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Crônica da vida real

 

Tiro de Letra na Bienal do Livro

 

J.D. Brito

Parte I

       "A obra vem sendo tocada desde fins do século passado. Em meados da década de 1980 já contava com mais de 500 respostas à pergunta Por que escrevo? Dez anos após, devagar e divagando, decidi colocar o projeto editorial à prova do mercado. Fiz uma edição caseira, fotocopiada e encadernada em espiral numa edição de 300 exemplares e escolhi um lugar privilegiado para o lançamento: a Bienal Internacional do Livro, no Rio de Janeiro, em 1995. (1)

       Fomos lá eu e Francisco, um amigo – paraibano poeta, com o perdão do pleonasmo – achando que íamos ser bem recebidos pelos organizadores da Bienal: A CBL-Câmara Brasileira do Livro e SNEL-Sindicato Nacional dos Editores de Livros. Pensávamos que iam nos encaminhar para o setor de lançamentos ou para uma sala de bate-papo com os editores. Mas o que ocorreu não foi bem assim, foi o contrário. Após nos medirem dos pés a cabeça com um olhar pouco amistoso, fomos advertidos que se fossemos vistos até nas redondezas da Bienal vendendo aquela brochura, a polícia seria acionada.

       Saímos atordoados com a recepção e mochilas cheias “daquela brochura” e, já que estávamos na Bienal, resolvemos dar um passeio na feira. Na parte final da exposição, onde ficam as entidades de classe (associações de livreiros, editores, bibliotecários etc.), encontramos um pequeno stand vazio com mesa, cadeiras, balcão e uns cartazes anunciando uma entidade que não compareceu. Perguntamos no stand ao lado sobre aquele vazio e não souberam informar porque não vieram. Ficamos parados em frente ao stand planejando uma “invasão”. Se em 30 minutos o dono do stand não aparecesse, ocuparíamos o local alegando “usocapião”. Dito e feito, ocupamos o local. Às pressas adquirimos umas folhas de cartolina e fizemos uns cartazes anunciando com letras garrafais: POR QUE ESCREVO? Mais de 500 respostas!.

       Nas primeiras horas recebemos diversas pessoas interessadas em saber que livro era aquele, com algumas vendas. Logo apareceu um rapaz perguntando por uma pessoa chamada Paulo. Eu olhei para Francisco, pisquei o olho e perguntei se ele tinha visto o Paulo. Ele disse que não e o rapaz foi embora. Mais tarde, com a feira mais movimentada, o rapaz apareceu de novo com a mesma pergunta. “Pois é, até agora não o vimos por aqui. O que terá acontecido?” Horas depois, o rapaz retornou e perguntou   preocupado pelo paradeiro do Paulo. Eu me voltei para o Francisco, interrogativo e ele me saiu com esta: “Sabe que eu já estou ficando preocupado!?”

       Em dois dias de exposição vendemos mais de 200 exemplares e distribuímos uns 20 entre algumas editoras. Nenhuma manifestou interesse no livro, mas o volume de vendas demonstrou o interesse do público, e era isso o que queria saber. Nossa tarefa foi bem sucedida na primeira parte. Arrecadamos o investimento feito na empreitada e encontramos um público interessado no livro. Assim, encerramos o ensaio de lançamento da obra. Ensaio no sentido literal da palavra, ou melhor, crônica intitulada: Uma aventura na Bienal do Livro". (1a)

                                                        Parte II

       O livro Por que escrevo? constituiu-se no primeiro volume da obra Mistérios da criação literária, e foi lançado em 1999 com o patrocínio da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo (2). Foi contemplado com a LINC-Lei de Incentivo à Cultura, e uma parte foi distribuída nas bibliotecas públicas do Estado. Outra parte foi para o mercado livreiro. O patrocínio e o lucro decorrente das vendas serviu para preparar o segundo volume da obra Como escrevo?, lançado em 2006, juntamente com a 2ª edição do Por que escrevo? (3) por uma pequena editora e sem patrocínio algum. Como pagamento dos direitos autorais, fiz um acordo com a editora para que eu recebesse 10% da tiragem de mil exemplares. Assim, fiquei com 100 exemplares de cada volume, para os quais eu deveria encontrar um local onde pudessem ser vendidos. Este local apareceu de modo inesperado, e foi novamente a Bienal do Livro, agora em /São Paulo.

