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Como escreve?
Fenando Sabino

"Eu sinto que um escritor, no momento da criação, é como uma criança que precisa ser solta no parque e deixada solta, porém tem de ter uma babá vigilante, porque ela pode cair dentro d’água, pode ser atropelada, pode se perder, pode ser raptada, pode morrer. Não sei se é isso que você quer saber, mas a mecânica da criação literária me é muito curiosa e eu a relaciono com o sonho: eu acho que é um estado onírico que é vivido na vigília; você está sonhando dentro da realidade. Eu já criei vários livros assim, por exemplo, o meu romance O grande mentecapto. Esse livro, sua concepção foi uma coisa meio maluca. Eu comecei a escrevê-lo em 1946, tomado pela necessidade de escrever alguma coisa que não tivesse o menor compromisso literário... Queria escrever algo meio rabelaisiano, meio chapliniano, meio maluco, sem eira nem beira, meio quixotesco, que fosse uma brincadeira. Inventei um tipo maluco, um doido, baseado num doidinho que tinha em Belo Horizonte, e fui contando as aventuras e desventuras do Grande Mentecapto Geraldo Viramundo e das suas peregrinações na província de Minas Gerais. Era para mexer com os meus amigos, era sem compromisso e sem nenhuma intenção de publicar. Escrevi umas 40 ou 50 páginas e deixei de lado – isso em 1946. Muito bem. Trinta e três anos depois, conversando com a minha atual mulher (aliás, eu devo ter mostrado aquelas páginas ao Otto Lara Resende, porque eu encontrei bilhete escrito à mão por ele que dizia assim: ‘Fernando, esse é o seu melhor livro: Otto’, assinado em 1963), falei pra ela: ‘tenho um livro que escrevi de brincadeira’. E comecei a ler o livro pra ela, todo, 40 páginas, todas amarelas, velhas, e ela falou: ‘Você tem a obrigação de prosseguir esse livro.’ Isso foi em 1979, portanto 33 anos depois. Eu achei engraçado ela me cobrar o livro e disse: ‘Está bem, eu vou retomar’. Eu levei exatamente 18 dias para escrever o livro, depois de ficar 33 anos parado. Eu revirei tudo! Agora, num estado quase sonambúlico, eu nem tinha mais idéia do que estava fazendo e o livro saiu pronto, praticamente; depois foi só passar a limpo".

Fonte: RICCIARDI, Giovanni. Auto-retratos. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

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