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Antecipando a

Comemoração do

BICENTENÁRIO DA

INDEPENDÊNCIA

com a Revolução Pernambucana de 1817

                     

J.D. Brito

 

              É sabido que a “Revolução dos Padres”,  e do filho do padre,  antecipou em cinco anos a independência do Brasil. O fato e o ato estão gravados no Monumento à Independência às margens do Ipiranga.

                  Monumento à Independência  

                                                   Frontal

  

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                 Lateral esquerda                          Lateral direita

                  Inconfidência Mineira                  Revolução Pernambucana 

Ao centro temos o Monumento à Independência ladeado pela esquerda com a Inconfidência Mineira (1789) e pela direita com a Revolução Pernambucana (1817), os dois movimentos que pretendiam livrar o Brasil do jugo português. O Bicentenário que teremos em 2022 deve ser comemorado em sua amplitude, incluindo os movimentos revolucionários que a antecederam. A Inconfidência Mineira não prosperou e foi abortada logo no inicio. Teve apenas um mártir, que assumiu toda a responsabilidade pelo levante. Nosso herói Tiradentes foi trucidado em praça pública, de modo a dissuadir qualquer pretensão de independência da Coroa Portuguesa. Já a Revolução Pernambucana, que comemora seu bicentenário em 2017, prosperou (mesmo que seja por 74 dias) numa batalha ferrenha que deixou 1500 mortos e feridos e 800 degredados. Nesse curto período chegou a estabelecer o novo governo com  uma assembleia constituinte, uma bandeira, além de manter contatos para obter apoio em nível nacional e internacional.

Antes, porém, é preciso que se esclareça a alcunha de “Revolução dos Padres”, pouco conhecida hoje em dia, e revelar o fato menos conhecido ainda quando se refere ao “filho do padre”.   

A Revolução Pernambucana recebeu esse apelido por contar com diversos padres entre seus principais líderes. Não obstante ouvirmos falar apenas de Frei Caneca e Padre Roma, conta-se em mais de 70 o número de religiosos, conforme cálculos extraídos dos autos da devassa. O empenho da Igreja na revolução chegou ao ponto de os padres substituírem o vinho pela cachaça e a hóstia de trigo pela de mandioca nas missas, como forma de repudiar a orientação religiosa oficial e marcar o caráter nacionalista do movimento. Frei Caneca, erudito político e jornalista, esteve à frente dos revoltosos desde o inicio. Foi preso e enviado para Salvador, onde passou quatro anos detido. De volta à Pernambuco, em 1821, retomou suas atividades políticas e passou a conspirar novamente contra o poder imperial. A  Independência que se encaminhava no Rio de Janeiro era bem diferente daquela pretendida pelos pernambucanos. Em Recife tratava-se de uma disputa entre a colônia e a metrópole, enquanto no Rio tratava-se de uma disputa entre absolutistas e liberais em torno da autonomia nacional sem confrontar a metrópole,  conforme o historiador Evaldo Cabral de Mello. Assim foi feita a Independência, em 1822, negociada tendo a Inglaterra como mediadora de um conflito sem batalha, um tiro sequer. Não era esta a Independência desejada e o movimento emancipacionista retoma o fôlego até a proclamação da Confederação do Equador, em 1824, da qual Frei Caneca se torna seu líder e mártir. Preso em 29/11/1824, foi condenado à forca, mas devido a recusa de três carrascos na execução, foi fuzilado em 13/01/1825.

Padre Roma também foi um dos pioneiros de 1817. Aposentou a batina em 1807, após uma viagem pela Europa e tornou-se advogado e jornalista no Recife. Teólogo diplomado em Coimbra, seguiu para Roma, onde recebeu ordens sacras e aprofundou seus conhecimentos de grego e latim. Na condição de erudito e advogado, um diplomata, foi enviado clandestinamente à Bahia logo após a eclosão do movimento, em busca de apoio. Ao chegar em Salvador foi preso, condenado e fuzilado em 29/03/1817 na presença obrigatória de seu filho, o futuro General Abreu e Lima, que se encontrava preso naquela cidade.