       Num sábado à noite, penúltimo dia da Bienal, eu perambulava pelos corredores visitando e observando os stands. De repente, deparo com umas senhoras desmontando  prateleiras e enchendo caixas de livros. Parei, refleti e perguntei o que estava sucedendo. Logo me disseram que estavam indo embora; que o que tinham que vender já venderam; que já estavam cansadas daquilo; etc. e tal. Tratava-se do stand de uma instituição filantrópica. Eu perguntei, então, como ficaria aquele stand no domingo, último dia da Bienal. Me falaram que ficaria como está, sem livros, oras! Eu estava com a minha mulher e saí comentando que aquele local poderia muito bem servir para vender os meus livros. Poderíamos repetir o que fizemos há 11 anos na Bienal do Livro, no Rio de Janeiro.

        No dia seguinte logo cedo, convidei o Francisco para fazermos  outra invasão na Bienal do Livro. Levamos 30 exemplares de cada volume, amarramos um barbante de um lado a outro do stand e montamos a “barraca” tal como se faz com a literatura de cordel na feira de Caruaru. Caso vendêssemos todos, buscaríamos o restante deixado no carro. Mas não foi preciso. Em menos de uma hora de exposição, quando já tínhamos vendido uns 20 exemplares, apareceram dois fiscais da Bienal pedindo o crachá ou autorização para expor os livros. Crachá não tínhamos, mas disse que  fomos autorizados por Eduardo, um dos diretores da Bienal, para usar aquele stand  desocupado na noite anterior. Eles não conheciam nenhum Eduardo, e disseram que sem autorização, devíamos deixar o local imediatamente. Conversa vai e vem, mas não tem jeito, tem que sair e logo. Enquanto isso, Francisco atendia os clientes.

        Naquele instante o que eu menos queria era abandonar aquele ótimo ponto de venda. Num estalo encontrei uma maneira de prolongar as vendas. Falei para os fiscais que aguardassem um pouco que eu iria procurar o Eduardo e trazer a autorização. Pedi ao Francisco para ir agilizando as vendas e saí. Dei umas voltas pelos corredores, voltei e reparei de longe que os fiscais continuavam lá no stand, e as vendas iam de vento em popa. Outras voltas se deram e o tempo se prolonga em mais 20 minutos. Reapareci dizendo aos fiscais que o Eduardo havia saído para tomar um café, mas que voltava logo. Pedí que aguardassem mais um pouquinho que logo mais tudo estaria resolvido. Eles se recusaram a aguardar. Pelo semblante via-se que eles já estavam convencidos que tratava-se de uma invasão. Convenci-os, a muito custo, a esperar um pouco mais, que eu ia de novo procurá-lo na Administração da Bienal. Mais 15 minutos de espera, ao mesmo tempo em que Francisco atendia a clientela.

        Finalmente apareci dizendo que estava difícil encontrar o Eduardo; se não dava para “quebrar o galho” e oferecendo uma cerveja caso pudéssemos ficar ali. Aliás é o último dia da feira, e além do mais estávamos ali divulgando a cultura, um trabalho nobre, coisa e tal. Essa argumentação não comoveu os fiscais. Eles mesmos ajudaram a desmontar o cordel, já que o fazíamos bem devagar enquanto ainda vendia os livros. Saímos com alguns livros na mão direto para o restaurante, pois já passava das 13 horas.

                                                       Parte III

         O tempo passa, estamos em 2012, e agora Mistérios da criação literária,  é uma obra composta de cinco volumes (4), cuja edição foi, de novo, patrocinada pela Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo. Além dos dois primeiros volumes, juntei mais três referentes ao relacionamento da literatura com o jornalismo, cinema e política. O projeto editorial foi contemplado pelo PAC-Programa de Ação Cultural, em 2007, numa tiragem de 2 mil exemplares, sendo que 20% foi como reparte para a Secretaria. O restante foi para o mercado livreiro. Pois bem, em 2012 eu me encontro na condição de Diretor de Documentação da UBE-União Brasileira de Escritores. Recebemos o convite para participar da 22ª Bienal Internacional do Livro e a UBE precisava de alguém que pudesse dar expediente integral nos dias de exposição. Vi ali uma oportunidade de expor a obra junto com os livros dos demais associados, e me apresentei como voluntario. .

