A Vladimir Maiakovski
Camarada Maiakovski, desculpe os meus garranchos...
Te escrevo agora que não há mais camarada.
Você, que me ensinou fazer versos tão anchos,
nesse tema que hoje é pagina virada...
Pra o poeta de esquerda, impossível é o descanso,
o séc. XX foi dorido e magoado...
Camarada, o teu socialismo tão sonhado,
findou-se, e nele resta pouco pra balanço.
E agora, Vladimir, quando você nos diz,
prá antes de cantar o mundo, transformá-lo,
você, que tanto fêz, e tão alto voou,
mas num gesto comum provocou tanto abalo,
não soube disparar na direção correta,
contra azia tomou uma dose de arsênico.
quem tanto criticou Iessiênin, o poeta,
o poeta você, acabou iessiênico.
Como dói recordar tanta vida perdida!
A um jovem de hoje, o que dar como exemplo?
Dizer que a traição edificou seu templo,
que o tempo de hoje é das causas traídas...
Teu legado hoje é moda, a classe média o aceita,
e até mesmo declama entre whisky importado.
A esquerda tomou um caminho à direita,
não deixando lugar para o inconformado.
Eu, que sou pequenino em produção de versos,
quase solto do fio da meada histórica.
Que não sei escalar cordilheiras mais altas,
que me perco em semântica, hermêneutica e retórica,
pelo que você fez, flagro toda a certeza,
de que ainda está no caminho o impasse...
Porque, pra nós latinos, morrer é bem fácil,
difícil é manter a luz vida acesa.
Lembro, vi um olhar de criança assustada,
e tentei me acercar pra fazer-lhe um carinho.
Ela não esperou, fugiu em disparada
como foge uma lebre ou foge um passarinho.
Desde então me senti de tal forma sombrio,
como triste há de ser a última madrugada.
E quando a onda do cais vem quebrar na murada,
sinto que o grande mar quer se esconder num rio...
Um rio subalterno da impureza e o lodo,
portador do dejeto e de todo o detrito,
que se esgueira soturno, às escuras e todo
o que é vil e o que é verme acompanha-lhe o rito...
São os mesmos abismos, a morte, o mar, e as classes,
e nestas a fatalidade anula impasses.
Franpes
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