Volta para a capa
Romance inédito

 

        Primavera dos mortos

 

                                                             Jorge Fernando dos Santos

                                    Quarta Parte

                        Capítulo 37 - Juscelino Baptista

A TERCEIRA PESSOA a prestar depoimento ao Dr. Galeno Valadares foi Djalma dos Anjos. Solteirão e de trejeitos efeminados, o sacristão havia dedicado dois terços de seus 45 anos de vida ao ofício da fé. Sem ter onde cair morto, morava de favor num dos quartos da casa paroquial. As más línguas o chamavam de mulher do padre. Maldade, pura maldade!

Dr. Galeno começou a interrogá-lo, repetindo a primeira pergunta que fizera ao prefeito e à Siá Zizinha.

Djalma falava depressa. Não chegava a gaguejar, mas quem o ouvia tinha a impressão de que tropeçava em pontos e vírgulas, pois as palavras saíam de sua boca aos borbotões. Estava no quarto, foi sua resposta.

No quarto?, perguntou o delegado.

No meu quarto, dormindo, completou o sacristão com as bochechas afogueadas.

O próprio Dr. Galeno foi quem me contou os detalhes do depoimento, na tarde seguinte, enquanto bebíamos cerveja no balcão da farmácia.

Djalma dos Anjos explicou-lhe que, naquela noite, fora acordado pelo padre Wenceslau, que esmurrou a porta do seu quarto. Recebeu ordens para ir depressa à casa do prefeito para avisá-lo que uma tragédia havia ocorrido na residência dos Mouras. Vestiu a roupa por cima do pijama, pegou o guarda-chuva e dirigiu-se rapidamente à residência oficial.

E foi nessa parte do depoimento que o delegado começou a vislumbrar a conclusão de suas investigações. Djalma disse ter entrado na varanda e batido na porta sem que ninguém o atendesse. Chamou o prefeito três vezes e chegou a gritar o seu nome, a ponto de se acenderem luzes na casa do lado.

Já estava para ir embora, quando o ilustre morador chegou da rua, com a roupa encharcada.

O que aconteceu?, seu Ascânio teria perguntado, ao que o sacristão lhe transmitiu a mensagem do vigário.

Nesse ponto, os depoimentos se contradiziam. Dias antes, ao ser interrogado sobre o que estava fazendo no momento da tragédia, o prefeito havia respondido que se encontrava em casa, entretido na leitura de Dom Casmurro, a obra-prima de Machado de Assis.

Ao ouvir o sacristão, Dr. Galeno compreendeu por que o político evitara comentar a célebre dúvida machadiana sobre a fidelidade da personagem Capitu. Na certa, seu Ascânio havia inventado o detalhe da leitura para dar mais veracidade ao depoimento. Este, talvez, tenha sido o seu erro. Vai ver até que ele nunca leu o famoso romance.

___________________

Capítulos anteriores

Próximo capítulo: 38 - Galeno Valadares - 29/03/2009

                  Antepenúltimo capítulo

Comente este romance, pois estamos chegando ao fim

* Nome
* E-mail
Comentário:
* campos obrigatórios