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Música
Waly Salomão

"Eu sou muito mais famoso como autor de canções que as pessoas nem sabem quem são minhas. É que os autores se confundem com os interpretes. Outro modo: alguns poemas meus foram musicados por grandes compositores, cantores e cantoras. Vou contar uma história ilustrativa sobre um poema: Lina Bo Bardi me pediu que retribuísse com um poema para a sua restauração da Fundação Gregório de Mattos, em Salvador. Infelizmente, eu não consegui fazer enquanto ela vivia, porque o poema não tem essa encomenda; só uns anos depois realizei “A Fábrica do poema”, pensando nos materiais que ela usava, pensando na fábrica do Sesc Pompéia. E eu fiz intencionalmente esse poema anti-musical, anti-facilidade, de forma que as palavras não fossem palatáveis, digeríveis, musicáveis e aí Adriana Calcanhotto, que estava na época interessadíssima na Lina Bo Bardi, foi avisada de meu poema por Susana Moraes, filha do grande Vinicius – nós somos todos filhos de Vinicius de Moraes!– me pediu o poema e eu enviei por fax totalmente descrente de que ela pudesse musicá-lo, porque tinha introduzido espinhas de peixe na garganta da palatividade. Por incrível que pareça Adriana musicou a letra de forma maravilhosa, e eu, para fazer pirraça aumentei intencionalmente o poema para publicação em Algarávias. O poeta deve ser assim, pirraçento com o mercado, com o mundo da facilidade, da fácil diluição. No caso do recente “Cobra Coral”, escolhido, por entre os poemas do livro Tarifa de Embarque, por Caetano Veloso, é diferente: ele comprou o livro na livraria, pegou o poema, gostou, musicou. Mas vou-lhe dizer: todas aquelas de Bethânia ( Anjo exterminado, Mel, Talismã, Alteza, Memória da pele, Olho d’água...) todas precederam às músicas que sobre elas incidiram. Sabe por que fazia isso? Porque sou metido a besta; por um princípio de que o poeta, pelo menos nisso, é senhor da linguagem, o poeta precede à música que sobre ela vai se incidir, não está fazendo uma letra adaptada para o espetáculo, para o disco-bussiness. O músico que trabalhe, que batuque! Para quê isso? Para o poeta ter autonomia de voz, para não ficar submergido pelo mercado, como se estivesse adulando esse mundo, como fazem a maioria dos letristas que não são poetas. Nisso a crítica de poesia de livro tem razão, porque falta-lhes altivez, saber que a linguagem da poesia é maior, não é ancila como diziam os romanos, não é escrava, ela não é servil, ela manda no mundo"

Fonte: Cult, nº 51, outubro de 2001 - Adolfo Montejo Navas

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