         No entanto, o movimento de escritores era grande e as atividades da UBE eram tantas que impediam uma atenção mais dirigida à obra. O stand ficou num lugar bem destacado em um “aquário” de 6x4m, onde ficaram instalados além da UBE, outras instituições ligadas ao livro. Em frente ao “aquário” ficavam pequenos stands, um dos quais foi alugado por um escritor médico de Ceará. Ele mesmo trouxe alguns de seus livros e ficou lá plantado na espera mais de visitantes do que compradores. Via-se que seu interesse era mais demonstrar seus livros do que propriamente vender. Nas horas de menor movimento conversávamos e eu ouvia suas reclamações sobre o público que não comparecia ao seu stand.

         Na quinta-feira, ele não compareceu e o stand ficou vazio na minha frente solicitando uma invasão. Mas eu não podia invadir porque, além de já estar gerenciando o stand da UBE, ele poderia aparecer a qualquer hora. Na sexta-feira, penúltimo dia da Bienal, o médico apareceu e ficou no stand até o meio da tarde. Puxou conversa e disse que iria embora; que já estava cansado de não fazer nada naquele local; que não valia a pena ficar ali perdendo tempo. Eu teria, portanto, todo o sábado e domingo para expor ali os cinco volumes da obra. Só precisava encontrar alguém para me ajudar na invasão. Meu irmão me disse que havia reservado o fim de semana para visitar a Bienal. Logo lhe propus o trabalho de expor os livros e a repartição do lucro decorrente das vendas. Ele colocou sua filha no negócio e juntos se instalaram no stand.

        No domingo à tarde apareceu um fiscal perguntando de quem é o stand, onde está o responsável, crachá, autorização ou coisa que o valha. Meu irmão, não sabendo o que fazer, pediu que falasse comigo ali em frente, na UBE. Disse-lhe que o dono do stand teve que ir embora antes do fim da Bienal, devido a problemas de saúde na família; que era um dos nossos associados e que havia me autorizado a ocupar o stand.  O fiscal, a principio, não aceitou o argumento e disse que era preciso uma autorização da administração ou algum documento do dono do stand citando a transferência. “O senhor tem esse documento?” Claro que não, meu amigo! Se o cara está me dando o stand, eu vou ainda pedir documento de doação por um dia? Sem contar que estamos no fim da feira! Ponha a mão na consciência!

       Valeu a pena este último apelo. O fiscal saiu dizendo que ia ver com a administração e caso fosse preciso voltaria. Não voltou e a Bienal foi encerrada às 22hs. com a venda de 180 exemplares dos cinco volumes. Na divisão dos lucros, meu irmão ficou satisfeito com o resultado, além de fazer sua filha dois dias entre tantos livros, segundo ele o lucro maior. Eu, de minha parte, constatei pela terceira vez a aceitação da obra pelo público, e verifiquei que aos poucos ela vai se firmando, vai caminhando no sentido vaticinado por Luis Milanesi, Diretor da ECA/USP, na orelha do volume 3 "Aos poucos José Domingos de Brito firmando essas obras. Com o tempo, elas vão adquirindo uma importância cada vez maior. Elas nunca serão do passado, mas a qualquer momento serão presentes".

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(1) Capa da edição caseira, lançada na Bienal Internacional do Livro, no Rio de Janeiro, em 1995.

                                   Descrição: http://www.tirodeletra.com.br/institucional/images/livro02.jpg    

(1a) Texto publicado no livro de minha amiga Isabel Furini Eu quero ser escritor - Livro 1 - A crônica. (Instituto Memória Editora, Curitiba, 2012, p. 118. com o título "Uma aventura na Beinal do Livro".       

(2) Capa da 1ª edição do volume 1, lançado em 1999, pela Editora Escrituras

                                    

(3) Capa da 2ª edição do volume 1, lançada em 2006, pela Editora Novatec

       ,                             Descrição: http://www.tirodeletra.com.br/institucional/images/clip_image002_002.jpg

4) Capas dos 5 volumes da obra lançada em 2007 pela Editora Novera

Descrição: http://www.tirodeletra.com.br/imgs/capa_porque_3ed.jpgDescrição: http://www.tirodeletra.com.br/imgs/capa_como_2ed.jpgDescrição: http://www.tirodeletra.com.br/imgs/capa_literatura_Jornalismo.jpgDescrição: http://www.tirodeletra.com.br/imgs/capa_literatura_cinema.jpg

Descrição: http://www.tirodeletra.com.br/imgs/capa_literatura_politica.jpg

José Domingos de Brito é

bibliotecário, editor do site www.tirodeletra.com.br, diretor de Documentação da UBE-União Brasileira de Escritores e organizador da obra "Mistérios da Criação Literária"

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