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Romance inédito

                                                  

                 Primavera dos mortos

                                                 Jorge Fernando dos Santos

                                                  Quarta Parte

                                 Capítulo 32 - Juscelino Baptista

                                             

TAL NÃO FOI a surpresa do homem da lei no dia em que seu Adão, vizinho de Siá Zizinha, apresentou-se na delegacia levando consigo um revólver calibre .32.

Onde foi que o senhor encontrou isto?, Dr. Galeno perguntou.

Pesquei no Ribeirão das Mortes, o velho respondeu.

Era um Smith & Wesson de modelo antigo, corroído pela ferrugem. Além de dois cartuchos vazios, o tambor ainda guardava três balas que não chegaram a ser disparadas.

Fiquei sabendo dos detalhes numa daquelas tardes modorrentas em que o delegado e eu bebíamos cerveja no balcão da farmácia, tendo queijo e chouriço como tira-gosto.

Sem ter mais o que fazer na vida, nosso rei de congado costumava passar algumas horas do dia pescando nos fundos da pequena chácara onde morava, pouco abaixo da casa dos Mouras.

O ribeirão estava magro naqueles dias de seca e, lá pelas tantas, depois de ter pescado apenas algumas piabas, o velho sentiu a linha pesar.

Por um momento, pensou ter fisgado um mandi dos maiores, mas, para sua decepção, ao vergar a vara de bambu na tentativa de puxar a chumbada para fora d’água, tal não foi sua surpresa ao constatar que se tratava de um revólver em cujo gatilho o anzol havia se enganchado.

Dr. Galeno confessou ter se surpreendido com a atitude do velho, que, alguns dias antes, havia se recusado a prestar informações sobre o comportamento da ilustre vizinhança. Ele poderia simplesmente ter devolvido a arma ao leito do ribeirão, onde ela permaneceria até que a ferrugem a corroesse por completo. No entanto, lá estava o banto, em plena chefatura, entregando o fruto de sua pescaria à autoridade competente.

Por que o senhor me trouxe esta arma?, o delegado quis saber.

O velho meditou por um instante para depois soprar com ares de sabedoria que só o tempo pode nos conceder.

Existe a lei de Deus e existe a lei dos homens, mas a justiça só é plena quando as duas se encontram, afirmou.

Em seguida, sem dar maiores explicações, até porque Dr. Galeno Valadares nada mais lhe perguntou, seu Adão saiu calmamente da delegacia, arrastando as pernas inchadas a caminho de casa.

E o que lhe diz a experiência, meu amigo?, perguntei enquanto abria outra garrafa de cerveja.

O delegado acendeu um cigarro com seu isqueiro Zippo dourado, soprou a fumaça para o alto e comentou que o melhor do ser humano é a sua imprevisibilidade.

Guardamos em nós tantas gavetas trancadas que nem mesmo sabemos quem somos, filosofou.

Por um momento, meditei sobre suas palavras. Bebi mais um gole de cerveja e mastiguei um naco de chouriço.

A bala que furou o crânio de Gláucia Maria era de calibre 32, comentei logo em seguida.

Exato, assentiu o delegado.

Tudo indica que seu Adão encontrou a arma do crime, deduzi.

É provável, Juscelino, é bem provável...

E agora, qual será o próximo passo?, perguntei, depois de algum silêncio.

Dr. Galeno deu uma funda tragada, soprou a fumaça com força para o alto e anunciou que passaria à fase dos interrogatórios.

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