O filho do Padre Roma, General Abreu Lima, cursou a Academia Militar do Rio de Janeiro (1812-1816), saindo como capitão da artilharia. Sua patente de general deve-se  ao fato de ter sido chefe do Estado-Maior de Bolívar por mais de 10 anos. Teve papel destacado nas campanhas de independência da Venezuela, Colômbia, Equador e Peru, entre 1818 e 1832. Na Venezuela é considerado um dos “Libertadores da América”. Seu reconhecimento como herói brasileiro ocorreu apenas na década de 1940, quando o governador de Pernambuco, Barbosa Lima Sobrinho, deu o nome de Abreu e Lima ao distrito de Maricota, tornado Município em 1982. Em 1816 foi preso sob a acusação de insubordinação e adesão a rebelião pernambucana que se iniciava. Para mantê-lo isolado do movimento, transferem-no para a Bahia, onde irá cumprir sua pena e é obrigado a presenciar o fuzilamento de seu pai no ano seguinte. Fugiu da prisão em Salvador com a ajuda da Maçonaria, em outubro de 1817, e foi para os EUA, onde se abrigavam muitos combatentes pela liberdade nas Américas. Durante um ano conviveu  com os libertários norte-americanos e exilados franceses, e entrou em contato com Simón Bolívar, com quem decidiu  se aliar na construção da “Pátria Grande”. Em princípios de 1819, com apenas 24 anos, já estava na cidade de Angostura, no meio da Selva Amazônica, o quartel-general de Bolívar, de quem se tornou fiel escudeiro até sua morte, em 1831. Expulso da Venezuela pelos anti-bolivarianos, passou um ano na Europa e retornou ao Brasil, em 1832, estabelecendo-se  no Rio de Janeiro. Na década seguinte retorna ao Recife e passa novamente a conspirar contra o governo imperial. Seu envolvimento na Revolução Praieira, em 1848, vai lhe custar dois anos de prisão em Fernando de Noronha. Anistiado, retirou-se da política, sem abrir mão de suas convicções libertárias. Em 1855 publica o primeiro livro nas Américas sobre o socialismo intitulado “O Socialismo”, sem citar Marx. O livro foi reeditado em 1979 pela Editora Paz e Terra, com prefácio de Barbosa Lima Sobrinho, onde afirmou: “No dia em que o Brasil se interessar realmente pelo seu relacionamento com as repúblicas da América Espanhola, Abreu e Lima conquistará a importância que merece, na história de seu país”. A partir daí passa escrever regularmente no “Diário de Pernambuco”, publicar livros e ensaios históricos e a polemizar com o clero conservador. Devido a tais polêmicas, quando faleceu em 8/3/1869, o bispo de Olinda Dom Francisco Cardoso impediu que ele fosse sepultado no cemitério cristão.

Em 1º de março de 1817, a conspiração começou a tomar vulto em diversos lugares da província. Neste dia o comerciante português Manuel de Carvalho Medeiros alertou o Ouvidor da Comarca do Sertão, José da Cruz Ferreira, sobre a movimentação dos revoltosos. Diante dos ânimos exaltados que tomavam as ruas e os quartéis, o governador da província, Caetano Pinto de Miranda Montenegro, solta no dia 4 uma ordem do dia para as tropas, chamando-as à obediência à monarquia e à harmonia entre brasileiros e portugueses. No dia seguinte, dirige-se à população louvando a elevação do Brasil à categoria de Reino Unido de Portugal e reiterando o fato de todos serem vassalos do mesmo soberano. Seu apelo não convenceu, e no dia 6 é ordenado o estado de alerta nos fortes e quartéis, institui-se um Conselho de Guerra e ordena-se a prisão imediata de 13 pessoas, principalmente os militares para neutralizar qualquer resistência. Os civis foram presos com facilidade, mas no caso dos militares foi diferente.

No Regimento de Artilharia, o brigadeiro português Manoel Joaquim Barbosa de Castro, ao insultar oficiais brasileiros e decretar a prisão dos militares acusados, foi imediatamente atravessado pela espada do capitão José de Barros Lima, conhecido como “Leão Coroado”. Ao saber do ocorrido, o governador enviou uma tropa comandada pelo tenente-coronel Alexandre Tomás para sufocar a rebelião. Ao entrar no quartel, dando ordens aos amotinados, foi abatido a tiros pelo capitão Pedro da Silva Pedroso.

Os militares rebeldes foram às ruas e ocuparam os bairros de Santo Antônio e do Recife, libertando os civis republicanos que estavam presos. Com medo e não confiando em suas tropas, o governador refugiou-se na Fortaleza do Brum, junto ao porto.  O marechal José Roberto Pereira da Silva, Inspetor-Geral dos Milicianos da Capitania, resiste com alguma tropa no Campo das Princesas, onde se situam o Palácio do Governo e a Casa do Erário. A resistência durou pouco, devido a falta de munição e de orientações superiores. O marechal é rendido e o comando da revolta age com diplomacia neste episódio, permitindo que ele se juntasse ao governador na Fortaleza do Brum.

