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Paper de congresso

CONGRESSO BRASILEIRO DE ESCRITORES

Mesa redonda: "Governo e autor: Fomento ou privilégio?

Ribeirão Preto, 12-15 de fevereiro de 2011

 

MISTÉRIOS DA CRIAÇÃO LITERÁRIA
Relato de dois patrocínios editoriais


                                                                                                                                     J.D. Brito

1. Pré-lançamento editorial

     A obra vem sendo tocada desde fins do século passado: em meados da década de 1980 já contávamos com mais de 500 respostas à pergunta: Por que escrevo? Dez anos após, devagar e divagando, decidimos colocar o projeto editorial à prova real, i,é, do mercado editorial. Fizemos uma edição caseira,  fotocopiada e encadernada em espiral numa edição de 300 exemplares e escolhemos um lugar privilegiado para o lançamento: a Bienal Internacional do Livro, no Rio de janeiro, em 1995.

     Fomos lá eu e Francisco, um amigo - paraibano poeta, com o perdão do pleonasmo - achando que íamos ser bem recebidos pelo pessoal que organiza a Bienal: A CBL e SNEL. Pensávamos que iam nos encaminhar para o setor de lançamentos ou para um bate-papo com os editores. Mas o que ocorreu não foi bem assim, foi o contrário. Fomos advertidos cortesmente que se fossemos vistos até nas imediações da Bienal vendendo aquela brochura, a polícia seria acionada.

     Saímos atordoados com as mochilas pesadas, cheias “daquela brochura” e, já que estávamos na Bienal, resolvemos dar um passeio pelos stands. Na parte final da exposição, onde ficam as entidades de classe (livreiros,  editores, bibliotecários etc.) encontramos um stand vazio com mesa, cadeiras e uns cartazes anunciando uma entidade que não compareceu. Perguntamos no stand ao lado sobre aquele vazio e não souberam informar porque não vieram. Ficamos parados em frente ao stand planejando uma “invasão”. Se em 30 minutos o dono do stand não aparecer, ocuparíamos o local alegando “uso capião”. Dito e feito, ocupamos o local. Às pressas adquirimos umas folhas de cartolina e fizemos uns cartazes anunciando com letras garrafais:


POR  QUE  ESCREVO?

Mais de 500 respostas!

     Nas primeiras horas recebemos diversas pessoas interessadas em saber que livro era aquele, com algumas vendas. Logo aparece um rapaz perguntando por uma pessoa chamada Paulo. Eu olhei para o Franciso, pisquei o olho e perguntei se ele havia visto o Paulo. Ele disse que não e o rapaz foi embora. Mais tarde, com a feira mais movimentada, o rapaz apareceu de novo com a mesma pergunta. “Pois é, até agora não o vimos por aqui. O que terá  acontecido!?” Horas depois, o rapaz retorna e pergunta enfaticamente e com ar de preocupação pelo paradeiro do Paulo. Eu me volto para o Francisco, refaço a pergunta e ele me sai com essa: “Sabe que eu já estou ficando preocupado!?”.

     Em dois dias de exposição vendemos mais de 200 exemplares, e distribuímos uns 20 entre algumas editoras. Nenhuma editora manifestou interesse em editar o livro, mas o volume de vendas demonstrou o interesse do público, e era isso o que queríamos saber. Nossa tarefa foi bem sucedida: arrecadamos o investimento gasto na empreitada e encontramos um público interessado no livro. Assim, encerramos o ensaio de lançamento da obra. Ensaio no sentido literal da palavra, ou melhor, crônica: “Uma aventura na Bienal do Livro”.  

2. Lançamento editorial

     Continuamos coletando mais depoimentos à pergunta, agora incluindo outra: Como escrevo? Dois anos depois, a Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo abre um concurso para edição de livros através da Lei de Incentivo à Cultura (LINC). Preparamos a edição, incluindo uma boa bibliografia sobre o tema e contando com o apoio de escritores destacados no prefácio, introdução e apresentação da obra: Fábio Lucas, Daniel Piza e Bernardo Ajzenberg, respectivamente.

    Destacamos a obra como uma pesquisa em dois níveis do conhecimento: o que se diz e o que se escreve. No primeiro caso estávamos cobertos com uns 650 depoimentos; no segundo contávamos com uma bibliografia que retrocede ao século XIX. Inscrevemos o projeto – 1º volume da obra “Mistérios da Criação Literária” – Por que escrevo? - e fomos contemplados. Recebemos R$ 25.000,00 para editarmos o livro numa tiragem de três mil exemplares, cuja metade foi entregue à Secretaria, como repasse, para distribuição entre as bibliotecas públicas do Estado. A outra metade foi comercializada no mercado editorial. O livro saiu em 1999 e teve pouca divulgação em São Paulo. Mas em Curitiba despertou o interesse do escritor Valêncio Xavier, repórter da “Gazeta do Povo”. Ele me entrevistou por telefone e publicou matéria de página inteira no caderno de cultura da edição dominical de 30/01/2000. A edição vendeu bastante em Curitiba e logo foi esgotada.   

