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Romance inédito

       

        Primavera dos mortos

                                                 Jorge Fernando dos Santos

 

                                       Quarta parte

                             Capítulo 33 - Gláucia Maria

DE UMA HORA para outra, sem que tivesse lhe dado qualquer motivo, Leôncio passou a me evitar. Passou várias noites sem ir ao meu quarto, no barracão.

O que foi que deu nele?, perguntei a Zizinha certo dia em que ele fora à fazenda para tratar da venda de algumas rezes.

Não sei, disse ela, querendo saber o motivo da pergunta.

Expliquei que há mais de um mês ele não me procurava. Aliás, nem me dirigia a palavra e, quando eu quis saber o que havia acontecido, falou que estava envelhecendo e que talvez fosse tempo de nos arrependermos de nossos pecados.

Zizinha comentou que por essas e outras é que nunca se interessara pelos homens, que são todos uns brutos, e lembrou o padecimento de nossa mãe ao lado do pai.

Quanto mais ela fazia, menos ele a valorizava, suspirou.

Dias depois, eu estava no barracão a remendar umas peças de roupa quando ouvi Zizinha gritar. Corri até a casa, onde a encontrei aos prantos. Perguntei o que havia acontecido.

Ela, que sempre tinha os olhos enxutos, disse entre soluços que nossa mãe havia acabado de morrer.

O corpo ainda estava quente, estendido na cama e de olhos arregalados para o vazio. Descansou, suspirei antes de fechar-lhe os olhos e começar a chorar.

O velório atravessou a noite, como era de costume naquele tempo, para que a morta pudesse ser pranteada pelas pessoas que a conheceram em vida.

As mulheres mais velhas se revezaram na ladainha em volta do caixão iluminado pelas velas. Os homens ficaram na varanda, proseando e bebendo cachaça para espantar o frio madrugador.

O cheiro das rosas vermelhas que cobriam o corpo impregnou a casa e, desde então, nunca mais eu usaria perfume.

Tudo que a terra dá, a terra tira, disse padre Wenceslau durante a missa improvisada em nossa casa pouco antes de fecharem o caixão. Tudo que vive na terra para a terra é alimento, mas a alma que veio de Deus para Ele retornará no dia do juízo...

Eu estava de um lado do caixão e Leôncio, do outro. Sua imagem me parecia embaçada devido ao efeito das lágrimas em meus olhos. Ele se mantinha de cabeça baixa e em momento algum me dirigiu o olhar.

O caixão foi conduzido por ele e outros três homens. Formou-se atrás deles uma procissão silenciosa, que serpenteou pelas ruas em suspiros e orações até chegar ao cemitério.

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