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                               EIS

          


        “As histórias não começam nunca onde parecem ter começado. Elas têm origens obscuras e um dia a gente se vê arremessado bem no meio de uma história.”

                               

                                                                                                                              Jorge Semprún

           


AGORA , se eu fosse uma escritora fácil, dessas sem-mais, aí  sim. Deixava as coisas todas virem correndo, se atropelando, pedindo para serem contadas, deixava que se embaralhassem viventes, gordo caldo engrossado estourando pelas tripas do imaginário, no baile das memórias. Nem me preocupava com ordem/desordem, sequências/precedências, essas coisas. Tirava todos os pinos que por tantos anos e anos me retiveram, os devo-não-devo, posso-não-posso, os approachs e pontos de vista, e o tom...Ah, que engraçado o tom, gargarejo em que me demorei pelo menos nos últimos dez anos, o tom, o enfoque.

          O mourão, onde amarrar o burro – cavalo, se preferirem.

          Chamava um leitor, isso sim. Um ouvinte, para o diálogo  das minhas loucuras. Acomodava-o bem, dava-lhe uma manta escocesa, uma poltrona confortável, um copo de vinho quente até – memórias,  e livros, são coisas de inverno. E ia lhe dizendo as coisas assim meio meio, não fazia mal, embaralhadas. Não precisava ser aquele dever de casa de letra bonita e caderno caprichado, e todo melindres e troféus, etc.

            Era uma história – um pedaço da minha história de vida (que teve várias outras), o pedaço correspondente aos 18 anos que passei no Itamaraty, primeiro como diplomata de carreira eu própria e depois como mulher de diplomata – cassada que fui, em 1958,  por exigência discriminatória e machista da Casa de Rio-Branco, que me obrigou à demissão devido a meu casamento com colega de carreira. Mantenho até hoje, portanto há 58 anos, uma ação contra União, nesse sentido – juízes e ministérios continuam sentados em cima dela. De nada me adiantou até agora o parecer favorável de 30 páginas, elaborado por uma jurista renomada, anexo ao processo. Algum tataraneto meu, talvez, um dia, se verá beneficiado por esta remota e resistente antepassada.

            ...Quanto a mim, simples mortal....

          Talvez eu devesse sair colando uns cartazes por todos os cantos da cidade.

           Estou colando. Querem ver? – cartaz já meio antigo, enrolado nas pontas, escrito quando eu era ainda moça. Guardado na gaveta.

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EX-DIPLOMATA DE CARREIRA, formada pelo Instituto Rio-Branco em 1957, de nacionalidade infelizmente brasileira, dotada de um  currículo de sete páginas – tendo sido , antes de mais nada, jornalista e escritora publicada e premiada algumas vezes  – estende a mão à caridade pública e pede asilo diplomático a algum país - do Primeiro  Mundo, por favor ! – que lhe queira dar acolhida e sustento suficiente por algum tempo, para que possa terminar de organizar alguns livros de memória muita e cruel.

      Observação: Além de ter três diplomas universitários, é  senhora de boa aparência e educada, capaz de manter conversação em cinco idiomas, de prendas domésticas, habilitada para  cozinhar, lavar e passar, cuidar da casa, afeiçoar-se a crianças e outros animais. E até, às vezes e quando possível, de amar.  

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Porque a verdade é que há muito esta história vinha  esperneando que só vendo dentro de mim, de dentes cerrados, cenho carrancudo, a me exigir escrita. Chega um momento em que realmente ela começa a dar cambalhotas dentro da gente -  uma autobiocoisa, digo.  A se derramar demais, a ponto de exaustão, pelos ouvidos de amigos e passageiras euforias de bares. Ela realmente te diz, a horas tantas de tua vida : mas eis, estou aqui pronta, já existo sozinha, se você não me contar vou correr riscos de ser destruída, ou mal compreendida, mal digerida – fragmentos, pelas lembranças da família, mal contada e torta, ou esquecida. E ninguém que teve experiências como as tuas tem o direito de se esquecer em alguma estação ferroviária ou pelas gavetas encardidas do Ser.

       Um Livro? A gente vem por tantos trambolhões. E perplexidades. Todo escritor é um Hamlet de fundo de quintal, ser-não-ser literário. Essa a dificuldade. Porque contar, todo mundo tem o que contar, suas mil histórias da vida.

       O advogado de tantos títulos e respeito, o jurista importante que eu só conseguira consultar pelo empenho de outro advogado importante e amigo, ouviu minha história, perplexo me acompanhou até o elevador, homem tão  educado e antigo,  me chamou de "Embaixadora". Espantada, eu o olhei – não  havia ironia, nele. Respeito, admiração, percebi. O título, indevido, mas que poderia agora ser o meu, me devia ser reconhecido. Por mérito vivencial.