A rebelião ganha adesão popular e os bairros de São José e Boa Vista são dominados pelos revoltosos. Os comerciantes portugueses fecham suas lojas e se escondem ou abandonam o Recife com suas posses. O líder máximo do movimento, Domingos José Martins, com o apoio de Antonio Carlos de Andrada e Silva e Frei Caneca, reuniu forças suficientes para dominar o Governo Provincial e proclamar a República.

Em 29 de março foi convocada uma Assembléia Constituinte com representantes de todas as comarcas. Nesta assembleia foi estabelecida a separação entre os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário; manteve-se o catolicismo como religião oficial, porém com liberdade de culto e foi proclamada a liberdade de imprensa. A escravidão, porém, foi mantida com a finalidade de manter o apoio do setor latifundiário.

O apoio das províncias vizinhas não veio como se esperava. Na Bahia, o Padre Roma foi executado logo após sua chegada; no Rio Grande do Norte, o usineiro André de Albuquerque Maranhão ocupou Natal, prendeu o governador e formou um governo provisório, mas não entusiasmou a população e foi deposto em poucos dias; para o Ceará foi enviado José Martiniano de Alencar (pai do romancista), onde obteve o apoio irrestrito de sua influente família, mas todos foram logo detidos. Vale assinalar que Bárbara de Alencar (avó do romancista), foi a primeira prisioneira política da História do Brasil. Ao sul, na comarca de Alagoas, os usineiros não aderiram ao movimento e foram recompensados com uma parte do território desmembrado de Pernambuco, criando outra Província. Na Paraíba, o apoio veio de todos as cidades mais importantes, mas não foi suficiente para enfrentar as tropas vinda da Bahia, além dos monarquistas vindos do Rio Grande do Norte. Vale lembrar que o precursor da revolução, o padre Manuel de Arruda Câmara, era paraibano.   

No plano internacional, o jornalista Hipólito José da Costa, editor do “Correio Braziliense”, em Londres, foi convidado para o cargo de Ministro Plenipotenciário da nova república, mas não aceitou. Sua condição de exilado e as boas relações da Inglaterra com Portugal certamente impediram sua adesão ao movimento.   

Os EUA - que já tinham seu primeiro Consulado no Hemisfério Sul, em Recife, desde 1815  -  viam com simpatia o surgimento de uma nova república na América do Sul, com quem poderiam manter comércio. Para lá foi enviado, em maio de 1817, Antonio Gonçalves Cruz (Cruz Cabugá) com 800 mil dólares para comprar armas, obter o apoio oficial do governo americano e recrutar alguns militares franceses exilados. Os franceses pretendiam libertar Napoleão Bonaparte da Ilha de Santa Helena e transferi-lo para o Recife, de onde almejavam retomar o Império Napoleônico. Mas quando Cabugá chegou em Filadélfia, Pernambuco já estava sitiado pelas tropas portuguesas e os quatro oficiais franceses foram presos antes mesmo de desembarcar no Porto do Recife.

A preocupação do governo imperial com o movimento se ampliando para outras províncias, fez com que Dom João VI organizasse uma forte repressão militar contra os revoltosos por mar e por terra. É preciso lembrar que a monarquia portuguesa ainda alimentava o ideal de ter um império americano não contaminado pelas ideias libertárias vigentes na Europa. Tropas enviadas da Bahia, comandadas por Luís do Rego Barreto, avançaram pelo sertão, enquanto uma poderosa força naval vinda do Rio de Janeiro bloqueou o Porto do Recife. Cerca de 8 mil homens cercaram a província e a batalha final se deu no município de Ipojuca. Em 19 de maio as tropas portuguesas entraram no Recife e encontraram a cidade abandonada e sem defesa. 

Um tribunal militar condenou à morte todos os líderes no Recife e na Paraíba. O padre João Ribeiro lutou bravamente até o fim, e suicidou-se. Os portugueses não se deram por satisfeitos: cortaram sua cabeça e expuseram ao publico em pelourinho. O fato  veio reforçar o apelido de “Revolução dos Padres” dado à Revolução Pernambucana de 1817.

Neste exato momento temos duas comissões constituídas para dar inicio às festividades do bicentenário da independência do Brasil. Uma em Pernambuco, que se dará agora em março de 2017, e outra em Brasília com os preparativos da grande festa que se dará em setembro de 2022. Desse modo, temos uma boa oportunidade para refletir sobre o caráter da nossa independência e recontar a história oficial do País, nomeando e divulgando os verdadeiros heróis brasileiros.

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José Domingos de Brito

Diretor de Documentação da UBE-União Brasileira de Escritores e

editor do site Tiro de Letra.

Veja também:

O fim de uma polêmica histórica:

O Brasil estaria melhor sob o domínio holandês?

http://www.tirodeletra.com.br/institucional/Recife-Manhattan.htm