Volta para a capa
Perfil literário

Esta seção, comandada pelo nosso correspondente no velho oeste paulista, Vicentônio Regis do Nascimento Silva, publicará semanalmente um breve perfil de alguns escritores destacados (e outros nem tanto) na da literatura brasileira. É sabido que a nossa mídia é seletiva, onde apenas alguns autores aparecem, muitas vezes, mais do que merecem. Assim, Tiro de Letra também adota o critério da seletividade, só que ao contrário da grande mídia, vamos dar publicidade àqueles escritores que realmente merecem e precisam ser conhecidos pelo público. Abordamos hoje mais um dos expoentes da literatura brasileira.

 

Nelson Rodrigues: gênio pornográfico?


         As personalidades controversas têm a facilidade de provocar debates acalorados e posições antagônicas em seus defensores e algozes. O Marquês de Sade figura como um dos primeiros grandes nomes que desafiaram os limites sociais ao publicar contos picantes – eróticos e pornográficos para alguns – numa época em que a (falsa) moral se apresentava item indispensável de integração aos grupos.

         Machado de Assis, Eça de Queirós, Camilo Castelo Branco e até Jorge Amado, José Lins do Rego e Érico Veríssimo sofreram constrangimentos quando do lançamento de romances em que o sexo se mostra componente vivo, pulsante e inebriante, causando efeitos práticos nos leitores. O crítico literário Antônio Candido fornece, em um livro em homenagem ao criador de “O tempo e o vento”, um artigo em que defendia o trabalho do escritor gaúcho.

        Os falsos moralismos, os defensores dos bons costumes e os puritanos parecem seguir a cíclica do eterno retorno defendida por Nietzsche quando observamos que, em tempos de guerra ou de paz, de fartura ou de miséria, de felicidade ou de constrangimento, se insurgirão contra artistas autênticos.

         Nelson Rodrigues, pernambucano que fez do Rio de Janeiro sua morada e do jornal seu lugar de representação máxima, soube se defender, atacar e impressionar interlocutores na medida em que expôs seu estilo de maneira crua, sem tergiversar e sem recorrer aos grandes efeitos metafóricos para compor suas crônicas, seus contos ou suas peças teatrais.

        A insinuação sexual, as relações eróticas, de conquistas, de repúdio, de interesses ou de simples aproximação constituem uma mera verificação ou, no máximo, uma simples denúncia das práticas dos indivíduos massacradas pelas regras de coerção. O cavalheiro interessado numa tarde de prazer fica sem desejo quando sabe que o marido da amante a aguarda no estacionamento. Questionada sobre a situação inusitada, a amante informa que o cavalheiro deve adiantar-lhe o dinheiro do programa e que o marido, por questão de segurança, sempre a espera nas proximidades de seus atendimentos. O homem chora. Seu desejo se alicerçava numa mulher correta, casada e mãe de família?

         O homossexualismo constituía um tabu nos anos em que se manteve no jornalismo escrito (vale lembrar que Nelson Rodrigues faleceu em 1980) de modo que a abordagem do tema provocava frisson entre os leitores que elaboravam imageticamente e com grande desenvoltura a cena do noivo que, às vésperas do casamento, aparece morto trajando o vestido da noiva ou na peça que serve de base para manipulação da opinião pública quando um transeunte, atendendo ao pedido de um homem caído na rua e à beira da morte, mete-lhe um beijo na boca.

         A trama protagonizada pelo pai que incentiva o filho a se interessar pela sogra instiga o leitor a se perguntar: - Esse não é um conto necessariamente imoral? Imoral para quem, responderia com uma nova pergunta. Ao fim, o pai foge com a namorada do filho que, em prantos, tenta se apossar da sogra.

         O homossexualismo, o marido cafetão ou o sogro que mantêm um caso com a nora parecem enredos voltados à provocação, mas, na prática, conforme observamos suas finalidades mais a fundo, reconhecem e pincelam situações diárias. Puritanos e falsos moralistas precisavam – precisam e precisarão sempre – de alguém para combater e justificar sua existência. A bola da vez foi Nelson Rodrigues que, ressalto novamente, sequer consegue transformar a vida em erotismo ou criar uma euforia pornográfica, porém se esforça para, em sua franqueza incompreendida, reproduzir as tensões e os malabarismos da sociedade. Nelson: gênio pornográfico?

***

Nada substitui a leitura integral de Nelson Rodrigues – que pode ser encontrado nas boas livrarias, em edições de bolso e a preços acessíveis – mas quem quiser se aprofundar sobre sua vida pode recorrer a “Anjo pornográfico” (escrito por Ruy Castro e publicado pela Companhia das Letras) e quem desejar compreendê-lo teoricamente, sugiro a leitura de “Inteligência com dor – Nelson Rodrigues Ensaísta” (publicado pela Arquipélago e gerado pelo crítico literário Luis Augusto Fischer para quem, como sugere o título, Nelson fugiria da estrutura da crônica para praticar o ensaio).
________________________________

Vicentônio Regis do Nascimento Silva é

crítico literário, contista, cronista e educador. É autor de Aprendizagens & Linhas para minha mãe (Scortecci, 2010). Assina as colunas Ficções, publicada semanalmente no Oeste Notícias (Presidente Prudente – SP), e Perfil Literário na página Tiro de Letra (WWW.tirodeletra.com.br). Recebeu, entre outros prêmios literários, os da Academia de Letras de São João da Boa Vista (São João da Boa Vista – SP), concurso literário Felippe D’Oliveira (Santa Maria – RS) e UFF de Literatura (Niterói – RJ).

www.vicentonio.blogspot.com

- Link1
- Link2
- Link3