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Romance inédito

            

             Primavera dos mortos

 

                                                             Jorge Fernando dos Santos

 

                                        Parte 2

                                    Capítulo 11- Vendaval

     O AGUACEIRO que havia desenterrado os mortos naquela noite primaveril, trazendo de volta histórias que algumas pessoas gostariam de sepultar para sempre no esquecimento, não foi o único fenômeno natural a castigar Morro do Calvário e a entrar para o acervo de lembranças dos seus moradores.

Muitos anos antes, quando Dr. Galeno Valadares ainda nem sonhava ser transferido para aquele fim de mundo, um forte vendaval causou prejuízos e assustou a população do lugar.

Era uma tarde muito quente de agosto, mês de cachorro doido e ventania, como se diz, mas igual àquela nunca se viu e com certeza jamais se verá na região. A coisa começou como se fosse uma brisa suave vinda do Sul, e teve gente que até se deliciou, pois o calor naqueles dias estava quase insuportável.

O que ninguém esperava é que, de uma hora pra outra, a brisa virasse vento o vento mudasse de rumo e se transformasse em temporal. Um sudoeste enfurecido, desses que assobiam nas frondes do bambual, começou a levantar poeira e a formar rodamoinhos nas ruas do lugarejo.

De início, foi como se uma tempestade se aproximasse empurrada por uma frente fria, coisa rara de acontecer na região, naquela época do ano. As nuvens escuras não chegaram a formar tempestade e sequer trovejou no céu, mas um quase ciclone amedrontou até mesmo os moradores mais destemidos.

O vento bravo quebrou o cruzeiro da praça, bateu o sino do Rosário e arrancou telhas da igreja. Uma nuvem de poeira vermelha encobriu o sol e as galinhas se empoleiraram, provavelmente pensando que já havia anoitecido.

Siá Zizinha e outras beatas imaginaram que fosse um eclipse ou talvez o fim do mundo. Pegaram rosários e dispararam em ladainha, implorando proteção a São Jerônimo e São Bartolomeu.

Muitas casas foram destelhadas e árvores arrancadas com raiz e tudo. Foi muita sorte ninguém ter morrido ou se machucado seriamente. O fenômeno durou meia hora, tempo suficiente para virar do avesso o orgulho dos incrédulos.

Até mesmo padre Wenceslau, que era pouco dado a crendices e superstições, chegou a imaginar que uma força estranha se divertia em castigar os moradores de Morro do Calvário, lugar de histórias estranhas que mais pareciam capítulos de um cordel inacabado.

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