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Poesia

Ode à Poesia

                                                                                               Miguel Torga

Vou de comboio...

Vou

Mecanizado e duro como sou

Neste dia;

- E mesmo assim tu vens, tu me visitas!

Tu ranges nestes ferros e palpitas

Dentro de mim, Poesia!

Vão homens a meu lado distraídos

Da sua condição de almas penadas;

Vão outros à janela, diluídos

Nas paisagens passadas...

E porque hei-de ter eu nos meus sentidos

As tuas formas brancas e aladas?

Os campos, imprecisos, nos meus olhos,

Vão de braços abertos às montanhas;

O mar protesta contra não sei quê;

E eu, movido por ti, por tuas manhas,

A sonhar em painel que se não vê!

Porque me tocas? Porque me destinas

Este cilício vivo de cantar?

Porque hei-de eu padecer e ter matinas

Sem querer acordar?

Porque há-de a tua voz chamar a estrela

Onde descansa e dorme a minha lira?

Que razão te dei eu

Para que a um gesto teu

A harmonia me fira?

Poeta sou e a ti me escravizei,

Incapaz de fugir ao meu destino.

Mas, se todo me dei,

Porque não há-de haver na tua lei

O lugar do menino

Que a fazer versos e a crescer fiquei?

Tanto me apetecia agora ser

Alguém que não cantasse nem sentisse!

Alguém que visse padecer,

E não visse...

Alguém que fosse pelo dia fora

Neutro como um rapaz

Que come e bebe a cada hora

Sem saber o que faz...

Alguém que não tivesse sentimentos,

Pressentimentos,

E coisas de escrevere e de exprimir...

Alguém que se deitasse

No banco mais comprido que vagasse,

E pudesse dormir...

Mas eu sei que não posso.

Sei que sou todo vosso,

Ritmos, imagens, emoções!

Sei que serve quem ama,

E que eu jurei amor à minha dama,

Á mágica senhora das paixões.

Musa bela, terrível e sagrada,

Imaculada Deusa do condão:

Aqui vou de longada;

Mas aqui estou, e aqui serás louvada,

Se aqui mesmo me obriga a tua mão!

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Pedimos desculpas aos que até aqui chegaram e não encontraram o anunciado recital de João Villaret. Foi uma jogada de marketing, confesso. Mas estamos providenciando a passagem de poesias do velho Long-play para um CD e deste para o site. Em breve teremos poesias de Fernando Pessoa, Camões, José Régio, Almeida Garret, Antonio Bôto, Eugênio de Castro etc. recitadas por João Villaret. Mas para que não se fique de todo a ver navios, façamos um link para ouvir Cântigo Negro, de José Régio, na voz do grande declamador português

http://www.youtube.com/watch?v=qKyWRJZnu2o&feature=related

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