           – A senhora tem um imenso cabedal, na sua vida - me disse.

          E aquele editor da Cambridge University Press que me foi apresentado por Pedro Herz na Livraria Cultura, foi logo   perguntando o que eu escrevia.

          – No momento, respondi, estou tentando escrever a história da minha vida.

            O homenzinho - não era grande - olhou-me do alto de seu desprezo e perguntou se eu achava que a minha vida era assim tão interessante que valeria a pena ser escrita. Respondi que tinha vontade de contar uma circunstância – que neste momento da vida eu seria uma embaixadora, e não uma jornalista pobre e idosa que não tem bem com o que viver, tudo isso se não tivesse nascido mulher , porque o Itamaraty me obrigara a pedir demissão da carreira diplomática quando me casei com um colega.

           Ele me olhou, surpreso: “Nesse caso a senhora tem realmente uma grande história para contar”. Não agradeci a autorização. Que não solicitei. Mas assim são os homens, já nascem donos inclusive de uma autobiografia autorizada e solicitada, prontos, encadernados em fino couro dourado. Nós, mulheres, as não-autorizadas, as não-solicitadas, as suprimidas....

           Envoltas na escura Teia, desde o dia em que nasceram - assim nos classificava já Platão (que gostava de rapazes) .


Muitas vezes me perguntei de onde vinha esta obsessão de toda vida, literatura, ver-me sempre de fora e querendo contar como eram as pessoas ao meu redor, voyeuse da realidade, da casa, da família, dos personagens da infância. Este verme roedor da literatura, mas verme abençoado. Embora cansativo. Acho que não houve um só dia na minha vida em que não tenha me dito “devo escrever” ou “quero escrever”. Esse desejo-angústia no qual tudo se absorve. Esta única luz, esperança, do final da minha vida.

      Então um dia, em 1994, na Biblioteca de Pinheiros, fazendo uma palestra sobre literatura, encontrei de repente empacotada numa dobra da memória uma lembrança perdida, e preciosa : a de que eu nascera como personagem de um livro.

     Eu me vi na Cartilha da Cecília feita por meu pai Luiz Prada. Eu me vi em Primavera Escolar, feito para leitura do segundo ano primário – dizem  os especialistas em história da educação que meu pai e meu tio Egídio foram os introdutores do Método Montessori no Brasil. Devo ter sido, portanto, a primeira criança alfabetizada por ele. Foi certamente um momento muito concreto de identificação, aquele em que, aos 6 anos, me vi reproduzida em desenho na capa de um livro, arrumando letrinhas em uma caixinha – letras vermelhas e pretas em minúsculos cartões, um joguinho de letras mágicas que se combinavam em sílabas, que se combinavam em palavras, em histórias. Em livros.

        O mundo, existia para ser contado.

       No texto, tudo falava da Cecília. Tudo era   da Cecília, a boneca da Cecília, os amigos da Cecília, a família da Cecília, o cachorro da Cecília. Filtrava nos elementos daqueles dois livros a verdade de nossa vida familiar, cotidiana, literariamente transladada. Isso deve me ter marcado extraordinariamente. Eu era uma personagem, meus avós, meu tio, meu cachorro, meus amigos, minha boneca. Éramos todos personagens. Era possível existir como personagem. Uma existência de permanência, e não de atropelamentos do todo-dia. A essência de nós.

       Quando vim morar em Campinas, em 2007, tive uma surpresa extraordinária: havia pessoas idosas que de repente me deram uma classificação que eu nunca soubera ter – pois, claro, eu era “a menina da Cartilha da Cecília”, na qual haviam aprendido a ler. É que meu pai, amigo e professor dos salesianos a vida toda, tivera seu livro espalhado pelos colégios da região, durante muito tempo. Eu e minha mãe nunca havíamos sabido disso. Mas agora, sim, esse elemento de minha vida era reconhecido na cidade onde o destino me mandara para viver o último período de minha história.

       E um dia, 2 de maio de 2010,  o grande cronista da cidade, Eustáquio Gomes, dedicou-me no Correio Popular um texto, um dos últimos que escreveu antes de ser acometido de um AVC,  Cecilia rima com cartilha.

      Devo me surpreender se hoje ainda me sinto presa dentro de mim? Enrolada na autobiografia?

      Parece que como aquele Dom Ratão da história da Dona Baratinha, caí dentro do caldeirão da sopa que eu tinha de tomar.   

    

      Estarei presa dentro de um livro?

   

Ver a si próprio como uma personagem pode ser um dom. Ou um castigo que esperneia em nossos contornos – noturnos /soturnos - com força de feto que exige nascimento, sob pena máxima de morte. Expulsa-me ou te mato, arrebento tua angústia de dentro, sim eu te coloco (me coloco), assim com esta compulsão, no extremo – o escritor é sempre uma pessoa in extremis. Uma pessoa que acontece a si própria, que se vê acontecer – diferente, solitária, nunca completamente aderente.