 

     A coletânea continua e, além de intensificar a busca nas duas primeiras perguntas (Por que? e Como?), passa a colecionar respostas dos escritores sobre o relacionamento da Literatura com as demais artes e ofícios: Jornalismo, Cinema, Política, Música, Psicanálise, Religião, História... Em 2006, publicamos o 2º volume:  Como escrevo? juntamente com a 2ª edição de Por que escrevo? pela editora Novera. Novamente, a “Gazeta do Povo”, de Curitiba, dá uma página inteira no caderno dominical de 23/07/2006. Até agora os dois volumes vêm se mantendo mais ou menos no mercado livreiro: mais em Curitiba, é claro.   

 

     No ano seguinte, a Secretaria da Cultura anuncia – através do PROAC-Programa da Apoio Cultural - um concurso para patrocínio de obras literárias em cinco volumes. Vendo o edital, parecia ser feito de encomenda para os “Mistérios da Criação Literária”. Atualizamos os dois primeiros volumes; preparamos mais três referentes às relações da literatura com o jornalismo, com o cinema e com política; nos cercamos de mais alguns nomes expoentes da literatura nacional, além de Fábio Lucas, que nos apoiava desde o primeiro volume: Affonso Romano de Sant’Anna, Carlos Heitor Cony, Ignácio de Loyola Brandão, Luis Antonio de Assis Brasil, Moacyr Scliar etc., e inscrevemos a obra contendo os cinco volumes. Vencido o concurso e com o aporte de R$ 50.000,00 a obra é editada numa tiragem de dois mil exemplares em 2008. Como repasse a exigência da Secretaria foi bem menor do que no patrocínio anterior: apenas 10% de cada volume (200) totalizando mil exemplares.         

3. Patrocínio: fomento ou privilégio?    

     Pelo exposto vê-se que o patrocínio governamental além de cumprir, em parte, seu objetivo, ultrapassou a expectativa e a obra teve continuidade para além da obra impressa. Vimos que o primeiro patrocínio (Por que escrevo?) em 1997, propiciou as condições necessárias para o lançamento de um segundo volume (Como escrevo?) em 2006. Com o segundo patrocínio (a obra em 5 volumes) obtido em 2007, foi possível a construção do site www.tirodeletra.com.br, inicialmente com a finalidade de divulgar a obra e, posteriormente, divulgar toda e qualquer informação referente à criação literária. Hoje o site conta com mais de 20 mil visitas/mês e tem se constituído numa importante fonte de informações úteis aos interessados em literatura, particularmente às oficinas e curso de escrita criativa. Além disso, a obra tem continuidade com o lançamento do 6º volume Literatura e Música, em 2012. Desse modo, podemos concluir que se trata de um fomento produtivo, onde o dinheiro do governo foi aplicado em benefício público.        

4. Crítica ao patrocínio

     Dissemos acima que o patrocínio governamental à obra cumpriu, em parte, seu objetivo. Se não cumpriu o objetivo no todo, não foi por culpa nossa. Senão vejamos: no primeiro patrocínio era permitido a inscrição de “Pessoa física” e o repasse de 1500 exemplares à Secretaria era suficiente para distribuição entre todas as bibliotecas públicas do Estado. O propositor teria que encontrar uma editora para editar a obra, o que foi feito através de contrato com a Editora Escrituras. Mas no segundo patrocínio, ficou estabelecido que apenas “Pessoa jurídica”, ou seja editoras, poderiam se inscrever. Como a Editora Novera já havia editado os dois primeiros volumes no ano anterior, esta concordou em inscrever o projeto juntamente com o organizador da obra. Ganho o concurso, a obra em cinco volumes foi editada. A crítica a ser feita ao patrocínio refere-se a contrapartida exigida: entrega de 200 exemplares á Secretaria. Sabendo que o Estado possui quase mil bibliotecas públicas em todo o Estado, a maior parte das bibliotecas ficaram sem receber a obra.

     Assim, a crítica refere-se a dois itens do contrato de patrocínio: 1) Exigência de “Pessoa jurídica” para inscrição no concurso. Tal exigência deixa claro que somente as editoras podem participar do concurso. O indivíduo que desejar participar tem que, primeiro, conseguir a adesão de uma editora para inscrever, juntos, seu projeto. 2) A contraparte exigida não é suficiente para atender a distribuição entre todas as bibliotecas públicas do Estado. Se o Governo está patrocinando uma obra literária, o mínimo que se pode exigir, por parte do público, é que esta obra seja distribuída gratuitamente nas bibliotecas públicas, como foi feito no primeiro patrocínio. 

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José Domingos de Brito é

bibliotecário, editor do site www.tirodeletra.com.br e Diretor de Documentação da UBE- União Brasileira de Escritores

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