunca teve uma filha. Mas as mulheres gostavam dele; sentiam que ele era acessível, que podiam conversar com ele.
(WILLIAMS) Muito acessível.

- Só mais uma ou duas perguntas. Acha que o seu treino médico -a disciplina científica - teve algum efeito na sua poesia?
O cientista é muito importante para o poeta, porque a linguagem que usa é importante para ele.

- Para o cientista?
Sim, e para o poeta também. Não quero ir muito longe. Mas aprendi a ser rigoroso quando falo.

- Mas não acadêmico. Alguém já disse que o senhor não teria usado tão bem a língua norte-americana se tivesse sido criterioso com as coisas.
É uma boa observação. Escrever na língua inglesa é um grande passatempo. A única coisa que está errada é acrescentar a especificação "inglesa". Isso é puramente acidental e não significa nada. Poderia se colocar qualquer outra língua em seu lugar. Mas as restrições aceitas nos clássicos de uma língua acabam por encerrá-la em uma armadura estreita, que se torna a sua principal marca.
(Sra. WILLIAMS) Bill sempre fez experiências. Nunca aceitou ficar fazendo a mesma coisa. E foi duramente criticado. Mas acho que alguns desses poetas mais jovens estão aproveitando alguma coisa disso. Como Charles Tomlinson e Robert Creeley - eles aprenderam muito com Bill. David Ignatow - muitos deles. Allen Ginsberg foi um bom amigo, por vários anos.
(WILLIAMS) Ando um pouco preocupado com relação à forma. A arte do poema, hoje em dia, é uma coisa instável; mas a construção do poema deveria fazer sentido, no mínimo. Você deveria saber em que terreno está pisando. Muitas perguntas ainda não foram respondidas. Nossos poetas podem estar errados; mas o que mais qualquer um de nós pode fazer com o talento, a não ser tentar desenvolver a imaginação, e, através das falhas, entender com maior clareza o que deixamos passar anteriormente?


- Na sua opinião, o que o senhor deixou de mais importante para os novos poetas?
O pé variável - a divisão do verso de acordo com um novo método que seria satisfatório a um americano. Está tudo bem se você tem a intenção de ser universal. Mas um americano é forçado a tentar dar a entonação. Isso pode ser importante ou não. Deve ter ocorrido a algum americano que a questão do verso era importante. A linguagem norte-americana tem muito a oferecer, coisas que na língua inglesa jamais se ouviu falar. Minha abordagem elíptica pode ser confusa, mas não chega a ser hostil e nem, creio eu, inteiramente vazia.
Sra. WILLIAMS: O pessoal jovem vem em peso visitar Bill. Charles Olsen esteve aqui muitas vezes. Denise Levertov foi embora na semana passada. Além de Robert Wallace, Muriel Rukeyser, Charles Bell e Tram Combs. Charles Tomlinson ficou aqui um tempo, antes de voltar para a Inglaterra.
(WILLIAMS) É. Ele está seguindo o meu filão. Tem até consciência de estar me copiando. Não creio que ele seja muito popular entre os seus contemporâneos. Mas isso dá a impressão de ser o início de alguma coisa na Inglaterra. Deixo a seu critério. Mas - você tem alguma amostra dos poemas dele aí?


- Ele parece estar dando continuidade ao novo metro. O senhor gostaria de fazer algum comentário?
OS versos não são como eu os teria feito, não estão soltos o bastante. Não têm liberdade o bastante. Ele não ignorou as regras o suficiente para túrnar o verso verdadeiramente satisfatório.

- Mas o senhor acha que ele demonstra a sua influência na Inglaterra, finalmente. Isso deve ser uma satisfação.
E é.
(Sra. WILLIAMS) Acho que Bill vai ser publicado logo na Inglaterra.

- É provável que tenham gostado da linguagem americana.

Não da minha linguagem americana.
(Sra. WILLIAMS Examinando alguns livros) Essas aqui são algumas traduções de poemas de Bill em italiano - os primeiros poemas; Paterson; The desert music.
É, eu gostei muito desses.
(Sra. WILLIAMS) E aqui estão alguns poemas escolhidos em alemão: Gedichte, 1962.
(WILLIAMS) Eu estou vivo...
(Sra. WILLIAMS) E uma seleção de poemas está saindo agora na Tchecoslováquia. E aqui há antologia de American lyrics em norueguês...
(WILLIAMS) Eu ainda estou vivo!
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(tradução de Luiza Helena Martins Correia)

Notas:
(1) Medicinae Doctor
(2) Casa editora dos livros de Williams
(3) "A' descida acena! como a subida acenava.! A memória é um tipo! de realização.! Uma espécie de renovação! até 'mesmo! . uma iniciação, pois os espaços que abre são lugares novos."
(4) John LaughIín, editor da New Directions. (N. T.)
(5) "Humor relutante", espreguiçamentos e bocejos".
(6) "Na velhice/ a mente/ atira/ com rebeldía/ uma águia/ de seu penhasco."
(7) "Sabemos nada exceto a dança ... / A dança.! Dançar conforme uma medida/ contrapontisticamente,/ Satiricamente, o trágico pé."
(8) "Apenas o poema .../ O poema medido, com uma medida exata."
(9) "E eu não podia deixar de pensar nas maravilhas do cérebro que ouve essa música." "E na nossa habilidade de, às vezes, registrá-la."
(10) Em 1945, Pound foi julgado por traição e considerado louco, permanecendo preso por catorze anos no St. Elizabeth Hospital, em Washington. (N. T.)
(11) o júri do Prêmio Bollingen (formado por Conrad Aiken, W. H. Auden, T. S.
Eliot, Robert Lowel1, Al1en Tate, Robert Penn Warren e outros) concordou em concedê-Io a Pound pela publicação de The Pisan Cantos, em 1948, o que causou certa agitação política (N. T.)
(12) Parent-Teacher Association: Associação de Pais e Mestres. (N. T.)
(13) Unitarismo: doutrina que preconiza a unidade política de um país, em oposição ao federalismo que, por sua vez, defende a auto~omia dos estados dentro de uma mesma nação. (N. T.)
(14) wcw passou a defender, em Paterson, as mesmas teorias econômicas de Ezra Pound que, em muitos de seus livros, apontava como solução para o fim da miséria e da má distribuição da produção um novo sistema bancário ("social credit"). Nesse sistema, que não mais visaria ao lucro através dos juros, o capital seria distribuído entre todos, promovendo, idealmente, o desenvolvimento econômico e social. (N. T.)
(15) Completion, no original, indica a inteireza, a totalidade, o caráter completo do poema. A palavra "completude" vem sendo usada nessa acepção já há algum tempo, embora ainda não se encontre registrada oficialmente em língua portuguesa. (N. T.)
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