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Poesia?

 

A pá lavra

Euclides Dourado

De início pensei que apenas a nossa “inculta e bela” permite dizer isto de maneira tão sintética, definitiva e definidora do que quer dizer. E também de um belo modo. Porém, “traduzindo” para o inglês, a beleza não se perde:

The word works

E permanece no italiano:

La parola labora

No francês a pronúncia tem seu encanto:

Le mot travaille

No alemão, também a pronúncia guarda certa beleza:

Die worten arbeiten

 

Assim, a beleza do conceito permanece em outras línguas. Mas somente no português pode-se conseguir a proeza de expressá-lo com as próprias letras.

Veja também

outros textos sobre a palavra

 

Uma imagem vale por mil palavras

provérbio chinês

Eu quero ver dizer isto sem palavras

Millôr Fernandes

Expansão da palavra

  Cecília Prada

 

Não, o menos não é mais – na escrita. Pelo menos, nem sempre – o menos, é medo de desenrolar um novelo imenso demais, puxando o fio da narrativa. (O medo de ter de se reconhecer tão enrolado?) È restrição orgulhosa de quem talvez se queira o dono da palavra. Do universo. É concessão, “se tenho de falar, que seja uma palavra, uma única, onipotente, onipresente palavra, a que encerra o segredo do universo, a que salva mulheres à deriva, crianças arrastadas no vendaval...”

Quantas palavras por trás da que seria “palavra-única”... masculina, inquestionável.

E já que tivemos tantas...

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O homem busca “a palavra”. A mulher quer “a conversa”. Nos bastidores alguém bate um martelo e concede “discursos”. (Enquanto isso, ouve-se um pranto suave e constante – ao longe). 

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Fonte: PRADA, Cecília. Entre o itinerário e o desejo. São Paulo: Scortecci, 2012

 

 

As palavras do silêncio

 Cecília Prada

 

As palavras do silêncio – ela escreveu um dia no seu caderno de capa enxadrezada, no tempo da mocidade. E depois, debaixo da frase-tema, e porque era jovem e inesperta, foi enchendo a página de uma indignação que julgava eterna, berrando contra silêncio (que seria talvez o de alguém que ela também, na época, julgava eterno). Por via das dúvidas, jogou uma rosa esfarelada na página, marcando-a.

As palavras do silêncio – ela escreveu um dia, mulher madura, e ficou parada, olhando a página em branco não mais num desafio mas com uma realidade. Assim a deixou. Não tinha rosa à mão para marcá-la. Aderida a tantas outras, a página se deixou ficar.

As palavras do silêncio – ela não escreveu: escreveram por ela.  

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Fonte: PRADA, Cecília. Entre o itinerário e o desejo. São Paulo: Scortecci, 2012