         

                            Del sentimiento de no estar de todo, dizia Cortázar.


Mas, e quando em vez de um só personagem, você vai descobrindo em si, vida afora, múltiplos personagens – e perversos, que se sobrepõem, se cruzam, se contradizem, só para te atrapalhar o esforço autobiográfico, ó veneranda senhora que na longevidade – e na miséria – em que te encontras, ficas te perguntando tão de noite e de dia padrenossoavemaria, mas o quê, em mim, afinal...?

         Porque há uma multiplicidade de mulheres, em mim. Que todas, por falta de imaginação, se chamam – se chamarão, neste relato – Cecília – quase todas, outros nomes ocorrerão. São como aquelas provas de gravura que vinham da litografia do meu tio Antônio, tão divertidas, me fazendo ver várias vezes a mesma estampa mas com diversas cores, vermelho, azul, amarelo, sépia, verde, magenta. No fim, me mostravam a gravura multicolorida, pronta, e eu, sabida, ria  da contrafação – mostrava-se a  feitura da vida, da estampa, de nós todos. E assim hoje me vejo nas várias Cecílias, a de cinco anos, envolvida já com letras, tintas e livros; a adolescente inquieta de quinze anos; a jornalista e escritora, a mulher, a mãe, a avó, a professora de Conchas, a dramaturga de Nova York, a mulher-bicho uivando na hora dos partos, a Cecília de 1964, e até uma Cecília – espanto! – diplomata...ah! (guardo uma carteira, Ministério das Relações Exteriores, ano 1958, função: Diplomata classe K – Cônsul do Brasil).

        E que mantém ainda até hoje contra a União– 58 anos mais tarde – uma derradeira ação de indenização e reversão à Carreira.  Que a transformaria, como “Caso emblemático nacional de discriminação contra a mulher” (assim foi declarada em 2014 pela Comissão Nacional da Verdade), de reles senhora donamaria, pária da nacionalidade e com uma renda única de um salário-mínimo, absolutamente sem condições de viver a não ser  como dependente  absoluta de filho e nora, sim, a transformaria, em um passe de mágica, em “embaixadora aposentada”.   


MAS NÃO É SÓ ISSO – ah!, não, mesmo. O episódio “Itamaraty” ressalta como inconstitucionalidade maior, injusto, aberrante, na tessitura de minha vida. Mas....há outro episódio, que vai também registrado com destaque neste livro, mais polêmico, mais monstruoso.  Uma discriminação política que persiste , de dentes arreganhados, até hoje – desde o ano de 1980 em que como jornalista profissional (minha profissão básica) atingi o auge da carreira ao receber, por uma série de matérias sobre menores carentes, publicada na Folha de São Paulo, o Prêmio ESSO de Jornalismo na categoria Reportagem.


E  então


Leitor que convidei para me ouvir – bem instalado na tua poltrona preferida, sorvendo o vinho quente, até um uísque, se preferires, e aí bem agasalhado com a manta escocesa, vai, enfrenta esta viagem biográfica comigo.

         E só para teres uma ideia do que verás pela frente, te lanço este desafio:


       – POR QUE SERÁ QUE uma jornalista profissional, de carreira iniciada em 1950 em um dos maiores jornais do país, ao conquistar,  em 1980 o maior troféu da sua profissão, nunca mais a partir dessa data conseguiu ter emprego algum em qualquer órgão da grande imprensa e na mídia do país?  

         ...e teve de sofrer , e sofre ainda, um prolongado, eterno exílio nas estepes geladas da  Sibéria, lutando muito para obter precários meios de subsistência, traduções, palestras, edições de seus livros ...


Qual terá sido o grande crime que cometi com minha reportagem ganhadora do ESSO em âmbito nacional?


Te convido. Vem.


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Campinas, 7 de dezembro de 2016

Cecília Prada

amaralprada@ uol.com.br

Telefone(19) 3253-7425



Este livro pode ser lido e emprestado, inteiramente de graça, pelo kindle unlimited da Amazon.


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Comentários :


5.0 de 5 estrelas Muito Bom

por Cliente Amazon em 9 de dezembro de 2016

Trata-se deuma grande escritora, com muito senso de humor negro, uma campeã na luta contra o machismo Espero que seu livro seja premiado e que Cecilia Prada continue escrevendo, cheia de saúde e força e ganhe um emprego bem remunerado que merece como jornalista premiada, tradutora brilhante de Shakespeare e participante ativa da vida na Academia Campinense de Letras.

Geraldo Muzzi

Embaixador

 

 

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